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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Psicopatologia: o que o Behaviorismo Radical tem a nos dizer?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Se Psicologia significa o estudo da vida mental, faz parte deste estudo a investigação sobre os quadros patológicos que venham a perturbar o funcionamento da mente. Neste sentido, a construção de uma psicopatologia, confere à Psicologia o estatuto epistemológico que ela precisa para ser reconhecida como área do saber que pode reivindicar para si o status de ciência. Então, a luta da Psicologia para ser reconhecida como ciência, coincide com o esforço empreendido na identificação dos diversos quadros patológicos, em saber situar a origem destes quadros e seus possíveis desdobramentos, podendo, assim, proceder a diagnósticos e prognósticos.

Tudo isso acaba conferindo à Psicologia uma utilidade, pois, desta forma, as patologias se tornam tratáveis, e aquilo que faz o homem sofrer pode ser eliminado ou ao menos minimizado. Todavia, a psicopatologia, pilar que dá à Psicologia a possibilidade de ter um estatuto epistemológico próprio, pode ser questionada, e sua fragilidade se revela quando se tem a possibilidade de demonstrar que aquilo que é chamado de doença, muitas vezes não passa de formas de agir que foram aprendidas a partir da vivência de certas experiências.

É aqui que se revela a grande contribuição do Behaviorismo Radical para a Psicologia, que é demonstrar que por mais estranho que seja um comportamento, por mais que ele produza desconforto, por mais patológico que pareça, seja por causa da forma estereotipada como é expressado, seja pela frequência com que interfere na emissão de outros comportamentos capazes de produzirem benefícios, ele é um comportamento aprendido, pelo menos isso é verdade quando se trata de comportamento operante. Não se trata de ignorar outros tipos de comportamentos que sejam produtos de outras formas de seleção, e neste artigo serão destacadas três: filogenética, ontogenética e cultural.

O Behaviorismo Radical, cujo criador é B. F. Skinner, é a filosofia de um modo bastante particular de investigação do comportamento (SKINNER, 1993), filosofia que ao invés de adotar a mente e assemelhados como objeto de estudos da Psicologia, elege o comportamento como sendo este objeto. Este modo particular de investigação é conhecido como Análise Experimental do Comportamento. O método experimental compõe o conjunto de estratégias utilizadas para a produção de conhecimentos sobre o comportamento visando investigar as leis que o governam, por meio de manipulação sistemática de variáveis.

O Behaviorismo Radical é chamado de radical porque nega radicalmente explicações não materiais e se dedica ao estudo de qualquer comportamento sendo ele público ou privado. Mente e assemelhados são constructos hipotéticos que nada explicam e no modelo de causalidade ambientalista adotado pelo Behaviorismo Radical, é importante que se ressalte que ambiente é entendido como tudo aquilo que é externo ao comportamento e não necessariamente o que é externo ao organismo. (RIBEIRO et al, 2011). Esta definição de ambiente é ampla o suficiente para englobar aqueles eventos que são chamados de privados, pois tudo que afeta o comportar-se pode ser chamado de ambiente, inclusive eventos que se passam sob a pele, que se passam no mundo interior.

Eventos privados são aqueles acessados somente por quem se comporta (BAUM,1999). Pensamentos, imaginação, sonhos, emoções, entre outros, são exemplos de eventos privados. Mas, não é porque são privados é que são mentais (RIBEIRO et al, 2011). Estes são eventos comportamentais assim como os comportamentos públicos, ou seja, têm a mesma natureza de comportamentos acessíveis diretamente à observação. Em outras palavras, são eventos naturais, que ocupam um lugar no tempo e espaço, e por isso podem ser estudados cientificamente, inclusive com uso do método experimental. A única diferença entre eventos privados e públicos é a acessibilidade.
          
Tanto os eventos comportamentais públicos, quanto os privados são causados pelo ambiente. O ambiente exerce sobre o comportamento uma ação seletiva que opera em três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. No nível filogenético comportamentos que aumentaram as chances de sobrevivência da espécie foram selecionados assim como foram os traços anatômicos e morfológicos. Estes comportamentos são chamados de reflexos ou respondentes, pois ocorrem sem necessidade de aprendizagem. Eles são parte da dotação genética do organismo, portanto, não o preparam para se adaptar a um ambiente em constantes mudanças, mas somente para se adaptar a um ambiente semelhante aquele em que o comportamento foi selecionado na história evolutiva da espécie.

No nível ontogenético comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do organismo a um ambiente mutável. Portanto, neste nível há aquisição de novos comportamentos, diferente do nível filogenético em que operam os comportamentos respondentes, e é esta aquisição de novos comportamentos que dá ao organismo maior capacidade de adaptação. No nível ontogenético estão os comportamentos que são chamados de operantes. São assim chamados porque operam no ambiente provocando determinadas modificações (SKINNER, 1993). “Por sua vez estas modificações também alteram o comportamento, tanto em sua função (sentido/intencionalidade) quanto em sua topografia (forma). [...] Sendo assim, o operante é selecionado (determinado) pelas consequências que produz.” (RIBEIRO, 2012, p. 73).



O mecanismo de seleção pelas consequências é análogo ao processo de seleção natural. Na seleção natural certas características foram selecionadas por causa do seu valor de sobrevivência, enquanto que na seleção operante certos comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do indivíduo. Mas, dizer que a seleção gera comportamentos adaptados não significa dizer que as consequências apenas selecionam o que há de melhor, pois este processo pode gerar produtos que a curto prazo parecem benéficos, mas que a longo prazo são prejudiciais. O comportamento de usar drogas é um exemplo de comportamento que a curto prazo parece produzir benefícios (prazer, alívio etc), mas que a longo prazo acarreta consequências nefastas. (RIBEIRO, 2012, p. 78).



Micheletto (1999) assim se refere à seleção pelas consequências, modelo de determinação adotado por Skinner para explicar o comportamento operante, comportamento que engloba a maior parte de nossas ações, ações que vão desde um aceno com a mão até pilotar um avião:




A seleção por consequências não resulta, segundo Skinner, em um processo que se dirija para algo melhor e mais desenvolvido. Ela pode produzir processos e produtos nefastos à espécie e ao próprio homem, como o comportamento supersticioso, ou práticas sociais que poderão significar a destruição da espécie humana. (MICHELETTO, 1999, p. 124).



Este modelo de seleção é aplicável também às práticas culturais que são selecionadas por causa de suas consequências, por causa de seus impactos sobre grupos e culturas. Para guisa de uma conclusão, nos questionemos: que relação pode ser feita entre o modelo de seleção pelas consequências, modelo de causalidade adotado pelo Behaviorismo Radical para explicar o comportamento, e a construção de uma Psicopatologia em Psicologia, construção que coloca em lados opostos o normal e o patológico, a saúde e a doença?

Micheletto (1999) e Ribeiro (2012) assinalam que o efeito da seleção por consequências pode resultar em comportamentos nefastos ao homem, ou seja, que as contingências de reforço podem selecionar comportamentos que colocam em risco a vida humana. Contingências de reforço é um termo para se referir ao fato de que o comportamento operante estabelece relações de dependência com as consequências que produz e com o contexto em que ocorre. Estímulos presentes neste contexto quando associados às consequências (reforços) também passam a agir na determinação do comportamento, e agem de modo a aumentar sua probabilidade de ocorrência. Outros estímulos semelhantes a estes passam a ter a mesma função, o que demonstra que o comportamento é multideterminado, ou seja, que muitas são as variáveis relacionadas à sua ocorrência.

Se as contingências de reforço são responsáveis pela seleção do comportamento, há boas razões para um certo ceticismo acerca da dicotomia normal versus patológico, pois todo comportamento é produto das consequências e estímulos presentes nos contextos em que ocorre, e esse raciocínio é válido até mesmo para os comportamentos mais estranhos, para os comportamentos que caracterizam o que alguns psicólogos chamariam sofrimento psíquico. Desta forma, persistir na construção de uma psicopatologia que coloca de um lado a normalidade e de outro as patologias pode ser questionável.





[...] Se acredito na seleção do comportamento por contingências, quem sou eu para classificar algum comportamento como patológico? A crença na seleção leva a, no mínimo, pensar que todo e qualquer comportamento seja adaptativo, dentro das contingências que o mantém. E se for possível proceder a uma análise funcional da situação na qual o comportamento dito “patológico” se insere, chegar-se-á à conclusão de que aquele seria o único comportamento que poderia acontecer, dadas aquelas contingências. (BANACO, 1997, p. 81).




Banaco (1997, p. 81) ainda acrescenta que “apesar de serem adaptativos no sentido de terem sido selecionados, alguns comportamentos causam sofrimentos às pessoas que os emitem ou àquelas que estão às suas voltas.” Portanto, as contingências de reforço, ou seja, as consequências e circunstâncias relacionadas à probabilidade de emissão do comportamento podem selecionar e evocar comportamentos que geram sofrimento para quem se comporta e para seu grupo social. Sendo assim, a distinção entre normal e patológico pode fazer pouco sentido, pois mesmo os comportamentos que produzem desconforto são selecionados por suas consequências.

Tal argumentação ainda coloca em questionamento o que geralmente são chamadas de doenças psicossomáticas, doenças físicas que tem como origem uma causa mental e/ou emocional. Fenômenos mentais e emoções são exemplos de comportamentos. Se emoções são comportamentos, melhor dizendo, são comportamentos emocionais, estes ao invés de serem tomados como causa de qualquer outro tipo de comportamento, devem ao contrário serem explicitados por meio da elucidação das contingências responsáveis por suas ocorrências. O comportamento emocional como qualquer outro comportamento está sujeito à ação das contingências de reforço. Skinner (1993) sugere que as mesmas causas que provocam o comportamento, são também responsáveis pelo adoecimento físico que se supõe ter como origem os desajustamentos mentais e/ou emocionais:




Uma das mais dramáticas manifestações do suposto poder da vida mental é a produção de doença física. Assim como se diz que uma ideia na mente move os músculos que a expressam, assim também se diz que as atividades não-somáticas da psique afetam o soma. Afirma-se, por exemplo, que as úlceras são produzidas por uma raiva “internamente dirigida”. Deveríamos dizer, antes, que a condição sentida como raiva está medicamente relacionada com a úlcera e que uma situação social complexa provoca as duas. (SKINNER, 1993, p. 135).




Portanto, a chave para o entendimento de qualquer comportamento está nas contingências de reforço, ou seja, nas consequências que o comportamento produz e nas circunstâncias em que ocorre, como também nas contingências filogenéticas e culturais. Toda perplexidade e tendência de entender o comportamento como patológico cai por terra quando se evidenciam as contingências responsáveis por sua seleção e manutenção. Manipular as contingências para modificar o comportamento e assim eliminar possíveis desconfortos relacionados à sua ocorrência parece ser uma alternativa mais promissora que meramente descrever psicopatologias com supostas causas mentais.





REFERÊNCIAS



BAUM, W. M. Compreender o Behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

BANACO, R. A. Auto regras e patologia comportamental. In: ZAMIGNANI, D. R. (Org.) Sobre comportamento e cognição: a aplicação da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos. São Paulo: ARBytes, 1997, p. 80-88.

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas. 2. ed. Campinas: Editorial Psy, 1998, p. 27-34.

MICHELETTO, N. Variação e seleção: as novas possibilidades de compreensão do comportamento humano. In: BANACO, R. A. (Org.). Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos. Metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. 2 ed. Santo André: ARBytes, 1999, p. 1117-131.

RIBEIRO, B. A. et al. Uma análise do programa de recuperação dos alcoólicos anônimos. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 6, n. 2, p. 65-78, jul./dez. 2011.

RIBEIRO, B. A. Uma análise behaviorista radical de um modelo prototípico de formação da realidade social proposto por Berger e Luckman. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 7, n. 1, p. 69-83, jan./jun. 2012.

SKINNER, B . F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 

 
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sexta-feira, 12 de abril de 2013

Por que a Terapia Comportamental é Comportamental?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

É comum ouvirmos as pessoas dizerem: "a Terapia Comportamental dá muitos resultados em casos de fobias, principalmente as específicas." Que terapeuta comportamental nunca ouviu esta frase ou algo bem próximo disso? Se nunca ouviu não é terapeuta comportamental! Rs!!! Brincadeiras à parte, esta forma de pensar a terapia comportamental revela algo muito sério. Revela que as pessoas não sabem o que é a terapia comportamental. No imaginário coletivo a terapia comportamental é equivalente à aplicação de um conjunto de técnicas para a modificação do comportamento.

Nada mais enganoso do que achar que a terapia comportamental simplesmente se limita à aplicação de técnicas para a modificação de comportamentos. Uma determinada forma de conduzir o processo psicoterápico pode fazer uso de técnicas de modificação de comportamentos e mesmo assim não ser uma terapia comportamental, isso porque a terapia comportamental vai muito além da aplicação das técnicas pelas técnicas. As técnicas fazem parte do arsenal de intervenção em terapia comportamental, mas constituem apenas parte do setting clínico, e não constituem a parte mais importante. Isso mesmo, as técnicas de modificação de comportamentos não constituem a parte mais importante do setting clínico em terapia comportamental.

Então, vem a pergunta: o que faz com que a terapia comportamental mereça a denominação "comportamental"? De cara já sabemos que não é a simples aplicação das técnicas que fazem com que a terapia comportamental mereça tal denominação. É preciso entender que as técnicas são recursos para a realização de intervenções. Imagine um cientista que trabalha com tubos de ensaios e pipetas. Tubos de ensaios e pipetas fazem parte do arsenal que constitui o arranjo experimental sem o qual não seria possível o estudo de algumas reações químicas. Podem até ser parte do cenário que constitui este arranjo, mas não definem o que faz o profissional que estuda estas reações, neste caso o químico.

Seria muito grosseiro identificar o que faz o químico com a utilização de tubos de ensaios e pipetas. O que o químico faz vai muito além da utilização de tubos de vidro. Ele até precisa destes instrumentos para fazer a sua ciência, mas ela poderia muito bem ser construída sem eles. A comparação é válida para definir o que se faz na terapia comportamental. Técnicas de modificação do comportamento são análogas às pipetas e tubos de ensaio, mas não definem o que é a terapia comportamental. Como recursos para a realização de intervenções elas podem produzir modificações comportamentais. No entanto, estas modificações precisam estar ancoradas naquilo que é chamado de análise funcional do comportamento.

Somente com a análise funcional do comportamento o terapeuta tem condições de selecionar que comportamentos vão se tornar o alvo da intervenção e que contingências de reforço precisam ser modificadas para que os comportamentos sejam alterados. Isto joga por terra a crítica de que a terapia comportamental não consegue elucidar quais são os significados por trás de cada tipo de conduta. A terapia comportamental não faz outra coisa que não seja tornar claro quais são estes significados. Quando é elucidada qual é a função de um comportamento, ou seja, que variáveis estão relacionadas à sua ocorrência, estão sendo esclarecidos os seus significados, os motivos que fazem com que ele ocorra desta e não daquela forma.

O que faz com que a terapia comportamental mereça a denominação "comportamental", são os procedimentos analíticos que permitem uma análise minuciosa das contingências de reforço relacionadas à ocorrência dos comportamentos clinicamente relevantes. Estes procedimentos incluem a análise do comportamento, de suas consequências, dos contextos em que ocorre e dos esquemas relacionados às formas como as consequências seguem os comportamentos por elas mantidos. Há esquemas que produzem comportamentos resistentes à extinção, enquanto que outros produzem comportamentos menos vigorosos e facilmente extinguíveis.

Se todas as variáveis citadas forem levadas em consideração, dificilmente o comportamento modificado voltará a se manifestar, o que joga por terra outra crítica dirigida à terapia comportamental, de que nesta modalidade de terapia não há mudanças significativas, pois são abordadas apenas as manifestações sintomáticas. Em outras palavras, é dito por aí que a terapia comportamental lida apenas com sintomas. Esta clássica visão do comportamento como sintoma de processos mentais é descartada pela terapia comportamental.

O comportamento é produto de contingências de reforço. Ele também é produto de contingências filogenéticas e culturais, mas estas não estão ao alcance do trabalho terapêutico. Ele não é produto de processos mentais. Se as contingências de reforço forem efetivamente modificadas o comportamento também será. Então, não há probabilidade de ocorrerem novas manifestações sintomáticas, ou seja, de que o comportamento modificado volte a ser fonte de problemas.

Portanto, o que torna a terapia comportamental uma modalidade de intervenção psicoterápica que mereça a denominação "comportamental" são todos os procedimentos relacionados à analise e modificação dos comportamentos clinicamente relevantes. Não há modificação efetiva de comportamentos sem uma análise minuciosa das contingências de reforço. As modificações até podem ser alcançadas, mas sem uma análise das contingências de reforço elas não serão duradouras.

E você, entendeu o que é a terapia comportamental? Deixe os seus comentários sobre o texto nos campos destinados para este fim.

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quinta-feira, 14 de março de 2013

Dos Modelos Teóricos aos Modos de Intervenção: Terapia Comportamental e Terapia Comportamental-Cognitiva

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A junção entre os modos de intervenção clínica baseados nos modelos teóricos do comportamentalismo de orientação behaviorista radical e no cognitivismo, é tomado como algo que é tão natural, que faz parecer que não há incompatibilidades entre estes dois modelos que fazem referências a teorias que distam diametralmente uma da outra, é como se uma estivesse numa extremidade de uma reta e a outra na outra extremidade. As duas pontas da reta jamais vão se encontrar a não ser que a reta possa ser curvada, mas se isso ocorrer a reta deixa de ser reta, ou seja, a reta perde as suas características que a definem como sendo uma reta.

A terapia comportamental de orientação behaviorista radical perde suas características que a definem como comportamental ao seu unir à orientação cognitivista. Que características? A principal de todas elas é tomar o comportamento como foco da sua intervenção, entendendo-o como relação que se estabelece entre o organismo que se comporta e o ambiente. Por ambiente entende-se tudo aquilo que pode afetar o comportar-se (SKINNER, 1998). Ambiente é aquilo que é externo à ação e não o que é externo ao organismo (MATOS, 1999).

Nesta definição de ambiente entram os eventos privados, eventos que na concepção de Skinner (1993/1998) ocorrem num mundo debaixo da pele. Ainda fazendo referência a Skinner (1998), com relação aos eventos privados e à definição de ambiente ele diz:

"Quando dizemos que o comportamento é função do ambiente, o termo "ambiente" presumivelmente significa qualquer evento do universo capaz de afetar o oganismo. Mas parte do universo está encerrada dentro da própria pele de cada um. [...] Não temos necessidade de supor que os eventos que acontecem sob a pele de um organismo tenham, por essa razão, propriedades especiais. Pode-se distinguir um evento privado por sua acessibilidade limitada mas não, pelo que sabemos, por qualquer estrutura ou natureza especiais." (SKINNER, 1998, p. 281-282).

Eventos privados não são sinônimos de eventos mentais (MATOS, 1998). A acessibilidde limitada não transforma os eventos privados em eventos mentais. Eles continuam tendo propriedades físicas e temporais, ou seja, podem ser localizados no tempo e espaço, sendo, portanto, fenômenos naturais, fenômenos passíveis de serem estudados com os métodos das ciências naturais. O que torna difícil o estudo destes eventos é a sua acessibilidade, pois a comunidade verbal precisa arranjar contingências de reforço que permitam ao indivíduo falar de seu mundo privado, mas isso não é nada fácil, pois a comunidade verbal não tem acesso a este mundo. Então, ela faz isso com base em eventos públicos correlatos que acompanham os eventos privados. Para uma discussão mais pormenorizada de como esse processo acontece, sugiro a leitura de um outro texto deste blog: "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos."

O que fica claro é que o Behaviorismo Radical tem o arsenal teórico necessário para lidar com os eventos subjetivos, eventos geralmente equiparados a eventos mentais, sem que seja necessário recorrer ao mentalismo. Então por que a Terapia Comportamental, que é a aplicação dos métodos derivados da Análise do Comportamento e dos princípios teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical no entendimento e modificação do comportamento no setting clínico teria que recorrer ao cognitivismo? A terapia comportamental precisa do suporte teórico do cognitivismo?

É aqui que entra nossa reflexão que pretende diferenciar "bife à milanesa de bife ali na mesa". Bife à milanesa é uma forma de fritar bifes para que fiquem com uma crosta crocante, e bife ali na mesa é um bife de qualquer espécie localizado em cima de uma mesa. Da mesma forma Terapia Comportamental é uma coisa e Terapia Comportamental-Cognitiva é outra coisa completamente diferente, e a segunda não complementa e nem é uma espécie de evolução da primeira, antes representa muito mais um retrocesso do que um avanço.

Portanto, a adoção de um ou outro modelo teórico leva a modos de intervenção bastante distintos. Se o terapeuta comportamental considera como foco de sua intervenção o comportamento, ele analisará as contingências por trás de sua determinação, e em seguida planejará modos de intervenção que levem a modificações nestas contingências, de modo que estas modificações produzam alterações no comportamento. Ele agirá desta maneira porque entende e tem condições de provar que o comportamento é modelado pelo ambiente, ou melhor dizendo, que ele é modelado pelas contingências de reforço, e que as modificações nestas contingências levam a mudanças nas formas de agir.

Já o terapeuta cognitivista que adota a denominação comportamental-cognitivo ou cognitivo-comportamental, entende que o comportamento até pode ser influenciado pelo ambiente, no entanto, o mesmo é produto de processos cognitivos. Rangé (1998), ao se referir ao que chama de PCC (Psicoterapia Cognitivo-Comportamental), diz o seguinte:

"A  PCC é uma modalidade terapêutica desenvolvida a partir dos princípios de aprendizagem e, posteriormente, da ciência cognitiva, conforme estabelecidos pela psicologia experimental. Seu objeto de interesse é o comportamento como tal e seus fatores determinantes, como condições ambientais e processos cognitivos específicos, e não supostos processos subjacentes. [...] Segundo a PCC, os comportamentos que uma pessoa apresenta evidenciam a ação de princípios científicos do comportamento desenvolvidos pela psicologia experimental especialmente no campo da aprendizagem, da psicologia cognitiva e do estudo das emoções, além de conhecimentos gerados nas áreas de psicologia social, psiquiatria, psicologia clínica, desde que experimentalmente validados. Estes princípios estabelecem que o comportamento humano é grandemente determinado por suas relações com o ambiente atual e pela mediação cognitiva." (RANGÉ, 1998, p. 35).

Interessante notar que a citação acima é retirada de um artigo intitulado "Psicoterapia Comportamental", artigo em que o autor deveria apresentar a psicoterapia comportamental ao invés de tecer considerações sobre o que chama de PCC. A questão é que o termo comportamental é tão genérico que se faz necessário elucidar que referências teóricas são adotadas quando se fala de terapia comportamental, por isso este texto em diversos momentos sublinhou que a terapia comportamental do qual está se falando é aquela orientada pelos princípios teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical, e que isso fique bem claro.

Fica claro na citação de Rangé (1998) que os cognitivistas entendem os processos cognitivos como fatores determinantes na ocorrência do comportamento, e sublinham que estes são os fatores mais importantes a serem considerados. Os processos cognitivos, como crenças e mapas cognitivos vão mediar a ocorrência do comportamento, e a atuação do terapeuta deve visar a modificação destes processos, e sem que isso seja feito não há alterações no comportamento. Os terapeutas cognitivos até adotam a utilização de técnicas de modificação de comportamentos oriundas da análise do comportamento e das teorizações do Behaviorismo Radical, mas para eles estas técnicas apenas dão um suporte para que comportamentos sejam influenciados, pois a verdadeira mudança é aquela que decorre das alterações em processos cognitivos. Por causa da utilização destas técnicas é que fazem uso das denominações cognitivo e comportamental simultaneamente.

Talvez o leitor esteja se perguntando, mas o trabalho de terapeutas cognitivos-comportamentais não produz resultados? Isso é difícil de ser refutado. Realmente há resultados, mas isso é explicável. Qualquer terapia a princípio pode produzir resultados, até mesmo terapias de orientação psicanalítica. Ainda que não se adote o comportamento como foco da intervenção e sim as ficções mentalistas, durante o trabalho terapêutico são arranjadas contingências de reforço que levam a mudanças comportamentais, todavia, estas contingências são arranjadas acidentalmente, ou seja, o planejamento delas não ocorre da mesma forma como na terapia comportamental de orientação behaviorista radical.

A terapia psicanalítica nem é um bom parâmetro de comparação, pois nesta não há nenhum planejamento, e se surgem contingências que produzem modificações comportamentais, estas são um produto do mero acaso. Já na chamada terapia cognitivo-comportamental há algum planejamento, ainda que este não atue diretamente sobre o comportamento, pois o foco da intervenção são os processos cognitivos. Todavia, a postura mais ativa do psicoterapeuta potencializa as chances de que sejam arranjdas contingências que gerem mudanças comportamentais, e certamente a valorização da relação terapêutica, algo que os terapeutas comportamentais-cognitivos levam bastante a sério, cria circunstâncias que favorecem a mudança de comportamentos.

Mesmo que eles atuem sobre processos cognitivos, que na verdade são exemplos de comportamentos, acabam atuando sobre variáveis importantes e que levam a mudanças comportamentais. Crenças, que são exemplos de mapas cognitivos que influenciam a percepção da realidade, de acordo com os cognitivistas, são na verdade exemplos de descrições de contingências (regras) geradas por operantes verbais. Se as crenças são modificadas, ou seja, se os operantes verbais que controlam a emissão de outros comportamentos são modificados, é de se esperar que esses outros comportamentos também se modifiquem. Ao menos no que tange a probabilidade de emissão estes comportamentos serão modificados, pois sendo as regras estímulos discriminativos que sinalizam a ocorrência de determinados reforços, a sinalização atuará como fator no aumento ou diminuição da probabilidade de que certos comportamentos ocorram.

Logicamente que a modificação de regras não é suficiente, pois estas também são comportamentos, e por sua vez estes comportamentos são produto de outras contingências de reforço. Regras se alteram quando são modificadas as contingências de reforço que as originam. Então, o foco da intervenção devem ser as contingências de reforço que produzem as regras, as contingências arranjadas pelas regras e o controle exercido por elas na emissão de certos comportamentos e as outras contingências que junto com as regras também afetam o comportar-se.

Portanto, a adoção deste ou daquele modelo teórico acaba levando a modos diversos de atuação. Se trabalho com crenças, vou procurar atuar sobre variáveis intermediárias, o que na prática é um exercício de mentalismo. Atuando sobre variáveis intermediárias posso até conseguir alguma mudança, pois acidentalmente contingências de reforço podem ser criadas, contingências que produzem modificações comportamentais. Mas se trabalho com contingências de reforço ao invés de crenças ou mapas cognitivos, atuarei diretamente sobre aquelas variáveis relevantes para que ocorram mudanças comportamentais efetivas, e neste caso as mudanças não serão um produto acidental do processo psicoterápico.

Por conseguinte, encontramos no Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento os meios necessários para que deliberadamente planejemos contingências de reforço que levem a mudanças comportamentais efetivas, sem que seja necessário fazer referência à conceitos que ao invés de representarem um avanço, são uma espécie de retorno ao mentalismo.

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REFERÊNCIAS:

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In: RANGÉ, B. (Org.).
Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática,  aplicações e problemas.  2. ed.  Campinas: Editorial Psy, 1998. p. 27-34.

MATOS, M. A. Com o que o Behaviorista Radical trabalha?. In: BANACO, R. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista. 2 ed. Santro André: ARBytes, 1999, p. 45-53.

RANGÉ, B. Psicoterapia Comportamental. In: RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática,  aplicações e problemas.  2. ed.  Campinas: Editorial Psy, 1998. p. 27-34.

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 
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sábado, 18 de agosto de 2012

Relação Terapêutica e Calor Humano

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Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Muitas visões deturpadas orbitam em torno do tema psicoterapia, seja porque não existe uma única forma de conduzir uma "terapia do psicológico", e isso se dá em função da existência de diferentes perspectivas teóricas dentro da Psicologia, seja porque o modelo mais tradicional de psicoterapia mantém com o modelo médico uma relação de proximidade. Neste modelo há entre médico e paciente uma relação de distanciamento, e o paciente submete seu adoecimento ao saber quase onipotente do médico.

Logicamente que este modelo está em falência mesmo dentro da medicina, pois muito se fala em humanização do atendimento, humanização capaz de produzir circunstâncias que aumentam as chances do paciente aderir ao tratamento. Sendo assim, fica patente a importância do estabelecimento de uma relação profissional em que a expressão das emoções acaba se transformando em reforços que fortalecem os comportamentos de colaboração por parte do paciente.

No princípio da clínica psicoterápica, e a Psicologia deve sua inserção na clínica à Psicanálise, o psicoterapeuta se ausenta da relação para dar lugar à palavra. Vem daí o uso do famoso divã, uma espécie de sofá em que o paciente se deita e fala de suas emoções livremente. O psicoterapeuta para deixar que as emoções fluam naturalmente assume um lugar atrás do divã, pois o principal ator neste momento é a palavra, e é ela que levará a elucidação dos sentidos ocultos atrás de cada expressão emocional, dos sentidos que levariam aos labirintos de um suposto "inconsciente".

É típico deste tipo de condução do processo psicoterápico a "apatia" emocional do psicoterapeuta, o que colabora para que a relação terapêutica se torne em algo desprovido de afetividade. Mas a palavra pode continuar tendo o seu lugar de destaque sem que para isso seja sacrificada a relação terapêutica. O divã não é uma regra, e talvez seja muito mais uma exceção, pois tudo que se espera numa psicoterapia é acolhimento, acolhimento que gera a disposição para que o portador do sofrimento fale daquilo que lhe traz desconforto.

Ninguém busca a psicoterapia para dizer que está feliz. Ninguém pagaria um profissional para dizer: "olha, minha vida está ótima, e foi muito bom compartilhar isso com você!" Busca-se a psicoterapia no intuito de se conseguir produzir alterações naquelas circunstâncias geradoras de sofrimento. Se o sofrimento estabelece as circunstâncias favoráveis para a busca de ajuda profissional, ele pode ser também o motivo para que alguém desista de ser ajudado, desde que não se sinta devidamente acolhido, o que transforma a relação em algo bastante aversivo.

Estímulos aversivos geram comportamento de fuga. Desistir da ajuda é fugir, e a fuga pode tanto ser motivada pela aversividade da relação terapêutica, quanto pela aversividade do próprio sofrimento que precisa ser narrado, e ao ser narrado novos estímulos aversivos são gerados, e por sua vez estes estímulos aumentam a probabilidade de comportamentos de fuga. Depreende-se daí a ênfase numa relação que promova acolhimento, o que significa que o profissional pode e deve ser empático, pode e deve demonstrar compaixão, entendendo compaixão como um esforço em se colocar no lugar daquele que sofre.

Outro aspecto importante da relação que se estabelece entre profissional e cliente é a reciprocidade. Isso significa que expressões emocionais podem dar um feedback sobre o tipo de situação relacionada ao que é sentido tanto pelo cliente quanto pelo terapeuta. A relação terapêutica não é diferente de outros tipos de relações vividas fora do âmbito do setting clínico. Sendo assim, quanto mais natural for a relação terapêutica, mais o ambiente terapêutico vai imitar o ambiente do cliente, favorecendo, desta forma, a emissão de comportamentos clinicamente relevantes, de comportamentos que só poderiam ser observados em ambiente natural.

Se no seu ambiente natural o cliente experimenta emoções em suas relações, por que não haveria de experimentá-las na relação terapêutica? Por que a relação terapêutica não pode favorecer a ocorrência de comportamentos emocionais que ocorrem em ambiente natural? Ela não só pode como deve favorer a ocorrência destes tipos de comportamentos, o que acaba gerando informações valiosas sobre as contingências de reforço presentes na vida do cliente.

Os sentimentos do terapeuta não precisam ser ocultados do cliente, pois assim ele poderá se conscientizar do efeito que geralmente os seus comportamentos têm sobre as pessoas que fazem parte do seu convívio. Portanto, a relação terapêutica é um espaço de manifestação de calor humano, pois ela não se difere de outros tipos de relações, a não ser pelo fato de ser profissional, tendo assim o propósito muito claro de promover o reestabelecimento da parte que sofre.

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segunda-feira, 26 de março de 2012

Diagnóstico: "uma faca de dois gumes"

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

O diagnóstico em Psicologia Clínica pode ser uma faca de dois gumes. Se por um lado ele pode servir como uma diretriz para o tratamento e como meio para comunicação com outros profissionais da área da saúde, ele pode por outro lado atuar como uma camisa de força, como algo que engessa as ações do psicólogo, no sentido de não fazê-lo enxergar as contingências responsáveis pela ocorrência daqueles comportamentos, que geram todo o desconforto traduzido na queixa do cliente.


Cliente? Isso mesmo. Vou preferir usar o termo cliente em detrimento do termo “paciente”. Paciente tem uma forte conotação médica, por isso pressupõe que aquele que espera pacientemente pela cura esteja apresentando algum tipo de doença, e se não estivesse doente não esperaria pacientemente numa sala de espera pelo antedimento ou pelo reestabelecimento da saúde ao longo de todo o tempo em que durar o tratamento. Paciente tem outra conotação que muito me incomoda. Dá a entender que quem busca a cura recebe passivamente as orientações do profissional da saúde, tendo como único dever observá-las e colocá-las em prática.



Já o termo cliente pressupõe uma relação profissional em que ambos os pólos desta relação assumem uma postura ativa, postura determinante para que possa ocorrer a recuperação. O cliente tem também uma postura ativa no processo psicoterápico na medida em que ele é o próprio agente de mudança de sua vida, sendo, portanto, responsável pela alteração das contingências de reforço que produzem os seus comportamentos. Logicamente que tudo isso se torna possível porque o processo psicoterápico permite-o tornar-se consciente destas contingências, conhecimento que possibilita o planejamento de meios para alterá-las. Este planejamento sempre é feito em parceria com o profissional.

A base de todo este planejamento é o diagnóstico. O diagnóstico é como uma bússola. A bússola tem a função de orientar. Esta também é a função do diagnóstico, ou seja, ele orienta as ações que deverão ser tomadas, tornando possível a alteração das contingências responsáveis pelos comportamentos que produzem todo o desconforto traduzido na queixa do cliente.


Entretanto, o próprio termo “diagnóstico” está impregnado de um sentido médico bastante pernicioso à Psicologia. Pernicioso porque pressupõe a existência de uma doença, de uma patologia de origem mental. Nesta perspectiva a queixa seria a tradução em palavras dos comportamentos que sinalizam a existência da patologia. Estes comportamentos atuariam como sinais indicativos de que algo no mundo mental não vai bem, de que alguma coisa está em desordem, por isso são chamados de sintomas.


No entanto, nem a pessoa que se queixa sabe que seus comportamentos são sintomas que revelam algo que se passa em um mundo obscuro da mente. Podemos ver claramente neste exemplo os reflexos da adoção do modelo médico pela psicologia, modelo que divide o mundo em normal e patológico. Disto resultam esforços na tentativa de se construir uma psicopatologia, uma classificação das doenças mentais e da forma como elas se apresentam através de seus sintomas. Todo este esforço acaba produzindo rótulos diagnósticos, que se por um lado podem facilitar o diálogo entre profissionais da saúde, podem por outro lado obscurecer as contingências responsáveis por aqueles comportamentos que geram todo o desconforto relatado pelo cliente.

Se o cliente não sabe a origem do desconforto é porque não aprendeu a identificar os comportamentos que produzem todo o mal estar sentido, como também não aprendeu analisar as contingências responsáveis por estes comportamentos. Em outras palavras, o desconforto não tem origem em alguma doença mental produzida por uma mente inconsciente e obscura, mas sim nas consequências produzidas pelos comportamentos. Por sua vez estes comportamentos são mantidos por certas contingências de reforço. Sendo assim a origem do desconforto está nas contingências e só quando elas forem modificadas, o desconforto e os comportamentos que o originam modem ser eliminados.

O problema dos rótulos diagnósticos é que eles descrevem somente a topografia (forma) dos comportamentos e não suas funções, até porque isso não seria possível, pois as funções devem ser encontradas nas relações que cada comportamento estabelece com as contingências responsáveis por sua ocorrência. Como cada organismo tem uma história de interação com o meio ao seu entorno, resulta deste pressuposto que as funções de cada comportamento devem ser encontradas na história de reforçamento do organismo.

Por topografia entendemos a forma assumida pelo comportamento, ou seja, suas manifestações públicas, observáveis. Imagine o seguinte relato: “João subiu correndo na árvore para fugir do cachorro”. A topografia se refere à forma como João subiu na árvore. Pode ter subido escalando-a ou usando uma escada. Se foi escalando-a ou usando uma escada pode não fazer muita diferença para a análise do comportamento em questão. Mas a função do comportamento, ou seja, seu sentido, sua intencionalidade, faz sim toda a diferença. João subiu para fugir do cachorro que o perseguia. Pode ser que no passado João conseguiu escapar de cachorros fazendo alguma coisa para deles se distanciar. Pode ter pulado um muro, pode ter se escondido, pode ter subido numa árvore etc. O subir na árvore faz parte daquele conjunto de comportamentos que permite escapar de cachorros, e entre estes estão não somente os comportamentos de subir em árvores. Todos estes comportamentos têm a mesma função, mas topografias diferentes. Aquele comportamento que permite escapar mais eficientemente, provavelmente será reforçado e se tornará mais forte. Mas a emissão deste comportamento dependerá do contexto. Dependerá, por exemplo, se existe ou não uma árvore que possa ser escalada, um lugar para se esconder, um muro para ser pulado etc. As respostas subir em árvore, se esconder e pular um muro, têm todas a mesma função, embora tenham topografias completamente distintas.


Uma análise da topografia do comportamento de João não revelaria a sua intencionalidade, ou seja, não revelaria a sua função. Mas uma análise das consequências que se seguem a este comportamento e dos contextos em que ele ocorre permitiria a identificação de sua função. Alguém desavisado que viu João correndo de cachorros algumas vezes, poderia dizer que ele tem fobias de cachorros. Fobia é um rótulo diagnóstico, e como todo rótulo diagnóstico padece do mal de ser apenas descritivo, de apenas descrever o comportamento em sua aparência (topografia).

Mas só a análise do comportamento de João poderia levar a conclusão se ele tem ou não fobia de cachorros. Para ter fobia de cachorros não bastaria fugir de cachorros. A temática “cachorro” teria que ser suficiente para trazer prejuízos funcionais para João, ou seja, para o funcionamento geral de João. De repente, João deixaria de fazer muitas coisas interessantes porque poderia encontrar com cachorros na rua. Poderia abdicar de momentos de prazeres por causa da possibilidade de encontrar com cachorros. João poderia se sacrificar para ir para o trabalho por causa de cachorros. Imaginemos que o trabalho de João é perto de sua casa. João poderia ir para o trabalho andando, mas para fugir da possibilidade de encontrar com cachorros ele vai de carro. Isso faz João ter um gasto adicional no fim do mês por causa do combustível consumido pelo veículo.

Este tipo de análise leva em conta a frequência do comportamento, sua intensidade quando da sua ocorrência, como também os seus efeitos. Isso chamamos de análise funcional do comportamento. A análise funcional é bem diferente da análise topográfica, pois não se limita aos aspectos públicos do comportamento, e nem pressupõe que estes aspectos públicos são sintomas de algo oculto, de alguma patologia mental. A análise funcional está mais interessada em desvendar as funções do comportamento, e isso é feito identificando as relações que o comportamento estabelece com o meio.

Nesta perspectiva não se fala em doença, pois o comportamento por mais disfuncional que seja, por mais que produza prejuízos para o funcionamento global do indivíduo, ele é um produto das contingências de reforço. Se faz algum sentido falar de “patologias” em psicologia, estas são “socialmente construídas”, ou seja, são produtos da história de interação do indivíduo com o mundo ao seu redor. Como é desnecessário e contraproducente falar em patologia, pois esta perspectiva gera confusões as mais diversas, é mais pragmático tentar entender que história é responsável pela ocorrência de um determinado comportamento, ainda que este acarrete em inúmeros prejuízos para o indivíduo que se comporta. Todo comportamento é comportamento selecionado pelas contingências de reforço. Mesmo os comportamentos mais disfuncionais são produtos da história de interação com o meio.

Sendo assim, rótulos diagnósticos podem não dizer muita coisa. No máximo descrevem a topografia de alguns comportamentos. Alguém que tem algumas manias não necessariamente “tem” Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Não é porque uma pessoa separa as roupas por cores nas gavetas que ela tem TOC. Este comportamento de separar por cores teria que ser analisado de acordo com o nível de interferência que pode causar no funcionamento global da pessoa. Para isso seria necessário identificar sua frequência e sua intensidade. E a partir destes parâmetros investigar se o separar por cores produz desconfortos emocionais que acarretem em prejuízos funcionais. Se a esta forma de se comportar estão associados comportamentos emocionais que interferem em outros comportamentos produtivos, privando desta forma a pessoa de reforçadores importantes, poderia se levantar a suspeita de rituais compulsivos e de comportamentos encobertos repetitivos (obsessões).


Obsessões e compulsões são termos que indicam no máximo que existem comportamentos que se repetem com frequência, sendo que obsessões se referem a comportamentos encobertos e compulsões a comportamentos públicos. Porque isso acontece e as consequências acarretadas pela repetição, é uma questão para ser analisada funcionalmente. Embora, topograficamente o comportamento de separar as roupas por cores possa sugerir o indício de uma compulsão, funcionalmente este comportamento pode apenas significar, que a separação por cores facilita a escolha das roupas na hora de se trocar ou facilita a realização de combinações de peças de cores diferentes. A topografia pode ser enganosa, por isso todo cuidado é pouco com os rótulos diagnósticos. Além do mais, o uso indiscriminado dos rótulos diagnósticos pode levar a uma patologização da vida cotidiana, o que levaria a um psicologismo sem medidas.


Portanto, o diagnóstico pode ser uma “faca de dois gumes” na medida em que obscurece as contingências responsáveis pelo comportar-se, mesmo que este comportar-se seja produtor de prejuízos funcionais os mais diversos, e na medida que contribui para uma patologização da vida cotidiana, criando assim a falsa impressão de que a Psicologia é a ciência que estuda o funcionamento mental e as patologias que acarretam em um mal funcionamento da mente.

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