Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.
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A discussão sobre controle comportamental inexoravelmente remete-nos à discussão sobre a questão da liberdade. Quando se fala em controle logo se pensa em perda da liberdade. Estas duas questões estão de tal forma relacionadas que controle e liberdade dificilmente são definidos sem que se faça uso de um ou de outro termo como antônimo na definição. Quem tenta explicar o que é a liberdade cita como exemplos situações em que o uso de um determinado tipo de controle levou à perda de locomoção ou da capacidade de expressão. Esta perda representaria uma restrição na liberdade. Melhor colocar a questão como uma pergunta: a existência do controle comportamental implica em perda de liberdade? Faz sentido falar em liberdade quando se admite a existência do controle comportamental?
Recomendo ao leitor que antes de prosseguir na leitura deste texto, se possível faça a leitura de um outro texto também postado neste blog: "Controle comportamental: algumas considerações". No texto recomendado apresento uma discussão sobre o que é o controle comportamental, e sobre como a Análise do Comportamento lida com esta melindrosa questão. Antes de prosseguirmos é bom recapitular o que diz o texto e lembrar que controle comportamental para a Análise do Comportamento é equivalente a relações de determinação. Isso significa que o comportamento é determinado, o que acaba sendo um golpe duro na noção de liberdade.
A liberdade como ausência de determinação não existe. Mas o sentimento de liberdade pode existir, dependendo apenas do arranjo de certas contingências de reforço. Contingências de reforço em que há prevalência de reforçamento positivo produzem com maior probabilidade uma sensação de liberdade. Contingências que possibilitam o exercício do contracontrole também contribuem para que as pessoas se sintam mais livres, pois estas contingências simplesmente tornam possível a eliminação das fontes de estimulação aversiva.
Um sujeito ao cumprir sua pena de prisão, depois de sair do presídio vai dizer que se sente livre porque se livrou das grades e das atrocidades cometidas dentro do sistema prisional. Neste sentido ele está dizendo que se livrou das fontes de estimulação aversiva ao qual estava submetido. O nosso sujeito hipotético tinha seus comportamentos na prisão mantidos por controle aversivo. Fora da prisão tem a oportunidade de se expor a contingências de reforçamento positivo, aumentando, dessa forma, as chances de sentir liberdade. A questão é que dentro ou fora da prisão seu comportamento continua sendo controlado pelo ambiente. É certo que haverá uma mudança no tipo de controle, o que ocasionará comportamentos emocionais diferentes.
Na prisão o nosso sujeito hipotético se encontrava sob o controle de contingências aversivas, por isso se sentia oprimido e privado de liberdade. Fora da prisão ele acaba se submetendo ao controle de contingências que possibilitam a ocorrência de comportamentos que não poderiam ser emitidos enquanto estava preso. Vai poder namorar, trabalhar, se divertir etc. Talvez tais comportamentos até pudessem ocorrer na prisão, mas sob uma forte vigilância.
Se pedirmos alguém que viveu no tempo da ditadura militar para comparar o que sente agora com o que sentia quando estava submetido à vigilância de um regime militar, certamente esta pessoa vai dizer que se sente mais livre num regime político em que ela pode contestar e criticar as ações do estado do que em um regime em que estes comportamentos poderiam ser punidos com penas de prisão, tortura ou morte. A diferença está nas contingências de reforço. Em regimes militares comportamentos que se dirigem contra o governo são passíveis de punição. Já em regimes democráticos tais comportamentos podem ocorrer. Num regime prevalecem as contingências de controle aversivo e não existe a possibilidade de contracontrole. Noutro regime existe a possibilidade de contracontrole e são incentivados os comportamentos de participação na vida política do país. Mas nos dois regimes o comportar-se está sendo controlado pelas contingências de reforço. A diferença está no tipo de controle.
Ainda que a noção de controle comportamental represente um golpe duro para o conceito de liberdade, isso não quer dizer que controle e liberdade não possam coexistir, desde que se entenda que o comportamento não deixa de ser determinado, mesmo quando nos sentimos livres.O sentir-se livre é tão determinado quanto o sentir-se preso. É bom salientar que o sentimento de liberdade não é um bom parâmetro para concluirmos o quanto alguém está sendo capaz de assumir as rédeas do próprio destino. Uma pessoa pode se sentir livre, mas não ter consciência sobre as condições que produzem os seus comportamentos. Dessa forma, ela pode ser facilmente manipulada ou conduzida a agir de determinadas maneiras. A longo prazo estas maneiras de agir podem gerar produtos bastante nefastos, ou impedi-la de desenvolver uma maior consciência sobre si mesma e sobre o mundo em que habita. Falando de modo mais claro, alguém que se sinta livre pode continuar agindo como um cordeiro, sendo facilmente conduzido ao matadouro ou tosqueado por aqueles que conhecem as condições que afetam o seu comportar-se.
Outro problema com a noção de liberdade é que ela conduz à crença de que podemos agir como queremos, ou seja, ela supõe que o agir é causado pelo sentir, ou em outras palavras, ela assume que o comportamento pode ser causado pelas emoções. Emoções não são causas de comportamento. Emoções também são comportamentos. Recomendo a leitura de dois artigos postados neste blog para maiores esclarecimentos sobre o tema comportamento emocional: "Garçonetes de uma cafeteria nos EUA usam lingerie para aumentar as vendas: conversando sobre emoções" e "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos". Clique aqui para ter acesso a outros posts que também tratam desta temática.
Assumir que o comportamento pode ser causado pelas emoções é adotar o modelo de causalidade mentalista em que o comportar-se teria como origem um "eu iniciador", e este "eu" se encontraria em algum lugar da mente, sendo chamado ora de "Self" e ora de "Inconsciente". Em versões mais modernas das psicologias mentalistas, as funções desse eu recaem sobre as cognições ou até mesmo sobre o cérebro. Tais explicações obscurecem as contingências de reforço responsáveis pelo comportamento de sentir-se livre ou sentir-se preso. Uma vez obscurecidas as contingências de reforço, perdemos a oportunidade de construir aquelas condições que poderiam produzir mais "liberdade" e mais consciência a respeito das circunstâncias que afetam o comportar-se.
Portanto, a desconstrução do conceito de liberdade não implica em perda de liberdade, ou seja, não implica na criação de circunstâncias que venham eliminar as contingências de reforço que fazem com que as pessoas se sintam mais livres, ou na criação de contingências que as submetam ao controle aversivo. A desconstrução deste conceito oferece-nos a possibilidade de entender as condições que afetam o comportar-se e possibilita o planejamento de circunstâncias que favoreçam a construção de um mundo em que as pessoas tenham chances reais de serem felizes.
Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.
A liberdade como ausência de determinação não existe. Mas o sentimento de liberdade pode existir, dependendo apenas do arranjo de certas contingências de reforço. Contingências de reforço em que há prevalência de reforçamento positivo produzem com maior probabilidade uma sensação de liberdade. Contingências que possibilitam o exercício do contracontrole também contribuem para que as pessoas se sintam mais livres, pois estas contingências simplesmente tornam possível a eliminação das fontes de estimulação aversiva.
Um sujeito ao cumprir sua pena de prisão, depois de sair do presídio vai dizer que se sente livre porque se livrou das grades e das atrocidades cometidas dentro do sistema prisional. Neste sentido ele está dizendo que se livrou das fontes de estimulação aversiva ao qual estava submetido. O nosso sujeito hipotético tinha seus comportamentos na prisão mantidos por controle aversivo. Fora da prisão tem a oportunidade de se expor a contingências de reforçamento positivo, aumentando, dessa forma, as chances de sentir liberdade. A questão é que dentro ou fora da prisão seu comportamento continua sendo controlado pelo ambiente. É certo que haverá uma mudança no tipo de controle, o que ocasionará comportamentos emocionais diferentes.
Na prisão o nosso sujeito hipotético se encontrava sob o controle de contingências aversivas, por isso se sentia oprimido e privado de liberdade. Fora da prisão ele acaba se submetendo ao controle de contingências que possibilitam a ocorrência de comportamentos que não poderiam ser emitidos enquanto estava preso. Vai poder namorar, trabalhar, se divertir etc. Talvez tais comportamentos até pudessem ocorrer na prisão, mas sob uma forte vigilância.
Se pedirmos alguém que viveu no tempo da ditadura militar para comparar o que sente agora com o que sentia quando estava submetido à vigilância de um regime militar, certamente esta pessoa vai dizer que se sente mais livre num regime político em que ela pode contestar e criticar as ações do estado do que em um regime em que estes comportamentos poderiam ser punidos com penas de prisão, tortura ou morte. A diferença está nas contingências de reforço. Em regimes militares comportamentos que se dirigem contra o governo são passíveis de punição. Já em regimes democráticos tais comportamentos podem ocorrer. Num regime prevalecem as contingências de controle aversivo e não existe a possibilidade de contracontrole. Noutro regime existe a possibilidade de contracontrole e são incentivados os comportamentos de participação na vida política do país. Mas nos dois regimes o comportar-se está sendo controlado pelas contingências de reforço. A diferença está no tipo de controle.
Ainda que a noção de controle comportamental represente um golpe duro para o conceito de liberdade, isso não quer dizer que controle e liberdade não possam coexistir, desde que se entenda que o comportamento não deixa de ser determinado, mesmo quando nos sentimos livres.O sentir-se livre é tão determinado quanto o sentir-se preso. É bom salientar que o sentimento de liberdade não é um bom parâmetro para concluirmos o quanto alguém está sendo capaz de assumir as rédeas do próprio destino. Uma pessoa pode se sentir livre, mas não ter consciência sobre as condições que produzem os seus comportamentos. Dessa forma, ela pode ser facilmente manipulada ou conduzida a agir de determinadas maneiras. A longo prazo estas maneiras de agir podem gerar produtos bastante nefastos, ou impedi-la de desenvolver uma maior consciência sobre si mesma e sobre o mundo em que habita. Falando de modo mais claro, alguém que se sinta livre pode continuar agindo como um cordeiro, sendo facilmente conduzido ao matadouro ou tosqueado por aqueles que conhecem as condições que afetam o seu comportar-se.
Outro problema com a noção de liberdade é que ela conduz à crença de que podemos agir como queremos, ou seja, ela supõe que o agir é causado pelo sentir, ou em outras palavras, ela assume que o comportamento pode ser causado pelas emoções. Emoções não são causas de comportamento. Emoções também são comportamentos. Recomendo a leitura de dois artigos postados neste blog para maiores esclarecimentos sobre o tema comportamento emocional: "Garçonetes de uma cafeteria nos EUA usam lingerie para aumentar as vendas: conversando sobre emoções" e "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos". Clique aqui para ter acesso a outros posts que também tratam desta temática.
Assumir que o comportamento pode ser causado pelas emoções é adotar o modelo de causalidade mentalista em que o comportar-se teria como origem um "eu iniciador", e este "eu" se encontraria em algum lugar da mente, sendo chamado ora de "Self" e ora de "Inconsciente". Em versões mais modernas das psicologias mentalistas, as funções desse eu recaem sobre as cognições ou até mesmo sobre o cérebro. Tais explicações obscurecem as contingências de reforço responsáveis pelo comportamento de sentir-se livre ou sentir-se preso. Uma vez obscurecidas as contingências de reforço, perdemos a oportunidade de construir aquelas condições que poderiam produzir mais "liberdade" e mais consciência a respeito das circunstâncias que afetam o comportar-se.
Portanto, a desconstrução do conceito de liberdade não implica em perda de liberdade, ou seja, não implica na criação de circunstâncias que venham eliminar as contingências de reforço que fazem com que as pessoas se sintam mais livres, ou na criação de contingências que as submetam ao controle aversivo. A desconstrução deste conceito oferece-nos a possibilidade de entender as condições que afetam o comportar-se e possibilita o planejamento de circunstâncias que favoreçam a construção de um mundo em que as pessoas tenham chances reais de serem felizes.
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