sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Psicopatologia: o que o Behaviorismo Radical tem a nos dizer?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Se Psicologia significa o estudo da vida mental, faz parte deste estudo a investigação sobre os quadros patológicos que venham a perturbar o funcionamento da mente. Neste sentido, a construção de uma psicopatologia, confere à Psicologia o estatuto epistemológico que ela precisa para ser reconhecida como área do saber que pode reivindicar para si o status de ciência. Então, a luta da Psicologia para ser reconhecida como ciência, coincide com o esforço empreendido na identificação dos diversos quadros patológicos, em saber situar a origem destes quadros e seus possíveis desdobramentos, podendo, assim, proceder a diagnósticos e prognósticos.

Tudo isso acaba conferindo à Psicologia uma utilidade, pois, desta forma, as patologias se tornam tratáveis, e aquilo que faz o homem sofrer pode ser eliminado ou ao menos minimizado. Todavia, a psicopatologia, pilar que dá à Psicologia a possibilidade de ter um estatuto epistemológico próprio, pode ser questionada, e sua fragilidade se revela quando se tem a possibilidade de demonstrar que aquilo que é chamado de doença, muitas vezes não passa de formas de agir que foram aprendidas a partir da vivência de certas experiências.

É aqui que se revela a grande contribuição do Behaviorismo Radical para a Psicologia, que é demonstrar que por mais estranho que seja um comportamento, por mais que ele produza desconforto, por mais patológico que pareça, seja por causa da forma estereotipada como é expressado, seja pela frequência com que interfere na emissão de outros comportamentos capazes de produzirem benefícios, ele é um comportamento aprendido, pelo menos isso é verdade quando se trata de comportamento operante. Não se trata de ignorar outros tipos de comportamentos que sejam produtos de outras formas de seleção, e neste artigo serão destacadas três: filogenética, ontogenética e cultural.

O Behaviorismo Radical, cujo criador é B. F. Skinner, é a filosofia de um modo bastante particular de investigação do comportamento (SKINNER, 1993), filosofia que ao invés de adotar a mente e assemelhados como objeto de estudos da Psicologia, elege o comportamento como sendo este objeto. Este modo particular de investigação é conhecido como Análise Experimental do Comportamento. O método experimental compõe o conjunto de estratégias utilizadas para a produção de conhecimentos sobre o comportamento visando investigar as leis que o governam, por meio de manipulação sistemática de variáveis.

O Behaviorismo Radical é chamado de radical porque nega radicalmente explicações não materiais e se dedica ao estudo de qualquer comportamento sendo ele público ou privado. Mente e assemelhados são constructos hipotéticos que nada explicam e no modelo de causalidade ambientalista adotado pelo Behaviorismo Radical, é importante que se ressalte que ambiente é entendido como tudo aquilo que é externo ao comportamento e não necessariamente o que é externo ao organismo. (RIBEIRO et al, 2011). Esta definição de ambiente é ampla o suficiente para englobar aqueles eventos que são chamados de privados, pois tudo que afeta o comportar-se pode ser chamado de ambiente, inclusive eventos que se passam sob a pele, que se passam no mundo interior.

Eventos privados são aqueles acessados somente por quem se comporta (BAUM,1999). Pensamentos, imaginação, sonhos, emoções, entre outros, são exemplos de eventos privados. Mas, não é porque são privados é que são mentais (RIBEIRO et al, 2011). Estes são eventos comportamentais assim como os comportamentos públicos, ou seja, têm a mesma natureza de comportamentos acessíveis diretamente à observação. Em outras palavras, são eventos naturais, que ocupam um lugar no tempo e espaço, e por isso podem ser estudados cientificamente, inclusive com uso do método experimental. A única diferença entre eventos privados e públicos é a acessibilidade.
          
Tanto os eventos comportamentais públicos, quanto os privados são causados pelo ambiente. O ambiente exerce sobre o comportamento uma ação seletiva que opera em três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. No nível filogenético comportamentos que aumentaram as chances de sobrevivência da espécie foram selecionados assim como foram os traços anatômicos e morfológicos. Estes comportamentos são chamados de reflexos ou respondentes, pois ocorrem sem necessidade de aprendizagem. Eles são parte da dotação genética do organismo, portanto, não o preparam para se adaptar a um ambiente em constantes mudanças, mas somente para se adaptar a um ambiente semelhante aquele em que o comportamento foi selecionado na história evolutiva da espécie.

No nível ontogenético comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do organismo a um ambiente mutável. Portanto, neste nível há aquisição de novos comportamentos, diferente do nível filogenético em que operam os comportamentos respondentes, e é esta aquisição de novos comportamentos que dá ao organismo maior capacidade de adaptação. No nível ontogenético estão os comportamentos que são chamados de operantes. São assim chamados porque operam no ambiente provocando determinadas modificações (SKINNER, 1993). “Por sua vez estas modificações também alteram o comportamento, tanto em sua função (sentido/intencionalidade) quanto em sua topografia (forma). [...] Sendo assim, o operante é selecionado (determinado) pelas consequências que produz.” (RIBEIRO, 2012, p. 73).



O mecanismo de seleção pelas consequências é análogo ao processo de seleção natural. Na seleção natural certas características foram selecionadas por causa do seu valor de sobrevivência, enquanto que na seleção operante certos comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do indivíduo. Mas, dizer que a seleção gera comportamentos adaptados não significa dizer que as consequências apenas selecionam o que há de melhor, pois este processo pode gerar produtos que a curto prazo parecem benéficos, mas que a longo prazo são prejudiciais. O comportamento de usar drogas é um exemplo de comportamento que a curto prazo parece produzir benefícios (prazer, alívio etc), mas que a longo prazo acarreta consequências nefastas. (RIBEIRO, 2012, p. 78).



Micheletto (1999) assim se refere à seleção pelas consequências, modelo de determinação adotado por Skinner para explicar o comportamento operante, comportamento que engloba a maior parte de nossas ações, ações que vão desde um aceno com a mão até pilotar um avião:




A seleção por consequências não resulta, segundo Skinner, em um processo que se dirija para algo melhor e mais desenvolvido. Ela pode produzir processos e produtos nefastos à espécie e ao próprio homem, como o comportamento supersticioso, ou práticas sociais que poderão significar a destruição da espécie humana. (MICHELETTO, 1999, p. 124).



Este modelo de seleção é aplicável também às práticas culturais que são selecionadas por causa de suas consequências, por causa de seus impactos sobre grupos e culturas. Para guisa de uma conclusão, nos questionemos: que relação pode ser feita entre o modelo de seleção pelas consequências, modelo de causalidade adotado pelo Behaviorismo Radical para explicar o comportamento, e a construção de uma Psicopatologia em Psicologia, construção que coloca em lados opostos o normal e o patológico, a saúde e a doença?

Micheletto (1999) e Ribeiro (2012) assinalam que o efeito da seleção por consequências pode resultar em comportamentos nefastos ao homem, ou seja, que as contingências de reforço podem selecionar comportamentos que colocam em risco a vida humana. Contingências de reforço é um termo para se referir ao fato de que o comportamento operante estabelece relações de dependência com as consequências que produz e com o contexto em que ocorre. Estímulos presentes neste contexto quando associados às consequências (reforços) também passam a agir na determinação do comportamento, e agem de modo a aumentar sua probabilidade de ocorrência. Outros estímulos semelhantes a estes passam a ter a mesma função, o que demonstra que o comportamento é multideterminado, ou seja, que muitas são as variáveis relacionadas à sua ocorrência.

Se as contingências de reforço são responsáveis pela seleção do comportamento, há boas razões para um certo ceticismo acerca da dicotomia normal versus patológico, pois todo comportamento é produto das consequências e estímulos presentes nos contextos em que ocorre, e esse raciocínio é válido até mesmo para os comportamentos mais estranhos, para os comportamentos que caracterizam o que alguns psicólogos chamariam sofrimento psíquico. Desta forma, persistir na construção de uma psicopatologia que coloca de um lado a normalidade e de outro as patologias pode ser questionável.





[...] Se acredito na seleção do comportamento por contingências, quem sou eu para classificar algum comportamento como patológico? A crença na seleção leva a, no mínimo, pensar que todo e qualquer comportamento seja adaptativo, dentro das contingências que o mantém. E se for possível proceder a uma análise funcional da situação na qual o comportamento dito “patológico” se insere, chegar-se-á à conclusão de que aquele seria o único comportamento que poderia acontecer, dadas aquelas contingências. (BANACO, 1997, p. 81).




Banaco (1997, p. 81) ainda acrescenta que “apesar de serem adaptativos no sentido de terem sido selecionados, alguns comportamentos causam sofrimentos às pessoas que os emitem ou àquelas que estão às suas voltas.” Portanto, as contingências de reforço, ou seja, as consequências e circunstâncias relacionadas à probabilidade de emissão do comportamento podem selecionar e evocar comportamentos que geram sofrimento para quem se comporta e para seu grupo social. Sendo assim, a distinção entre normal e patológico pode fazer pouco sentido, pois mesmo os comportamentos que produzem desconforto são selecionados por suas consequências.

Tal argumentação ainda coloca em questionamento o que geralmente são chamadas de doenças psicossomáticas, doenças físicas que tem como origem uma causa mental e/ou emocional. Fenômenos mentais e emoções são exemplos de comportamentos. Se emoções são comportamentos, melhor dizendo, são comportamentos emocionais, estes ao invés de serem tomados como causa de qualquer outro tipo de comportamento, devem ao contrário serem explicitados por meio da elucidação das contingências responsáveis por suas ocorrências. O comportamento emocional como qualquer outro comportamento está sujeito à ação das contingências de reforço. Skinner (1993) sugere que as mesmas causas que provocam o comportamento, são também responsáveis pelo adoecimento físico que se supõe ter como origem os desajustamentos mentais e/ou emocionais:




Uma das mais dramáticas manifestações do suposto poder da vida mental é a produção de doença física. Assim como se diz que uma ideia na mente move os músculos que a expressam, assim também se diz que as atividades não-somáticas da psique afetam o soma. Afirma-se, por exemplo, que as úlceras são produzidas por uma raiva “internamente dirigida”. Deveríamos dizer, antes, que a condição sentida como raiva está medicamente relacionada com a úlcera e que uma situação social complexa provoca as duas. (SKINNER, 1993, p. 135).




Portanto, a chave para o entendimento de qualquer comportamento está nas contingências de reforço, ou seja, nas consequências que o comportamento produz e nas circunstâncias em que ocorre, como também nas contingências filogenéticas e culturais. Toda perplexidade e tendência de entender o comportamento como patológico cai por terra quando se evidenciam as contingências responsáveis por sua seleção e manutenção. Manipular as contingências para modificar o comportamento e assim eliminar possíveis desconfortos relacionados à sua ocorrência parece ser uma alternativa mais promissora que meramente descrever psicopatologias com supostas causas mentais.





REFERÊNCIAS



BAUM, W. M. Compreender o Behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

BANACO, R. A. Auto regras e patologia comportamental. In: ZAMIGNANI, D. R. (Org.) Sobre comportamento e cognição: a aplicação da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos. São Paulo: ARBytes, 1997, p. 80-88.

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas. 2. ed. Campinas: Editorial Psy, 1998, p. 27-34.

MICHELETTO, N. Variação e seleção: as novas possibilidades de compreensão do comportamento humano. In: BANACO, R. A. (Org.). Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos. Metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. 2 ed. Santo André: ARBytes, 1999, p. 1117-131.

RIBEIRO, B. A. et al. Uma análise do programa de recuperação dos alcoólicos anônimos. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 6, n. 2, p. 65-78, jul./dez. 2011.

RIBEIRO, B. A. Uma análise behaviorista radical de um modelo prototípico de formação da realidade social proposto por Berger e Luckman. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 7, n. 1, p. 69-83, jan./jun. 2012.

SKINNER, B . F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por participar!