Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.
Por isso levantar-se da cama associou-se à punição ou ameaça de punição. Fica a aquela sensação: "que direito vou perder hoje por meio da realização de acordos escusos tramados nos bastidores do congresso nacional?" Perder... Essa palavra assinala para algo importante: suspensão de reforçamento positivo, que também é uma forma de punição. E ontem, 13 de dezembro de 2016, no aniversário de 48 anos do AI-5 (Ato Institucional número 5) - que fechou o congresso e cassou direitos civis e políticos, e instaurou um tempo de perseguições contra tudo e contra todos que se posicionaram contra o regime militar -, foi aprovado em segundo turno no Senado a famigerada PEC 55, que também ficou conhecida como a PEC da morte.
A PEC 55 é resultado da correlação de forças entre dois projetos: o projeto da burguesia, que detendo os meios de produção, ou seja, os reforçadores mais importantes de uma sociedade capitalista, pode utilizá-los para reforçar os comportamentos de quem lhe interessa. Ao mesmo tempo a burguesia pode utilizá-los e também as contingências que envolvem punição e ameaça de punição sob o seu controle para punir os comportamentos dos grupos defensores do projeto rival, que é o projeto dos trabalhadores, cujo mote é o exercício de contracontrole contra toda a forma de controle aversivo que se origina da concentração dos principais reforçadores produzidos pela apropriação dos meios de produção e que são os reforçadores que estão na base de sustentação de todo o edifício capitalista.
Enquanto a PEC era votada, do lado de fora do Senado, a Polícia Militar repreendia duramente os movimentos oposicionistas. Punição para toda forma de exercício da liberdade! Aqui liberdade está sendo utilizada em sua acepção mais ampla e não como ausência de determinação, pois não existe comportamento não determinado. Exercício da liberdade significa poder exercer contracontrole sem sofrer coerção. Mas o grupo no poder demonstrou e vem demonstrando reiteradamente que a liberdade de participação política é meramente ilusória. O que é garantido em lei não se materializa por meio de ações concretas, ou seja, as contingências de reforçamento descritas na constituição e em leis infraconstitucionais esbarram nas contingências sob controle de quem detém o poder, de quem controla os principais reforçadores do edifício capitalista.
O exercício do contracontrole aponta para algo que o grupo no poder não quer deixar transparecer: o uso de contingências coercitivas é o padrão dominante no jogo de correlações de forças entre os dois projetos que a todo instante entram em choque no cenário político nacional: o projeto burguês e o projeto dos trabalhadores. Como pelas vias "normais" o contracontrole encontra obstáculos colocados pelo projeto concentrador de poder, pelo projeto concentrador dos principais reforçadores do edifício capitalista, resta o uso extremo da força manifestada por meio de atos "violentos", o que explica o ataque à sede da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) em São Paulo, símbolo (estímulo discriminativo) incontestável das relações de desigualdades que permeiam toda a estrutura da sociedade brasileira e de todas as sociedades capitalistas, algumas mais e outras menos. Desigualdades, que em última instância, evidenciam como para alguns grupos o acesso a reforçamento é muito mais facilitado e para outros ele praticamente não existe. No fim, sem dúvida alguma, é tudo uma questão de acesso às fontes de reforçamento.
O contracontrole exercitado pelas pessoas que invadiram a sede da FIESP parece violento em sua aparência. Mas em sua essência traduz o quanto o uso de controle aversivo pelos grupos dominantes limita os horizontes de negociação. Ou seja, em sua topografia os comportamentos parecem violentos, mas em sua função eles são modelados pelo uso de controle coercitivo. Quem julga os manifestantes que invadiram a sede da FIESP como vândalos deveria aplicar o mesmo raciocínio aos que aprovaram a PEC 55, pois no fim das contas ela representa um assalto aos direitos dos trabalhadores, ou seja, o ato de violência partiu primeiramente do congresso, que não é o primeiro e nem será o último, infelizmente. Se a acusação está baseada em uso de controle coercitivo por parte dos manifestantes, por força do raciocínio, o mesmo tipo de controle foi utilizado pelo congresso que ignorou o apelo de toda a sociedade brasileira, que nos próximos 20 anos será submetida a uma profunda precarização dos serviços públicos como saúde e educação, dificultando ainda mais o acesso às fontes de reforçamento essenciais para a manutenção da vida.
Não há vida sem reforçamento. Se as fontes de reforçamento são escasseadas, inevitavelmente, a possibilidade de variabilidade comportamental fica limitada. O cenário para as próximas décadas não é dos melhores. Sem variabilidade comportamental teremos pessoas mais doentes e com menor capacidade de enfrentarem as adversidades. Não estranhem se os índices de "adoecimento mental" apresentarem um alargamento nos próximos anos. Sem fontes de reforçamento só resta uma alternativa: o adoecimento.
A PEC 55 é um novo AI-5. Direitos civis e políticos não estão sendo cassados. Mas o corte orçamentário de políticas sociais coloca severos limites ao exercício da cidadania à medida em que submete a vida à lógica do mercado, que é uma lógica predominantemente baseada no uso de controle aversivo, pois quem tem bens consome, quem não tem sobrevive como pode, esperando, portanto, que alguma punição mais severa seja apresentada a qualquer instante. Na selva do mercado, regida pelas leis do darwinismo social, sobrevive o mais forte, o que acirra a competição e joga todos contra todos. Num cenário marcado por tamanha selvageria qualquer um pode ser transformado em inimigo. Resultado: muito sofrimento experimentado por meio de angústia e ansiedade, que são dois subprodutos emocionas resultantes do uso de controle coercitivo.