Por:
Bruno Alvarenga Ribeiro
Pouco
mais de um ano depois da tragédia na escola municipal Tasso da Silveira , em
Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro, as autoridades do estado do Rio
através de uma parceria entre as secretarias de educação e segurança,
resolveram criar o que chamaram de Programa Estadual de Integração de Segurança
(Proeis). O programa consiste em colocar Policiais fardados e armados em 90
escolas estaduais.
Estes policiais trabalharão em seus horários de folga. É a oficialização do bico. A justificativa é que muitos policiais já exerciam este trabalho, mas o faziam como bico sem nenhum respaldo do Estado. 423 policiais serão beneficiados com esta medida, pois receberão para fazer um bico nas escolas, e farão isso com farda e tudo que tem direito, inclusive armas. Armas são aqueles aparatos utilizados para inutilizar a vida alheia. Ok, ok, ok, eu sei que as armas são as ferramentas de trabalho dos policiais e isso não é o que está em jogo na análise que proponho.
Oficializar
o bico é admitir que no mínimo os policiais são mal remunerados para exercerem
suas funções, e diga-se de passagem que são funções que colocam em risco suas
vidas. Ninguém está dizendo que o papel da força militar não é importante para
o funcionamento da sociedade. Isso não está sendo cogitado. O que se pretende
indagar com este breve texto é se o problema da violência nas escolas é apenas
um problema que precisa ser tratado no âmbito das políticas de segurança
pública.
É
a velha tática de tapar o sol com a peneira. Esse ditado é mais velho que meus
falecidos avós, no entanto, continua sendo bastante útil, inclusive para esta
ocasião. Em outro post em que falei da criminalidade e dos problemas
relacionados ao funcionamento do sistema prisional, deixei muito claro que
coerção gera coerção. Coerção é uso ou ameaça de uso de punição. Punição não
extingue o comportamento punido, e sobretudo, gera efeitos colaterais bastante
nocivos: agressão, culpa, baixa autoestima, ansiedade etc.
A
violência nas escolas possivelmente é resultado de uma sociedade que perpetua o
controle coercitivo e de uma sociedade que submete uma parcela significativa da
população a muitas privações. Privações em todos os sentidos. Privações que
podem ser medidas em termos materiais, mas também privações que não podem ser expressas
numericamente, pois dizem respeito às frustrações de não se conseguir alcançar
o tão sonhado ideal da ascensão social, ideal que como regras de conduta
(descrições de contingências) controlam boa parte dos comportamentos de nossos
repertórios. A questão é que as contingências descritas nestas regras não se
concretizam para muitos. Aí vem toda sorte de frustrações que podem se
transformarem em fontes produtoras de agressão.
A presença
da polícia na escola são estímulos discriminativos que sinalizam a
possibilidade de coerção. O que faz a polícia? A função da força militar é
reprimir o que perturba a ordem social. O que mais além disso a polícia pode
fazer na escola? Sua presença certamente inibirá as práticas de violência, pois
sendo um estímulo aversivo, a população escolar vai se engajar em
comportamentos de esquiva, comportamentos que evitem punições. Mas isso não
coloca um fim na violência. É muita ingenuidade achar que a violência no
contexto escolar vai deixar de ocorrer por causa da presença de policiais. É
uma questão empírica. Todo estímulo aversivo condicionado pode perder sua
função quando deixar de ser associado ocasionalmente a punições. Quando
associado novamente a punições ele readquire sua função.
A princípio a presença de policiais pode inibir as práticas de violência. Elas deixarão de ocorrer por um tempo. Com isso o policial deixará de atuar repressivamente. Deixando de atuar repressivamente sua função de estímulo aversivo condicionado pode sofrer extinção. Sofrendo extinção cria-se a possibilidade para o ressurgimento das práticas de violência. Ressurgindo as práticas de violência o policial terá que agir. Agindo sua conduta é novamente associada a punições, reassumindo sua função de estímulo aversivo condicionado.
Logicamente
que os policiais receberão um treinamento para agirem no contexto escolar. Mas,
ainda, assim, fardas e armas são estímulos que continuarão sinalizando
possibilidade de coerção, e a mídia se encarrega de fazer esta associação todos
os dias. Trata-se de uma experimentação social. Não precisamos ser
completamente pessimistas. No entanto, não podemos deixar de questionar que o
problema da violência no contexto escolar deva ser tratado apenas com práticas
coercitivas, ou seja, deva ser tratado somente no âmbito das políticas de
segurança pública.
Talvez
seja a hora de se pensar seriamente a inserção de profissionais como
Psicólogos(as) e Assistentes Sociais nas escolas, pois a violência que se
manifesta neste contexto é produto de questões que transcendem os muros da
comunidade escolar. Trata-se de um problema a ser tratado no âmbito das
políticas de saúde e assistência social. Reprimi-lo com a presença ostensiva de
um aparato militar é apenas camuflar uma situação que tem dimensões muito
maiores.