“Um texto fora do contexto vira pretexto
para protestar.” Este ditado popular nos informa algo muito importante sobre a
comunicação, um fenômeno tipicamente humano, pois só os homens possuem
comportamento verbal, e com ele podem descrever as contingências que modelam os
seus comportamentos e os comportamentos das pessoas com quem se relacionam. A
questão é que nem sempre as descrições que são feitas das contingências são de
fato fiéis a elas e isso leva a erros de percepção, ou melhor dizendo, levam a
erros comportamentais, pois as pessoas podem agir com base em suas descrições e
desconsiderarem as contingências de reforço.
O ditado também informa que o contexto
de um texto ajuda a dar sentido à narrativa. Opa, narrativa é comportamento
humano. Comportamentos humanos, verbais ou não, ocorrem em contextos, e estes
contextos estabelecem com os comportamentos relações de causalidade, aumentando
ou diminuindo suas probabilidades de ocorrência. Este tipo de relação de
causalidade é conhecido como controle de estímulos. Isso significa que o
comportamento, pelo menos no caso do comportamento operante, é causado pelas
consequências que produz e pelos contextos em que ocorre. Esta teorização é a
materialização da famosa contingência de reforço, conceito que indica que
consequências e contextos exercem controle sobre o comportar-se.
Textos e contextos, outra forma de
dizer: comportamento e controle de estímulos. Outra forma de dizer que
entenderemos mais claramente um comportamento quando olharmos para os contextos
em que ocorrem. Se a narrativa sobre um comportamento descontextualiza-o do contexto em que ocorre,
somos privados de informações importantes sobre as variáveis relacionadas à sua
emissão, o que leva a enganos de percepção, pois podemos acreditar que alguém
agiu de determinada forma quando na verdade os motivos são outros completamente
diferentes.
Imagine que você convide uma pessoa para
ir ao museu. Vocês passeiam pelas galerias durante horas sem que a pessoa emita
nenhuma palavra. Você certamente acha estranho e pode pensar: “que pessoa
antipática, não deu nenhuma opinião sobre nenhuma das obras que estavam em
exposição”. Este é um julgamento, uma tentativa de explicar o comportamento de
não emitir nenhuma palavra a respeito das obras expostas no museu. O problema
deste julgamento é que ele não considera as contingências de reforço
responsáveis pelo comportamento do convidado de passeio. Esta pessoa conhece
alguma coisa sobre obras de arte? Imagine que você é um crítico de obras de
arte e esta pessoa não saiba nada a respeito. Ela pode se sentir constrangida e
evitar qualquer comentário por temer as críticas que podem ser feitas. Trata-se
de um comportamento de esquiva que evita possíveis punições. Outra causa
possível para o seu comportamento é não conhecer nada sobre obras de arte.
Se ela não conhece nada sobre obras de
arte, não tem em seu repertório comportamentos apropriados para emitir qualquer
tipo de comentário. Em outras palavras, o contexto “museus com suas obras de
arte” não exerce nenhum controle especial sobre os comportamentos que
constituem o seu repertório comportamental. Ora, como ela vai então emitir
qualquer comportamento verbal a respeito das obras? O rótulo “antipático”
adjetiva o comportamento do convidado especulando sobre as causas relacionadas
à sua emissão. É uma descrição de contingências descontextualizada, que não
leva em conta o controle do contexto sobre o comportamento. Se levado a sério,
o rótulo pode ser tomado como verdade e daquele episódio em diante se
transformar em pretexto para não convidar a pessoa para outros tipos de
passeios, produzindo até mesmo um afastamento, pois ele sinaliza que aquela
relação é aversiva ou pouca reforçadora. O rótulo age como estímulo discriminativo
sinalizando a ocorrência de possíveis consequências aversivas.
Um pacifista e defensor dos direitos dos
animais pode se rebelar ao ver alguém chutando um cachorro na rua. Pode mover
um processo contra o agressor. Pode denunciá-lo às autoridades competentes.
Enfim, pode fazer muitas outras coisas. A questão é que este pacifista pode ter
visto apenas parte da cena. Às vezes o cachorro tenha avançado sobre a pessoa e
num ato de autodefesa ela acabou chutando-o. Por ter visto apenas parte da cena
o pacifista acabou descontextualizando o comportamento de chutar o cachorro do
contexto em que ele ocorreu e transforma o que viu em motivo para a realização
de um protesto sem medidas.
Os dois exemplos ensinam que devemos ter
cuidado com o que vemos e com o que ouvimos. Sobretudo, eles nos ensinam que
devemos ter cuidado com o que falamos. Será que o que falamos é fiel às contingências
responsáveis pelos comportamentos das pessoas com quem nos relacionamos, ou
procedemos de modo a descontextualizar o que as pessoas fazem para privilegiar
apenas a nossa percepção da situação? Dependendo da resposta à pergunta
corremos o risco de nos conscientizarmos de que somos tagarelas que criam
pretextos para protestar por motivos tão pequenos e banais, transformando,
assim, nossas relações em infernos existenciais.
Há outro ditado que diz que "boca fechada não entra mosquito." Melhor manter a boca fechada do que protestar sem motivos e correr o risco de engolir mosquitos!
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Oi Bruno! Já sou sua seguidora e passei para dar uma olhadinha nas novidades. Esse texto é ótimo, não tenho muito a dizer,porque como diz o ditado bem dito aqui " em boca fechada não entra mosquito." Falar sem entender do assunto é muito desagradável, vejo muito isso por ai a fora, melhor mesmo é só escutar e aprender...Parabéns.
ResponderExcluirAbraços
Marilene
Blog folhas flores e sutilezas
Obrigado Marilene pela visita e pelos comentários. De fato, é mto desagradável quando as pessoas se metem a falar daquilo que não entendem e acabam trocando os pés pelas mãos. O certo seria se elas pensassem mais antes de agir e contextualizassem melhor seus posicionamentos, pois isso evitaria mtos problemas.
ExcluirAbraços.
Muitos esteriótipos são produtos de análises inacuradas das contingências, só nos atentamos as respostas emitidas sem pensar nos antecedentes....como diz outro ditado, a palavra é de prata e o silêncio é de ouro!
ResponderExcluirwww.leticiapsicologa.blogspot.com
Letícia, faço minhas as suas palavras. Em muitas ocasiões o calar-se é muito mais valioso. Mas vivemos em uma cultura que incentiva muito mais o falar do que o calar-se.
ExcluirAbraços.
Parabéns,Bruno.Melhor ficar calada quando não entendemos do "riscado". Concordo plenamente! Abraço,Lylian
ResponderExcluirObrigado Lylian! Sua participação por aqui sempre é muito importante! Seja sempre bem-vinda!
ExcluirAbraços.