Por: Pedro Sampaio.
Todos
nós tendemos a confiar mais em algumas pessoas do que em outras. Temos
amigos aos quais fazemos confidências que não faríamos a nenhuma outra
pessoa; temos grupos nos quais confiamos para falar sobre determinados
assuntos mas não sobre outros; conhecemos pessoas das quais aceitamos
alegremente conselhos sobre qual o melhor carro para comprarmos, mas
jamais sobre relacionamentos; e por aí vai.
Geralmente
essa confiança é conquistada ao longo do tempo. A pessoa nos dá mostras
de podermos confiar nela ou então mostras de que não podemos. Em alguns
casos, essa confiança nem é adquirida ao longo do tempo, como, por
exemplo, quando alguém em quem confiamos nos indica que Fulano sabe
muito sobre carros e deveríamos aceitar seu conselho a respeito. E há
ainda aqueles em quem confiamos não por nossa experiência, nem devido à
indicação de várias pessoas ou de uma pessoa de confiança, mas porque
ocupam posições de autoridade.
Assim,
quando aparece uma mancha estranha na nossa pele, geralmente preferimos
a opinião de um médico, diplomado e especializado em manchas na pele, à
opinião de um estranho na rua.
Isso
é absolutamente natural, e fazemos bem de nos comportarmos desta forma.
Tendemos a confiar no médico, porque o tal médico, com diploma e
doutorado sobre manchas na pele, provavelmente não teria conseguido ser
uma autoridade no assunto se não tivesse estudado muito sobre o tema, se
não conhecesse mais sobre isso do que a maioria das pessoas e se não
tivesse tido um bom desempenho quando o assunto são manchas na pele. É
bastante provável que a opinião dele seja mais correta que a minha ou a
de um estranho qualquer na rua.
O
médico é um bom exemplo, mas nem de perto apenas médicos estão em uma
posição de autoridade. A quem tomamos como autoridade varia bastante de
pessoa para pessoa, mas outros exemplos comuns de autoridades são os
pais, padres, pastores, cientistas, professores, dentre outros.
Embora
por um lado façamos bem em confiarmos em autoridades, há um perigoso
efeito colateral nisso, tão perigoso a ponto de ser um dos maiores
problemas na produção de conhecimento atualmente: tomam-se afirmações de
autoridades como sinônimos de verdades, ao invés de se ter a
preocupação de analisar a veracidade de afirmações. Autoridades,
independentemente da posição que ocupam, não têm poderes especiais que
as demais pessoas não tenham e suas afirmações não são, por si mesmas,
mais verdadeiras por serem autoridades. No entanto, infelizmente,
frequentemente são tratadas desta forma.
Assim,
por mais contra-intuitivo que isso possa ser, uma idéia de Freud não
tem, por si só, mais valor do que a de um mendigo, nem as de Einstein
mais valor do que as de um estudante do ensino médio. O que deve ser
analisado é qual o fundamento daquela idéia e quais motivos temos para
concordar com ela. O fato de alguém ser uma reconhecida autoridade não
elimina a possibilidade de que esteja redondamente enganado.
Uma
das coisas que mais me incomodavam na Psicanálise, mesmo quando eu
ainda me orientava por ela, é o fato de quase nunca trazerem evidências
para suas afirmações. Em quase a totalidade dos casos, psicanalistas
recorriam à autoridade (geralmente de Freud, às vezes de Lacan – e este
último recorria à autoridade do primeiro), ao invés de trazerem razões
para que eu concordasse com eles. Da mesma forma, rejeitavam idéias e
colocações de colegas psicanalistas baseados na mesma autoridade: nada
poderia ser mais destruidor para a idéia de um psicanalista do que ouvir
um colega apontar que Freud pensava diferente ou que Lacan disse que
não é assim que aquilo funciona.
Mas,
a não ser que estejamos debatendo o que Freud disse (o que tem uma
pertinência pequena, apenas de curiosidade histórica), o fato de Freud
endossar uma idéia não quer dizer absolutamente nada. Entretanto, a
maioria parece não estar ciente deste fato. E elevar a autoridade a
critério de verdade é cometer suicídio intelectual.
Ironicamente,
o próprio Freud atacou sistematicamente essa prática, de apelo à
autoridade. Preocupou-se bastante com psicanalistas que tomavam suas
afirmações como verdades e igualmente criticou duramente outras idéias
que se apoiavam mais na autoridade do que nos fatos. Por exemplo, ao
falar sobre o marxismo, disse:
“O
marxismo teórico, tal como foi concebido no bolchevismo russo, adquiriu
a energia e o caráter auto-suficiente de uma Weltanschauung; contudo,
adquiriu, ao mesmo tempo, uma sinistra semelhança com aquilo contra o
que está lutando. Embora sendo originalmente uma parcela da ciência, e
construído, em sua implementação, sobre a ciência e a tecnologia, criou
uma proibição para o pensamento que é exatamente tão intolerante como o
era a religião, no passado. Qualquer exame crítico do marxismo está
proibido, dúvidas referentes à sua correção são punidas, do mesmo modo
que uma heresia, em outras épocas, era punida pela Igreja Católica. Os
escritos de Marx assumiram o lugar da Bíblia e do Alcorão, como fonte de
revelação, embora não parecessem estar mais isentos de contradições e
obscuridades do que esses antigos livros sagrados.” (FREUD, 1933, p.218)
É de fato uma triste ironia que exatamente o mesmo possa ser dito hoje a respeito da Psicanálise.
Mas
esta questão vai muito além da Psicanálise e da Psicologia. De modo
geral, alunos não são incentivados a pensar criticamente e a questionar
autoridades. Pelo contrário, são ensinados a reproduzir o que os
professores dizem. Em casa, os pais também tendem a educar seus filhos
de modo que eles sejam obedientes e questionem o mínimo possível sua
autoridade. Nas universidades é comum que os alunos simplesmente aceitem
o que é dito por um professor por este emanar autoridade, segurança,
eloqüência, enfim, porque admiram atributos deste professor. Mas isso
nada tem a ver com a veracidade de suas afirmações.
Fonte: Pedro Sampaio: A Vida, o Universo e Tudo Mais.
Referência;
Conferência
XXXV: A Questão de Uma Weltanschauung,1933 In: FREUD, Sigmund. Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud,
Volume XXII. Imago Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1976
Olá Multiplicador Bruno, é com enorme satisfação que recebemos sua participação na família Educadores Multiplicadores.
ResponderExcluirEnquanto seu blog não é divulgado naquele espaço, conheça os outros Multiplicadores e continue nos visitando.
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Educador Bruno, seu blog será publicado ainda este mês. Agora, é só aguardar a sua publicação.
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IRIVAN
Obrigado Irivan pela aprovação do meu blog. É uma honra fazer parte da família Educadores Multiplicadores!
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