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sexta-feira, 29 de março de 2013

Controle Comportamental e Liberdade

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A discussão sobre controle comportamental inexoravelmente remete-nos à discussão sobre a questão da liberdade. Quando se fala em controle logo se pensa em perda da liberdade. Estas duas questões estão de tal forma relacionadas que controle e liberdade dificilmente são definidos sem que se faça uso de um ou de outro termo como antônimo na definição. Quem tenta explicar o que é a liberdade cita como exemplos situações em que o uso de um determinado tipo de controle levou à perda de locomoção ou da capacidade de expressão. Esta perda representaria uma restrição na liberdade. Melhor colocar a questão como uma pergunta: a existência do controle comportamental implica em perda de liberdade? Faz sentido falar em liberdade quando se admite a existência do controle comportamental?

Recomendo ao leitor que antes de prosseguir na leitura deste texto, se possível faça a leitura de um outro texto também postado neste blog: "Controle comportamental: algumas considerações". No texto recomendado apresento uma discussão sobre o que é o controle comportamental, e sobre como a Análise do Comportamento lida com esta melindrosa questão. Antes de prosseguirmos é bom recapitular o que diz o texto e lembrar que controle comportamental para a Análise do Comportamento é equivalente a relações de determinação. Isso significa que o comportamento é determinado, o que acaba sendo um golpe duro na noção de liberdade.

A liberdade como ausência de determinação não existe. Mas o sentimento de liberdade pode existir, dependendo apenas do arranjo de certas contingências de reforço. Contingências de reforço em que há prevalência de reforçamento positivo produzem com maior probabilidade uma sensação de liberdade. Contingências que possibilitam o exercício do contracontrole também contribuem para que as pessoas se sintam mais livres, pois estas contingências simplesmente tornam possível a eliminação das fontes de estimulação aversiva.

Um sujeito ao cumprir sua pena de prisão, depois de sair do presídio vai dizer que se sente livre porque se livrou das grades e das atrocidades cometidas dentro do sistema prisional. Neste sentido ele está dizendo que se livrou das fontes de estimulação aversiva ao qual estava submetido. O nosso sujeito hipotético tinha seus comportamentos na prisão mantidos por controle aversivo. Fora da prisão tem a oportunidade de se expor a contingências de reforçamento positivo, aumentando, dessa forma, as chances de sentir liberdade. A questão é que dentro ou fora da prisão seu comportamento continua sendo controlado pelo ambiente. É certo que haverá uma mudança no tipo de controle, o que ocasionará comportamentos emocionais diferentes.

Na prisão o nosso sujeito hipotético se encontrava sob o controle de contingências aversivas,  por isso se sentia oprimido e privado de liberdade. Fora da prisão ele acaba se submetendo ao controle de contingências que possibilitam a ocorrência de comportamentos que não poderiam ser emitidos enquanto estava preso. Vai poder namorar, trabalhar, se divertir etc. Talvez tais comportamentos até pudessem ocorrer na prisão, mas sob uma forte vigilância.

Se pedirmos alguém que viveu no tempo da ditadura militar para comparar o que sente agora com o que sentia quando estava submetido à vigilância de um regime militar, certamente esta pessoa vai dizer que se sente mais livre num regime político em que ela pode contestar e criticar as ações do estado do que em um regime em que estes comportamentos poderiam ser punidos com penas de prisão, tortura ou morte. A diferença está nas contingências de reforço. Em regimes militares comportamentos que se dirigem contra o governo são passíveis de punição. Já em regimes democráticos tais comportamentos podem ocorrer. Num regime prevalecem as contingências de controle aversivo e não existe a possibilidade de contracontrole. Noutro regime existe a possibilidade de contracontrole e são incentivados os comportamentos de participação na vida política do país. Mas nos dois regimes o comportar-se está sendo controlado pelas contingências de reforço. A diferença está no tipo de controle.

Ainda que a noção de controle comportamental represente um golpe duro para o conceito de liberdade, isso não quer dizer que controle e liberdade não possam coexistir, desde que se entenda que o comportamento não deixa de ser determinado, mesmo quando nos sentimos livres.O sentir-se livre é tão determinado quanto o sentir-se preso. É bom salientar que o sentimento de liberdade não é um bom parâmetro para concluirmos o quanto alguém está sendo capaz de assumir as rédeas do próprio destino. Uma pessoa pode se sentir livre, mas não ter consciência sobre as condições que produzem os seus comportamentos. Dessa forma, ela pode ser facilmente manipulada ou conduzida a agir de determinadas maneiras. A longo prazo estas maneiras de agir podem gerar produtos bastante nefastos, ou impedi-la de desenvolver uma maior consciência sobre si mesma e sobre o mundo em que habita. Falando de modo mais claro, alguém que se sinta livre pode continuar agindo como um cordeiro, sendo facilmente conduzido ao matadouro ou tosqueado por aqueles que conhecem as condições que afetam o seu comportar-se.

Outro problema com a noção de liberdade é que ela conduz à crença de que podemos agir como queremos, ou seja, ela supõe que o agir é causado pelo sentir, ou em outras palavras, ela assume que o comportamento pode ser causado pelas emoções. Emoções não são causas de comportamento. Emoções também são comportamentos. Recomendo a leitura de dois artigos postados neste blog para maiores esclarecimentos sobre o tema comportamento emocional: "Garçonetes de uma cafeteria nos EUA usam lingerie para aumentar as vendas: conversando sobre emoções" e "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos". Clique aqui para ter acesso a outros posts que também tratam desta temática.

Assumir que o comportamento pode ser causado pelas emoções é adotar o modelo de causalidade mentalista em que o comportar-se teria como origem um "eu iniciador", e este "eu" se encontraria em algum lugar da mente, sendo chamado ora de "Self" e ora de "Inconsciente". Em versões mais modernas das psicologias mentalistas, as funções desse eu recaem sobre as cognições ou até mesmo sobre o cérebro. Tais explicações obscurecem as contingências de reforço responsáveis pelo comportamento de sentir-se livre ou sentir-se preso. Uma vez obscurecidas as contingências de reforço, perdemos a oportunidade de construir aquelas condições que poderiam produzir mais "liberdade" e mais consciência a respeito das circunstâncias que afetam o comportar-se.

Portanto, a desconstrução do conceito de liberdade não implica em perda de liberdade, ou seja, não implica na criação de circunstâncias que venham eliminar as contingências de reforço que fazem com que as pessoas se sintam mais livres, ou na criação de contingências que as submetam ao controle aversivo. A desconstrução deste conceito oferece-nos a possibilidade de entender as condições que afetam o comportar-se e possibilita o planejamento de circunstâncias que favoreçam a construção de um mundo em que as pessoas tenham chances reais de serem felizes.

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.




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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Controle comportamental: algumas considerações

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Neste texto o leitor vai encontrar uma reflexão sobre a questão do controle comportamental. Ao elucidar tal questão, o texto tratará de examinar como a Análise do Comportamento aborda esta temática, e como ela está ligada a possibilidade de existência desta ciência que tem como objeto de seus estudos o comportamento. Inevitavelmente não será possível fugir de uma definição sobre o que é comportamento, pois no fim das contas esta definição fornecerá os parâmetros para esclarecer que o controle comportamental é uma questão de fato e não de escolha, ou seja, querendo ou não nossas condutas continuarão sendo controladas pelo ambiente da mesma forma que o mundo ao nosso entorno é controlado por nós. A própria definição de operante pressupões essa mútua relação de controle estabelecida entre o comportar-se e as modificações introduzidas no ambiente a partir do momento que nos comportamos.

A questão é tão delicada que ao menor sinal de sua menção os ânimos de muitos se exaltam. Como assim controlar o comportamento? Isso representaria a construção de uma sociedade de dominados e dominadores, é o que acreditam os críticos da noção de controle. Como se esta sociedade já não existisse! Os críticos da noção de controle comportamental cofundem o controle intrínseco da conduta humana pelo ambiente com o controle aversivo. Controle aversivo é apenas uma das formas de controle existentes. Uma árvore na floresta para fazer referência a uma metáfora utilizada por Sidman (1995).

De acordo com Sidman (1995) a floresta é a questão do controle comportamental, e uma árvore na floresta é o controle aversivo, ou seja, é o controle por uso de punição ou por ameaça de punição. Não temos a menor dificuldade para lidar com a temática do controle quando o que está sendo discutido é o comportamento de fenômenos físicos. Mas quando falamos de fenômenos comportamentais é inadmissível pensar em controle. Então, a questão é definir o que é controle, elucidar que controle comportamental e controle aversivo são duas questões distintas, e que falar de controle não implica em fazer uso de punição.

Comecemos a difícil tarefa de definir controle comportamental com um exemplo. Há poucos dias um meteorito caiu na Rússia causandos muitos estragos e deixando muitas pessoas feridas. Isso ocorreu porque um meteoro entrou na órbita terrestre e foi atraído por seu campo gravitacional. O campo gravitacional da Terra exerceu controle sobre o meteoro. Quando este passou pela atmosfera acabou se partindo em diversos pedaços, transformando-se, então, em um meteorito. Um meteorito é um fragmento de um meteoro.

Este exemplo é bastante propício para podermos refletir sobre a questão do controle comportamental. O meteoro foi atraído pelo campo gravitacional terrestre. Eis aí uma relação de controle, uma relação de determinação, ou melhor, uma relação de causalidade. O meteoro não entrou na órbita terrestre por acaso. Isso se deu por causa da força da gravidade. A massa da Terra é muito maior do que a do meteoro, portanto, seu poder de atração gravitacional é muito maior. O mesmo ocorre entra a Terra e a Lua, entre a Lua e as Marés e entre a Terra e o Sol.

O movimento de translação da Terra ocorre por causa do campo gravitacional do Sol. O sol controla o movimento da Terra. O movimenta da Lua entorno da Terra segue o mesmo princípio, como também o fenômenos das marés alta e baixa que sobem e descem de acordo com a proximidade da Lua em relação à Terra. Não temos a menor dificuldade para admitir que todos estes fenômenos traduzem relações de controle, e com base nestas relações que podem ser medidas, os atrônomos têm como realizarem predições sobre em que ponto a Terra se encontrará em relação ao Sol daqui a 30 anos, e como as estrelas serão vistas no céu no equinócio de outono no hemisfério norte daqui a 100 anos.

Todos estes exemplos traduzem relações de determinação entre fenômenos físicos. Relações de determinação são o mesmo que relações de causalidade. Em relações de causalidade, relações que se estabelecem quando há dependência entre dois ou mais fenômenos, é possível predizer como estes fenômenos vão se apresentar se for conhecido os comportamentos de cada um deles ou de pelo menos uma parte substancial dos mesmos. Se há relações de dependência, a presença de um fenômeno aumenta as chances de outros acontecerem, pelo menos aqueles que dependem da ocorrência do primeiro.

A condição para um meteorito atingir a superfície da Terra é um meteoro entrar em sua órbita. A condição para que um objeto de metal saia do repouso e comece a se movimentar quando dele for aproximado uma barra de imã, é que haja um imã que possa criar um campo eletromagnético substancial, e que seja criada uma proximidade tal que este campo atinja o objeto de metal. A presença do fenômeno campo eletromagnético altera o comportamento do objeto de metal, eis aí uma relação de dependência em que a presença de um fenômeno altera o funcionamento (comportamento) do outro.

A esta altura já deve ter ficado claro que controle é o mesmo que relações de dependência, relações de causalidade. Com o comportamento humano não é diferente. O comportamento enquanto uma função do organismo, enquanto uma ação empreendida pelo organismo, ação que contribui para sua sobrevivência, estabelece com outros fenômenos, neste caso fenômenos ambientais, relações de dependência. Uma vez que os cientistas se tornam capazes de descreverem estas relações com as chamadas leis científicas, podem, assim, intervirem nestes fenômenos e mudarem suas formas de ocorrência, desde que sejam capazes de fazer com que determinados eventos ocorram de forma a aumentar a probabilidade de ocorrência de outros eventos a eles relacionados, que com que eles tenham uma relação de dependência. O que as leis científicas fazem é descreverem relações de causalidade, nada além disso!.

O que a Análise do Comportamento faz é estudar as relações de dependência entre eventos ambientais e eventos comportamentais. A relação entre reforçamento e o aumento na frequência de um determinado comportamento é uma relação de dependência. Apresentados os reforços apropriados um comportamento pode ser alterado, pode ser controlado de modo que sejam maximizadas as possibilidades de que produza benefícios e diminuam as possibilidades de que produza malefícios. O controle está aí, é uma questão de fato. Ao fugirmos desta questão estamos evadindo da possibilidade de construírmos meios para tornar o mundo em que vivemos um lugar mais habitável, estamos desperdiçando recursos que poderiam ser aplicados na construção de relações mais saudáveis entre pessoas.

Onde quer que existam pessoas se comportando os seus comportamentos estarão sendo controlados por eventos ambientais consequentes (reforçamento) e antecedentes (controle de estímulos). Temos a opção de continuarmos inconscientes a respeito da existência deste controle, ou temos a opção de descrevê-lo e utilizar os meios adequados para que o comportar-se crie condições para que as pessoas se tornem seres humanos melhores. A Análise do Comportamento ao falar do controle não está advogando o uso do controle aversivo. Ao contrário, a Análise do Comportamento é defensora de um mundo livre do controle coercitivo, pois muitos já foram os dados produzidos sobre os efeitos nocivos gerados pelo uso de punições.

É porque existe controle comportamental é que nossa conduta é ordenada e previsível. Se não fosse assim viveríamos num mundo completamente caótico, pois não seríamos capazes de prevermos os resultados de nossas ações. E o que faz a Análise do Comportamento é apenas elucidar o controle comportamental, de modo a ter condições de oferecer à humanidade meios para construção de um mundo melhor, começando pela construção de pessoas melhores. Se já temos as ferramentas para isso, ou seja, para a construção de um mundo melhor, o que estamos fazendo de braços cruzados? É hora de sairmos do obscurantismo medieval e admitirmos que o controle é uma questão de fato, acreditando ou não em sua existência, ele continuará existindo.

E agora, as coisas ficaram mais claras? Opine no campo para comentários!

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REFERÊNCIAS:

SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. Campinas (SP): Editorial Psy, 1995.

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