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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Da PEC da Morte ao Ataque à FIESP

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Confesso que tinha muito tempo que eu não escrevia para o blog. Ele andava meio jogado às traças. Mas os últimos acontecimentos políticos no país reclamam uma reflexão, pois eles são de embrulhar o estômago, comportamento reflexo proveniente de uso recorrente de controle aversivo. Levantar da cama todas as manhãs tem sido uma tarefa hercúlea. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de consciência política, ou seja, que é capaz de descrever as contingências que envolvem o jogo político brasileiro e seus efeitos sobre o funcionamento da sociedade, sobre as macro e metacontingências, não consegue não se indignar. É punição atrás de punição!

Por isso levantar-se da cama associou-se à punição ou ameaça de punição. Fica a aquela sensação: "que direito vou perder hoje por meio da realização de acordos escusos tramados nos bastidores do congresso nacional?" Perder... Essa palavra assinala para algo importante: suspensão de reforçamento positivo, que também é uma forma de punição. E ontem, 13 de dezembro de 2016, no aniversário de 48 anos do AI-5 (Ato Institucional número 5) - que fechou o congresso e cassou direitos civis e políticos, e instaurou um tempo de perseguições contra tudo e contra todos que se posicionaram contra o regime militar -, foi aprovado em segundo turno no Senado a famigerada PEC 55, que também ficou conhecida como a PEC da morte.

A PEC 55 é resultado da correlação de forças entre dois projetos: o projeto da burguesia, que detendo os meios de produção, ou seja, os reforçadores mais importantes de uma sociedade capitalista, pode utilizá-los para reforçar os comportamentos de quem lhe interessa. Ao mesmo tempo a burguesia pode utilizá-los e também as contingências que envolvem punição e ameaça de punição sob o seu controle para punir os comportamentos dos grupos defensores do projeto rival, que é o projeto dos trabalhadores, cujo mote é o exercício de contracontrole contra toda a forma de controle aversivo que se origina da concentração dos principais reforçadores produzidos pela apropriação dos meios de produção e que são os reforçadores que estão na base de sustentação de todo o edifício capitalista.

Enquanto a PEC era votada, do lado de fora do Senado, a Polícia Militar repreendia duramente os movimentos oposicionistas. Punição para toda forma de exercício da liberdade! Aqui liberdade está sendo utilizada em sua acepção mais ampla e não como ausência de determinação, pois não existe comportamento não determinado. Exercício da liberdade significa poder exercer contracontrole sem sofrer coerção. Mas o grupo no poder demonstrou e vem demonstrando reiteradamente que a liberdade de participação política é meramente ilusória. O que é garantido em lei não se materializa por meio de ações concretas, ou seja, as contingências de reforçamento descritas na constituição e em leis infraconstitucionais esbarram nas contingências sob controle de quem detém o poder, de quem controla os principais reforçadores do edifício capitalista.

O exercício do contracontrole aponta para algo que o grupo no poder não quer deixar transparecer: o uso de contingências coercitivas é o padrão dominante no jogo de correlações de forças entre os dois projetos que a todo instante entram em choque no cenário político nacional: o projeto burguês e o projeto dos trabalhadores. Como pelas vias "normais" o contracontrole encontra obstáculos colocados pelo projeto concentrador de poder, pelo projeto concentrador dos principais reforçadores do edifício capitalista, resta o uso extremo da força manifestada por meio de atos "violentos", o que explica o ataque à sede da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) em São Paulo, símbolo (estímulo discriminativo) incontestável das relações de desigualdades que permeiam toda a estrutura da sociedade brasileira e de todas as sociedades capitalistas, algumas mais e outras menos. Desigualdades, que em última instância, evidenciam como para alguns grupos o acesso a reforçamento é muito mais facilitado e para outros ele praticamente não existe. No fim, sem dúvida alguma, é tudo uma questão de acesso às fontes de reforçamento.

O contracontrole exercitado pelas pessoas que invadiram a sede da FIESP parece violento em sua aparência. Mas em sua essência traduz o quanto o uso de controle aversivo pelos grupos dominantes limita os horizontes de negociação. Ou seja, em sua topografia os comportamentos parecem violentos, mas em sua função eles são modelados pelo uso de controle coercitivo. Quem julga os manifestantes que invadiram a sede da FIESP como vândalos deveria aplicar o mesmo raciocínio aos que aprovaram a PEC 55, pois no fim das contas ela representa um assalto aos direitos dos trabalhadores, ou seja, o ato de violência partiu primeiramente do congresso, que não é o primeiro e nem será o último, infelizmente. Se a acusação está baseada em uso de controle coercitivo por parte dos manifestantes, por força do raciocínio, o mesmo tipo de controle foi utilizado pelo congresso que ignorou o apelo de toda a sociedade brasileira, que nos próximos 20 anos será submetida a uma profunda precarização dos serviços públicos como saúde e educação, dificultando ainda mais o acesso às fontes de reforçamento essenciais para a manutenção da vida.

Não há vida sem reforçamento. Se as fontes de reforçamento são escasseadas, inevitavelmente, a possibilidade de variabilidade comportamental fica limitada. O cenário para as próximas décadas não é dos melhores. Sem variabilidade comportamental teremos pessoas mais doentes e com menor capacidade de enfrentarem as adversidades. Não estranhem se os índices de "adoecimento mental" apresentarem um alargamento nos próximos anos. Sem fontes de reforçamento só resta uma alternativa: o adoecimento.

A PEC 55 é um novo AI-5. Direitos civis e políticos não estão sendo cassados. Mas o corte orçamentário de políticas sociais coloca severos limites ao exercício da cidadania à medida em que submete a vida à lógica do mercado, que é uma lógica predominantemente baseada no uso de controle aversivo, pois quem tem bens consome, quem não tem sobrevive como pode, esperando, portanto, que alguma punição mais severa seja apresentada a qualquer instante. Na selva do mercado, regida pelas leis do darwinismo social, sobrevive o mais forte, o que acirra a competição e joga todos contra todos. Num cenário marcado por tamanha selvageria qualquer um pode ser transformado em inimigo. Resultado: muito sofrimento experimentado por meio de angústia e ansiedade, que são dois subprodutos emocionas resultantes do uso de controle coercitivo.

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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Uma Reflexão Sobre a Lei Orgânica da Assistência Social

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

O presente texto é uma transcrição de uma palestra realizada em 21/10/2014 no primeiro Fórum Sociojurídico do Centro Universitário de Formiga (UNIFOR-MG), faculdade em que atuo como professor universitário. A palestra tomou como alvo de suas reflexões a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Sempre que possível algumas aproximações serão feitas com os princípios teóricos da Análise do Comportamento, modelo de ciência que tem como fundamento filosófico o Behaviorismo Radical, tentando, desta forma, demonstrar que é possível realizar uma leitura comportamental de uma lei cujo objetivo é a criação de mecanismos capazes de promoverem a justiça social.

A LOAS, lei de número 8.742 de dezembro de 1993, é um marco fundamental na trajetória história da assistência social brasileira, pois ela inaugura um novo modelo de gestão da política de assistência social baseado na universalização do acesso aos serviços sócioassistenciais e na descentralização político-administrativa. Em toda história da assistência social brasileira algo assim jamais havia sido realizado, o que representa um grande avanço. Vejamos porque.

A universalização do acesso aos serviços sociassitenciais rompe com as práticas clientelistas que no passado eram dirigidas a públicos muito restritos. Tratava-se de uma troca de favores. Por um lado o governo federal concedia alguns benefícios a determinados grupos e por outro lado estes mesmos grupos legitimavam as práticas governistas. Não é difícil enxergar aí as operações de reforçamento positivo sendo utilizadas para a manutenção da ordem e da paz ou para a manutenção dos interesses das classes dominantes. Neste sentido, temos uma assistência social tratada não a partir da lógica do direito, mas, sim, a partir da lógica da concessão. Notem, portanto, que reforçamento positivo nem sempre resulta em produtos que beneficiem a todos. Aliás, ele pode ser utilizado para manter relações de exploração, como as que sustentam o sistema de produção capitalista.

A era Vargas (1930-1945) é pródiga em exemplos de como a concessão de benefícios assistenciais serviu ao propósito de legitimação das ações governamentais. No campo da proteção social, Vargas desmobilizou a organização trabalhista, que poderia ter exercido contracontrole sobre a gestão das políticas públicas, a exemplo de como aconteceu na Europa no mesmo período. Ele fez isso concedendo benefícios na medida em que determinadas categorias iam apresentando capacidade de mobilização social. Para evitar a mobilização, os benefícios eram concedidos mesmo antes de qualquer ação coletiva organizada. Aqui fica clara uma característica do Estado Brasileiro: todas as ações no campo social foram pensadas e efetivadas de cima para baixo, muito diferente do que aconteceu na Europa no período que sucedeu a crise de 1929 (quebra da bolsa de Nova Iorque), período em que foram fundadas as bases para o nascimento do Estado de Bem Estar Social (décadas de 40, 50 e 60).

Na Europa a mobilização da classe trabalhadora levou a conquistas de direitos no campo social. Neste sentido, é legítimo dizer que o Estado de Bem Estar Social tem como um dos seus pilares a mobilização dos trabalhadores. Reagindo à exploração capitalista, os trabalhadores exerceram contracontrole sobre as classes dominantes, o que foi determinante para o reconhecimento dos seus direitos. Aqui é possível um contraponto com os efeitos gerados pela utilização da coerção. É sabido que os comportamentos de contracontrole são um dos produtos gerados pelo uso do controle coercitivo. O contracontrole exercido pelos trabalhadores europeus, algo que vinha se processando desde o fim do século XIX e que se intensificou após a crise de 1929, foi um dos fatores responsáveis pela gestação do Estado de Bem Estar Social.

Já no Brasil o estado foi pensado de cima para baixo e as tentativas de mobilização eram coibidas ou desestimuladas por medidas de cooptação da classe trabalhadora. A criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP's) são um bom exemplo neste sentido. Os fundos de aposentadoria e pensão nascem com a lei Eloy Chaves em 1923, que institui a Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) dos Ferroviários. As Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP's), posteriormente estendidas a outras categorias profissionais, eram mantidas por acordos firmados entre empresas e empregados. Como o número de contribuintes era muito pequeno, as CAP's possuíam estruturas muito frágeis. Já as IAP's eram administradas com a participação do governo e começaram a ser instituídas a partir de 1933.

A partir de 1933 há uma proliferação de IAP's por todo o território nacional. Tinham direito aos benefícios das IAP's as categorias trabalhistas com maior poder de barganha com o governo. Então, a meritocracia era o critério utilizado para a concessão dos benefícios a determinadas categorias profissionais. Cabe salientar que os benefícios não eram unificados, o que significa dizer que eles variavam muito de uma categoria para outra, ou seja, um IAP de uma categoria profissional poderia ter benefícios diferentes de um IAP de outra categoria. Não havia universalização do acesso aos benefícios. A meritocracia reinava como critério de gestão das políticas sociais voltadas para os trabalhadores formalmente inseridos no mercado de trabalho. Este é um período marcado por políticas sociais contributivas, políticas gestadas nos moldes do que conhecemos hoje como política previdenciária. Neste caso, os benefícios só são acessados mediante a realização de contribuições compulsórias, ou seja, só recebe o benefício quem paga por ele.

Há uma intencionalidade do governo Vargas em fazer parecer que os benefícios eram favores. Sendo assim, as políticas sociais desse período são marcadas não somente pela meritocracia, mas também pelo clientelismo e pelo assistencialismo. O trabalhadores eram uma clientela que tinha seu poder de mobilização comprado pela concessão de benefícios trabalhistas. Outra clientela que também legitimou o modo de institucionalização das políticas sociais no estado brasileiro, pensado de cima para baixo, como já foi salientado, foram os pobres assistidos por ações assistenciais desenvolvidas por instituições filantrópicas. Enquanto o governo cuidava dos trabalhadores, cabia às instituições filantrópicas o trabalho de assistir os pobres em suas emergências. A Legião Brasileira de Assistência (LBA), criada em 1942, serviu muito bem a este propósito. 

Cabia à LBA realizar os repasses de recursos para as instituições filantrópicas que desenvolviam as ações assistenciais, e essa foi a lógica que se manteve até 1995, quando a Legião Brasileira de Assistência foi extinta por medida provisória editada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). A maior parte do tempo a LBA foi comandada pelas primeiras-damas. Quando do seu nascimento, coube à Darcy Vargas, esposa de Getúlio Vargas, o comando da LBA. Aqui se revela outro traço marcante da assistência social brasileira: o primeiro-damismo. O primeiro-damismo é uma estratégia interessante, pelo menos do ponto de vista do marketing político, pois associa as ações assistenciais à figura da primeira dama. Por conseguinte, a associação é estendida também aos seus maridos, ou seja, aos presidentes. Um parênteses: os analistas do comportamento conhecem muito bem esta operação, chamada tecnicamente de associação de estímulos. A associação de estímulos transfere a função de um estímulo para outro estímulo a ele associado. Isso acontece no comportamento respondente e também no comportamento operante. Fechando o parênteses, voltemos ao primeiro-damismo, característica que encontrou ressonância em diversos governos, inclusive no governo de FHC, que a princípio propôs extinguir o clientelismo que marcava a gestão da assistência social brasileira, mas que na prática manteve o mesmo modus operandi dos seus antecessores. Mas antes, vamos dar uma rápida olhada para a era Collor.

O presidente Fernando Collor é um bom exemplo de como o primeiro-damismo é um traço marcante na história da assistência social brasileira. Quando do seu governo, sua ex-esposa, Rosane Collor, assumiu a coordenação da LBA. Tempos depois muitos escândalos envolvendo o desvio de verbas da LBA vieram à tona. Esse foi um dos motivos que levou à extinção desta instituição e sua substituição na era FHC por iniciativas capitaneadas pelo Programa Comunidade Solidária, programa que foi incapaz de romper com o primeiro-damismo e com a filantropia, pois à frente de sua gestão estava a Dona Ruth Cardoso, esposa do, então, presidente Fernando Henrique Cardoso. A grande contradição é que o Comunidade Solidária foi instituído e mantido na era pós LOAS, adotando como critério de gestão um outro traço marcante da assistência social brasileira: a focalização.

A focalização destina as ações assistenciais a grupos que se encontram em situação de pobreza, em situações de extrema emergência. Estabelece para isso critérios baseados em recortes de renda. A justificativa para tal medida é de que o estado deve enxugar os seus gastos para maximizar os efeitos das políticas macroeconômicas. A tese que sustenta tal raciocínio é aquela que diz que é necessário fazer a economia crescer para depois repartir os seus despojos. Nada mais falacioso, pois o crescimento econômico desacompanhado de medidas que promovam a justiça social por meio da redistribuição de renda, só faz multiplicar a concentração de riquezas e ampliar as desigualdades sociais. É bom que se diga que a redistribuição de renda só pode ser alcançada através da universalização do acesso aos serviços socioassistenciais. Neste sentido, a era FHC andou na contramão do direito, pois baseou suas ações no campo social nos fundamentos teóricos do neoliberalismo: privatização, terceirização e focalização. A era FHC andou na contramão do que fora estabelecido pela LOAS em 1993. É bom assinalar que a aprovação e promulgação da LOAS foi conseguida graças a pressão exercida pelo Ministério Público e por categorias profissionais defensoras de uma assistência social pensada a partir da ótica do direito.

Até aqui o leitor deve ter notado algumas coisas. Ora foi usado o termo ações assistenciais e em outros momentos foi utilizada a expressão serviços sociassistenciais. Isso foi proposital. O termo ações assistenciais revela o descompromisso do estado na prestação de serviços de proteção social que atinjam todo o conjunto da população ou aqueles que necessitem desses serviços para construírem uma vida mais digna, sem que para isso sejam necessárias a realização de contribuições compulsórias, como é o caso da previdência, que nasceu da unificação dos benefícios das IAP's, unificação alcançada pela Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) promulgada em 1960 . O que fica evidente, portanto, é que durante muito tempo o estado brasileiro tratou as políticas sociais como concessão, assistindo aos pobres e barganhando com as diversas categorias trabalhistas para desmobilizar o seu poder de organização e de reivindicação, por isso o termo ação assistencial foi utilizado ao longo da história da assistência social para reforçar a noção de que o estado estava prestando um favor. Quem recebe um favor não se organiza para contestá-lo. Ao contrário, assume uma posição de subserviência e agradece pela oportunidade de recebê-lo.

O estado brasileiro, formado desde os tempos coloniais pelas elites da oligarquia rural, preservou os laços da subserviência mantida com relação à Coroa Portuguesa, laços que estendidos à gestão das políticas sociais, contribuíram para operacionalizar as engrenagens econômicas e prover a sustentação política das classes dominantes, mas não para promover a assistência social ao patamar do direito, algo que aconteceu muito tardiamente. Voltemos brevemente aos tempos de Getúlio Vargas. Estender benefícios trabalhistas a algumas categorias profissionais, com base na meritocracia, ajudou a criar um mercado consumidor para a nascente indústria brasileira. Do mesmo modo, ajudou criar uma clientela cativa, que junto aos pobres assistidos pelas instituições filantrópicas, sustentaram politicamente o desenvolvimentismo populista de Getúlio. Resguardadas as devidas proporções, ao longo da ditadura militar, as mesmas características até aqui enumeradas, se fizeram visíveis na gestão das políticas sociais. Dito isso, podemos afirmar com boa margem de segurança, que ao longo de sua trajetória histórica, a assistência social brasileira foi marcada por características que inviabilizaram a adoção de medidas que a promovessem ao patamar do direito.

Uma outra coisa o leitor deve ter percebido. Até a promulgação da LOAS, a gestão da assistência social, relegada ao filantropismo, esteve centralizada na esfera do governo federal. O mesmo se aplica às políticas sociais previdenciárias. As políticas sociais no campo da previdência social, voltadas, portanto, para os trabalhadores formalmente inseridos no mercado de trabalho, estiveram centralizadas ora no Ministério do Trabalho, ora no Ministério da Previdência Social criado em 1974 durante a ditadura militar, ou estiveram dividas entre ambos. Até 1974 os ministérios do trabalho e previdência social formavam um único ministério. A centralização também se fez notar na condução das ações assistenciais dirigidas aos "desvalidos", pois as instituições filantrópicas que conduziam estas ações estiveram sob o comando da LBA. Esta centralização inviabilizou durante muito tempo a democratização da gestão pública, em especial, a democratização da gestão da assistência social, e sobretudo, mantiveram-na presa às amarras do assistencialismo.

Após a promulgação da LOAS é inaugurado um novo modelo de gestão da assistência social, que assume como uma de suas diretrizes a descentralização político-administrativa. No artigo 5º da LOAS é dito que "a organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes:

I) descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e comando único das ações em cada esfera do governo;
II) participação da população por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;
III) primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência em cada esfera do governo."

A descentralização político-administrativa rompe com a centralização e favorece a democratização da gestão. Desta forma, a assistência social se aproxima do público ao qual ela está dirigida, ou seja, ela se aproxima daqueles que precisam do provimento dos mínimos sociais para terem acesso a uma vida mais digna. A expressão "mínimos sociais" aparece no artigo 1º da LOAS:

"A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas" (BRASIL, 1993, grifo acrescentado).

É preciso cuidado com a interpretação da expressão "mínimos sociais". Os teóricos que assumem uma postura mais liberal-conservadora tendem a interpretá-la como o mínimo necessário à sobrevivência, o que justificaria a adoção de medidas de gestão baseadas na focalização, ou seja, baseadas em ações dirigidas a grupos específicos, que para receberem os benefícios sociais devem preencher determinados critérios de renda. Já os teóricos defensores dos direitos sociais, entendem os "mínimos sociais" como um conjunto de iniciativas operadas sob a responsabilidade do estado, e não das organizações filantrópicas como querem os mais conservadores, cujo objetivo é criar as condições necessárias para o acesso a uma vida em que haja bem estar social. Eis aí uma brecha da LOAS. Ela deixa em aberto o conceito de "mínimos sociais". 

Vejam que a LOAS coloca a assistência como dever do Estado e direito do cidadão, regulamentando, desta forma, os artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988. Nestes artigos é definida a assistência social e são estabelecidos os seus objetivos. O que significa dizer que a LOAS é dever do Estado e direito do cidadão? Significa que o cidadão pode cobrar pelo cumprimento deste direito. Em outras palavras, a LOAS institui o controle social, para usar aqui a linguagem própria da gestão pública. Mas em linguagem comportamental, ela institui a possibilidade de contracontrole. Basta olhar para o inciso segundo do artigo 5º da LOAS, que fala da participação da população na gestão da política de assistência social e veremos ali o exercício do controle social. Essa participação se efetiva por meio dos conselhos de assistência social presentes nas três esferas do governo: união, estados e municípios. Nos municípios a criação dos conselhos é condição que precisa ser cumprida para que ocorra o repasse de verbas fundo a fundo, ou seja, sem a participação da população na gestão o município fica impossibilitado de receber verbas federais. Outra condição precisa ser satisfeita para que ocorra o repasse de verbas fundo a fundo: a criação do plano de assistência social.

Além de democratizar a gestão da assistência social, a LOAS também profissionaliza a gestão. O que significa que os serviços sócioassistencias devem ser ofertados àqueles que necessitarem desses serviços conforme um planejamento aprovado por meio da participação popular. E o espaço privilegiado para esta participação são os Conselhos Municipais de Assistência Social (COMAS). A partir da LOAS o planejamento é local, e não mais imposto de cima para baixo, o que tecnicamente é chamado de primazia do Estado em cada esfera do governo. Se antes a assistência social mantinha-se afastada do seu público-alvo, agora ela dele se aproxima por meio de um planejamento que deve ser capaz de atender às demandas de cada esfera do governo. Ela rompe com a lógica da descontinuidade na prestação dos serviços, que sendo ofertados através das instituições filantrópicas, tinham seus orçamentos suspendidos por quaisquer oscilações que colocassem em xeque a governabilidade. Governabilidade é um termo pomposo para justificar as medidas de arrocho orçamentário e diminuição do papel do Estado no que tange ao cumprimento de suas obrigações no campo social.

Sendo entendida a partir da LOAS como dever do estado e como política não-contributiva, a Assistência Social passa a atingir camadas subalternizadas da sociedade e que antes ficavam descobertas pelas ações assistenciais desenvolvidas a partir da lógica da terceirização, ou seja, desenvolvidas pelas instituições filantrópicas que assumiam uma responsabilidade que deveria ser do Estado, a responsabilidade de oferecer aos seus cidadãos a oportunidade de construírem suas vidas com base nos princípios do bem estar social. Com a LOAS as ações assistenciais estigmatizantes se transformam em serviços sócioassistenciais, ou seja, em serviços públicos oferecidos por meio de uma rede de instituições que compõem o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Em seu artigo 6º a LOAS dispõe sobre a criação de um sistema descentralizado para amparar a implementação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), criada em 1998 e revisada em 2004 após as deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social em 2003. Esse sistema é o SUAS, que formado por diferentes níveis de complexidade, atende a demandas específicas, sempre tentando promover a justiça social, que ao contrário da justiça tradicional, deve retirar a venda e se posicionar em favor daqueles que são vitimizados pelas desigualdades sociais produzidas pelo funcionamento do sistema de produção capitalista.

Em termos comportamentais, a LOAS cria as condições para que todos possam acessar reforçadores primários e secundários essenciais a uma vida com mais felicidade, pois ao se libertarem de suas privações,  os homens podem ocupar o seu tempo com tarefas que não sejam aquelas voltadas exclusivamente para a busca da sobrevivência. Só o homem primitivo gastava todo o seu tempo buscando os meios para sobreviver. Sua vida consistia em colher frutos e abater animais para ter o que comer. O homem moderno não pode passar sua vida apenas em busca de comida. Ele precisa produzir. A LOAS liberta o homem para produzir ao elevar a Assistência Social ao patamar do direito, pois cria as condições para que ele acesse os mínimos sociais necessários à edificação de uma vida mais digna.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Loas Anotada: Lei Orgânica de Assistência Social. Brasília, DF, 2009. 36 p.

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sexta-feira, 8 de março de 2013

Comissão de Direitos (Des)Humanos?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Nesta quinta-feira dia 07 de março de 2013 a política brasileira viveu mais um de seus episódios marcados por uma terrível contradição. Um pastor que já fez declarações contra negros e homossexuais foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados Federais. O pastor Marco Feliciano já chegou a declarar que os africanos são descendentes amaldiçoados de Noé, e que a AIDS é o câncer gay.

Num dos episódios mais recentes foi filmado em sua igreja pedindo a senha de um cartão de crédito de um fiel. O fiel ofertara à Igreja seu cartão de crédito, mas não disponibilizou a senha. De frente toda a assembleia o pastor mencionou que não adiantava oferecer o cartão e não disponibilizar a senha. Chegou a dizer que assim a graça de Deus não aconteceria. O pastor leva a assembleia a acreditar que os bens espirituais estão condicionados às ofertas que fazem para a igreja. Que fiel não quer receber as graças de Deus? Para receberem realizam suas ofertas... Tratei deste assunto num texto intitulado "Teologia da Prosperidade: contingências que conquistam fiéis".

A pergunta que deve ser feita é se o pastor possui as credenciais para assumir uma comissão tão importante? Comecemos pelo esclarecimento do que faz a Comissão de Direitos Humanos. Basicamente é uma comissão que tem a função de defender os direitos de parcelas da população vitimizadas por discriminações, de pessoas que com dificuldades acessam os serviços essenciais para terem uma vida digna.

As declarações do pastor se incompatibilizam com a função da comissão. Assuntos tão complexos e delicados como a orientação sexual e diferenças étnicas não podem ser tratados de um ponto de vista teológico. Teologia não é ciência. A teologia enquanto campo do saber se constitui como um discurso filosófico moralizante, discurso que julga a realidade não com base em fatos, mas sim com base em orientações religiosas.

Temas como orientação sexual e diferenças étnicas devem ser tratados tecnicamente, devem ser tratados a partir de dados produzidos pelo saber científico. E a ciência tem muito a nos dizer a respeito de temas tão delicados. Sobre as diferenças étnicas, por exemplo, a ciência tem demonstrado que as diferenças entre o DNA de negros e brancos é mínima. De um ponto de vista genético o termo "raça" não faz sentido. O termo é muito mais uma categoria política do que um conceito científico.

Sendo assim, negros não poderiam nunca serem considerados descendentes amaldiçoados de Noé. Primeiro porque a história do dilúvio é uma ficção bíblica. Os escolados em exegese, que é o estudo e interpretação dos textos bíblicos, sabem que o texto sobre o dilúvio é um ensinamento sobre os frutos que poderiam ser produzidos pelo pecado. Ninguém que trate seriamente os textos bíblicos, inclusive os exegetas sérios, acredita que o dilúvio tenha sido um fato natural, tenha ocorrido realmente.

Noé é apenas um personagem bíblico e possivelmente a sua existência seja apenas uma ficção, um personagem criado para ensinar algo sobre a doutrina a respeito do pecado e suas consequências. Não há linhagem de Noé sobre a Terra. Não há linhagem abençoada e muito menos linhagem amaldiçoada. Esse tipo de fundamentalistmo bíblico é muito perigoso, pois pode produzir muitas distorções na interpretação de questões importantes, questões como a que envolve a discussão sobre direitos humanos de populações vitimizadas por discriminações. 

Recomendo a leitura de uma pequena reportagem da BBC Brasil sobre a questão que envolve as diferenças entre as raças: "Genética alimenta polêmica sobre 'raças' no Brasil". A reportagem apresenta uma discussão muito interessante sobre os usos políticos do conceito de raça no Brasil. Os usos políticos tem suas funcionalidades ao criarem condições para que os negros tenham maiores chances de acessarem serviços que lhes foram negados durante séculos. Neste sentido é compreensível falar em raças, mas somente neste sentido, pois biologicamente a questão não faz sentido algum. Portanto, negros não são descendentes almadiçoados de Noé.

Sobre a homossexualidade o que sabemos de um ponto de vista científico é que a capacidade de amar e respeitar não dependem da orientação sexual. Sendo assim, homossexuais têm a mesma capacidade de darem e receberem amor que tem um heterossexual. São tão capazes de respeitarem os seus semelhantes quanto um heterossexual. O exercício da afetividade não tem ligação causal com a orientação sexual, ou seja, a orientação sexual não condiciona as capacidades de amar e respeitar.

Dizer que a AIDS é o câncer gay é pensar de uma forma muito limitada a realidade, é demonstrar que não se sabe nada sobre como são os mecanismos de transmissão das doenças sexualmente transmissíveis. Pensando assim o pastor demonstra que sua atitude está condicionada pela falácia dos grupos de riscos. Não há grupos de riscos, e sim comportamentos de riscos, comportamentos que podem ocorrer tanto entre homossexuais quanto entre heterossexuais. Acreditar que há grupos de riscos é pensar que homossexuais são promíscuos por natureza e que por isso têm a maior propensão para se infectarem com doenças sexualmente transmissíveis. Este tipo de pensamento além de não ter bases científicas, é também preconceituoso.

Para terminar eu diria que a eleição do pastor é reveladora sobre a forma de se fazer política no Brasil. No Brasil os critérios técnicos são deixados de lado. O que prevalece são as trocas de favores e as permutas de influências. É legítimo o desejo do pastor e da bancada envangélica a respeito da defesa da família, desde que isso não implique em uma cruzada étnica ou contra outros grupos que socialmente são vítimas de diferentes tipos de discriminações. Portanto, a preocupação deste texto reflete a essência do seu título: a comissão de direitos humanos continuará em defesa destes direitos, ou de agora em diante vai em busca dos direitos desumanos? O tracadilho parece engraçado, mas deve ser levado a sério!

E você, o que pensa sobre o assunto? Deixe seus comentários nos campos destinados para este fim. Você pode usar tanto o campo próprio do blogger ou do facebook. Fique a vontade e apresente sua opinião.

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domingo, 13 de janeiro de 2013

Democracia brasileira: que democracia?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O Brasil é um país que tem como regime político a democracia. Enquanto regime político a democracia se caracteriza pela possibilidade de participação da população na gestão do bem público. Em termos analíticos-comportamentais a democracia cria contingências de reforço que permitem que membros de uma dada sociedade possam exercer contracontrole sobre seus governantes. Ao mesmo tempo aqueles que governam estão sujeitos aos efeitos das legislações que por eles são criadas, ao menos em tese é o que deveria acontecer. Por sua vez estas legislações descrevem contingências de reforço que especificam que tipo de consequências seguirão cada tipo de comportamentos emitidos em espaços públicos. Podem ser consequências reforçadoras ou podem ser consequências punitivas. Na maior parte das vezes elas são punitivas.

Se a democracia cria espaços de participação popular, ou seja, permite o exercício do contracontrole, é de se esperar que esta participação não seja punida pelos governantes, pois a punição poderia suprimir os comportamentos de participação, o que acabaria por descaracterizar a própria democracia, transformando-a em uma espécie de absolutismo disfarçado de regime democrático. E não é que isso é muito comum no Brasil?

Com a popularização das redes sociais, que se transformaram em espaços de intensa participação popular, o controle da circulação das informações acabou fugindo ao poder daqueles que governam. Se estes podem controlar a imprensa local, e fazem isso legalmente através de contratos entre prefeituras e mídias impressas, e por vezes também com mídias televisivas, não podem fazer o mesmo com o espaço da internet e redes sociais. Com estes contratos a mídia impressa noticia aquilo que quem governa quer que seja noticiado. O reforço condicionado dinheiro tem grande poder de controle.

Mas este reforço pouco atinge os comportamentos de quem participa nas redes sociais. Se este é ineficaz, entra em cena o controle aversivo, entra em cena a coerção, ou seja, a punição ou ameaça de punição. Quem está no poder tem acesso privilegiado a espaços e instrumentos que um sujeito comum não tem. Consequentemente pode desfrutar de reforços que são inacessíveis ao restante da população e perder estes reforços não é algo que faça parte dos planos. Perder estes reforços representa a possibilidade voltar à condição de sujeito comum, de sujeito que não pode usar a máquina administrativa para ameaçar ou para estabelecer relações de influências que produzirão inúmeros estímulos reforçadores.

Estas relações de influências são muito comuns na política brasileira. As ciências políticas chamam este tipo de fenômeno de fisiologismo. O fisiologismo consiste na troca de favores, leia-se cargos, entre partidos para a manutenção de apoio político. Partidos trocam cargos para manterem o controle da máquina administrativa e assim aumentarem suas chances de se perpetuarem no poder. No fundo trata-se de uma troca de reforços que acabam por manterem estas práticas culturais, e estas práticas criam contingências que fazem a manutenção de comportamentos de usar o público como se privado fosse. A utilização do público como se privado fosse é chamada de patrimonialismo.

O público acaba sendo tomado como patrimônio particular, uma espécie de volta ao absolutismo, em que uma família ou grupo de pessoas se "agarram ao osso", ou melhor dizendo, se agarram ao poder e nele se mantêm por meio de nomeações em que somente o grupo é beneficiado. Desta prática deriva a nomeação de parentes para cargos públicos importantes. A consequência direta deste tipo de prática é que pessoas que não têm competência técnica acabam ocupando funções que são determinantes na gestão de segmentos importantes do patrimônio público.

Abre-se mão dos critérios técnicos, e no lugar entram os critérios da politicagem, os critérios da troca de favores. Isso acaba provocando indignação. Se a impressa local geralmente está sob controle do poder público, em que lugar a indignação encontra terreno livre para ser manifestar? Se você pensou nas redes sociais, digo-lhe que está correto. Por isso as redes sociais se popularizaram tanto como meio para o exercício do contracontrole, e em muitos lugares elas têm causado um profundo incômodo. Em muitos lugares pessoas têm se unido para formarem grupos que agem como fiscalizadores do poder público. E não é essa a essência da democracia, ou seja, a de criar espaços quer permitam inclusive que a sociedade fiscalize o poder público?

Portanto, em tempos de globalização e popularização da internet e redes sociais é necessário que nossos governantes repensem suas posturas. Aqueles que não se atentarem para o poder da internet podem correr sérios riscos de serem extintos, ou melhor dizendo, correm o risco de terem suas carreiras como políticos extintas. E se depender deste blogueiro que vos fala as redes sociais vão se popularizar cada vez mais como instrumentos para o exercício do contracontrole, algo que as ciências sociais chamam de controle social.

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segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Feudalismo Político Brasileiro

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A democracia nunca foi um traço marcante da cultura brasileira desde os primóridos da formação de nossa nação, ou seja, a possibilidade do exercício do contracontrole é algo bastante recente na história de nosso país, algo conseguido no início dos anos 90. O que em tese a democracia tem a nos oferecer é a possibilidade de participarmos da gestão pública, ou seja, de exercermos controle sobre aqueles que governam, e isso ocorre através dos mecanismos oficiais que existem para esse fim, e em democracias representativas como a brasileira o voto é o maior de todos estes mecanismos.

O voto não deveria ser e nem é o único meio através do qual a população pode exercer controle sobre quem governa. Cada política pública cria espaços em que a participação na gestão se torna algo possível. Na Assistência Social, por exemplo, existem os conselhos municipais de assistência social, que seguem o modelo da política de saúde onde existem os conselhos de saúde. Através destes conselhos a população pode acompanhar a gestão das políticas, como também propor medidas para que elas atinjam de fato o público ao qual estão destinadas. Em outras palavras, estes conselhos tornam possível o exercício do contracontrole, uma contingência possível em governos democráticos.

Todavia, na prática tais conselhos encontram inúmeras dificuldades para funcionarem, que vão desde o despreparo de quem deles participa, despreparo que se faz notar pelo desconhecimento da política sobre qual o conselho deve exercer contracontrole, até o cerceamento de informações que dificultam o funcionamento destes que deveriam ser espaços privilegiados onde a democracia participativa tem possibilidade de ser fomentada. Este cerceamento se traduz pelo fornecimento de informações incompletas aos conselhos pelos órgãos públicos. Quando estas informações são completas chegam aos conselhos com tanto atraso que a discussão sobre as mesmas ficam prejudicadas, e por causa disso muitas deliberações são tomadas sob pressão.

Mas os conselhos também costumam serem utilizados pelos membros que deles fazem parte para inviabilizar iniciativas que poderiam produzir benefícios sociais em larga escala, e agem assim porque utilizam o conselho em benefício próprio, seja para conseguirem visibilidade social que pode se traduzir em votos numa possível eleição futura ou em cargos na administração pública. Isso faz com que o fim para qual foi criado o conselho seja completamente desvirtuado, ou seja, ao invés de criarem contingências para o exercício de um efetivo contracontrole, se transformam em meios para obtenção de benefícios pessoais ou em vitrines para oposições políticas que muitas vezes mais inviabilizam do que promovem a efetividade de iniciativas tomadas pela administração pública.

Os conselhos acabam se transformando em feudos, e alguns membros que deles participam agem como vassalos que ora trocam seu trabalho por proteção e um lugar ao sol e ora tentam usurpar o poder do senhor feudal. Estas relações de vassalagem que transformam conselhos e órgãos públicos em feudos, acabam por criar contingências em que poucos são beneficiados. É a utilização da administração pública para obtenção de benefícios pessoais. Quem perde com isso é toda a sociedade, pois enquanto se gasta tempo utilizando órgãos públicos para obtenção de benefícios sociais, acaba-se desperdiçando recursos públicos que poderiam ser investidos em serviços de qualidade.

Com tudo isso o voto enquanto meio para exercício de contracontrole acaba sendo excessivamente valorizado, a ponto de muitos pensarem que ele é o único recurso que a sociedade dispõe para influenciar a conduta de seus governantes. Dada a importância que se atribui ao voto, tudo se faz para poder conquistá-lo. Milhões são investidos em campanhas que fazem o uso dos recursos do marketing e propaganda para que eleitores sejam convencidos, e geralmente eles são. Logicamente que aqueles que financiam tais propagandas mais tarde cobram os seus favores. A estes são reservados cargos na administração pública ou são promovidas ações que os beneficiem.

Todas estas ações são uma forma de garantir que o feudo será conquistado e mantido durante quatro anos, e assim a festa da democracia vai fortalecendo os laços de vassalagem entre administração pública e privada, bem como os laços entre coligações que se formam com o objetivo de se apoderarem do castelo do grande senhor, e aqui o castelo é o prédio da prefeitura com todas as suas repartições. Os secretários escolhidos a partir de alianças forjadas entre partidos que se declaravam como opositores, são os senhores feudais submetidos à autoridade do grande rei, e aqui fica difícil definir se o rei é encarnado na figura do prefeito ou daqueles que financiam sua gestão.

Ficam para escanteio os critérios técnicos. Valorizam-se as alianças, por assim dizer os critérios politicos, o que acaba inviabilizando uma gestão mais técnica das políticas públicas, pois uma gestão técnica pode enfraquecer os laços de vassalagem e levar à dissolução do feudo. Então, muitas são as contingências por trás da democracia brasileira. Nossa democracia não é formada apenas pela contingência criada pelo voto. Há muitos reforços que vão além do voto e estes precisam ser considerados se quisermos apreender toda a riqueza de detalhes que compõem o quadro político brasileiro, pois estes reforços controlam os comportamentos dos gestores de políticas públicas, e por sua vez os comportamentos dos gestores criam contingências que afetam toda a coletividade.

Fica claro, portanto, que a democracia "pura", aquela em que há espaços para participação popular ainda não existe totalmente em nossa cultura, pois tais espaços estão submetidos ao interesse da iniciativa privada ou estão sob a tutela de quem usa a administração pública para a produção de benefícios individuais. Não se trata de uma análise pessimista, e esta nem pode ser generalizada a toda administração pública em qualquer um de seus níveis. Mas via de regra, encontraremos circunstâncias muito parecidas com as que foram esboçadas neste texto em muitos recantos deste nosso imenso país.

Nossa democracia precisa ser aprimorada se não quisermos estar constantemente sobre a ditadura burra da maioria que é facilmente manipulada por quem está no poder, e estes usam os mais diferentes recursos para conseguirem tal intento. Temos algumas alternativas para reversão deste quadro: o privilégio de critérios técnicos, critérios que sejam capazes de provar que este ou aquele curso de ação tem maior capacidade de produzir resultados; e eliminação daquelas contingências que interferem com o pleno exercício do contracontrole e que foram acima descritas.

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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Polícia na Escola: experimentação social ou utilização da velha lógica da coerção?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Pouco mais de um ano depois da tragédia na escola municipal Tasso da Silveira , em Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro, as autoridades do estado do Rio através de uma parceria entre as secretarias de educação e segurança, resolveram criar o que chamaram de Programa Estadual de Integração de Segurança (Proeis). O programa consiste em colocar Policiais fardados e armados em 90 escolas estaduais.



Estes policiais trabalharão em seus horários de folga. É a oficialização do bico. A justificativa é que muitos policiais já exerciam este trabalho, mas o faziam como bico sem nenhum respaldo do Estado. 423 policiais serão beneficiados com esta medida, pois receberão para fazer um bico nas escolas, e farão isso com farda e tudo que tem direito, inclusive armas. Armas são aqueles aparatos utilizados para inutilizar a vida alheia. Ok, ok, ok, eu sei que as armas são as ferramentas de trabalho dos policiais e isso não é o que está em jogo na análise que proponho.

Oficializar o bico é admitir que no mínimo os policiais são mal remunerados para exercerem suas funções, e diga-se de passagem que são funções que colocam em risco suas vidas. Ninguém está dizendo que o papel da força militar não é importante para o funcionamento da sociedade. Isso não está sendo cogitado. O que se pretende indagar com este breve texto é se o problema da violência nas escolas é apenas um problema que precisa ser tratado no âmbito das políticas de segurança pública.

É a velha tática de tapar o sol com a peneira. Esse ditado é mais velho que meus falecidos avós, no entanto, continua sendo bastante útil, inclusive para esta ocasião. Em outro post em que falei da criminalidade e dos problemas relacionados ao funcionamento do sistema prisional, deixei muito claro que coerção gera coerção. Coerção é uso ou ameaça de uso de punição. Punição não extingue o comportamento punido, e sobretudo, gera efeitos colaterais bastante nocivos: agressão, culpa, baixa autoestima, ansiedade etc.

A violência nas escolas possivelmente é resultado de uma sociedade que perpetua o controle coercitivo e de uma sociedade que submete uma parcela significativa da população a muitas privações. Privações em todos os sentidos. Privações que podem ser medidas em termos materiais, mas também privações que não podem ser expressas numericamente, pois dizem respeito às frustrações de não se conseguir alcançar o tão sonhado ideal da ascensão social, ideal que como regras de conduta (descrições de contingências) controlam boa parte dos comportamentos de nossos repertórios. A questão é que as contingências descritas nestas regras não se concretizam para muitos. Aí vem toda sorte de frustrações que podem se transformarem em fontes produtoras de agressão.

A presença da polícia na escola são estímulos discriminativos que sinalizam a possibilidade de coerção. O que faz a polícia? A função da força militar é reprimir o que perturba a ordem social. O que mais além disso a polícia pode fazer na escola? Sua presença certamente inibirá as práticas de violência, pois sendo um estímulo aversivo, a população escolar vai se engajar em comportamentos de esquiva, comportamentos que evitem punições. Mas isso não coloca um fim na violência. É muita ingenuidade achar que a violência no contexto escolar vai deixar de ocorrer por causa da presença de policiais. É uma questão empírica. Todo estímulo aversivo condicionado pode perder sua função quando deixar de ser associado ocasionalmente a punições. Quando associado novamente a punições ele readquire sua função. 



A princípio a presença de policiais pode inibir as práticas de violência. Elas deixarão de ocorrer por um tempo. Com isso o policial deixará de atuar repressivamente. Deixando de atuar repressivamente sua função de estímulo aversivo condicionado pode sofrer extinção. Sofrendo extinção cria-se a possibilidade para o ressurgimento das práticas de violência. Ressurgindo as práticas de violência o policial terá que agir. Agindo sua conduta é novamente associada a punições, reassumindo sua função de estímulo aversivo condicionado.

Logicamente que os policiais receberão um treinamento para agirem no contexto escolar. Mas, ainda, assim, fardas e armas são estímulos que continuarão sinalizando possibilidade de coerção, e a mídia se encarrega de fazer esta associação todos os dias. Trata-se de uma experimentação social. Não precisamos ser completamente pessimistas. No entanto, não podemos deixar de questionar que o problema da violência no contexto escolar deva ser tratado apenas com práticas coercitivas, ou seja, deva ser tratado somente no âmbito das políticas de segurança pública.

Talvez seja a hora de se pensar seriamente a inserção de profissionais como Psicólogos(as) e Assistentes Sociais nas escolas, pois a violência que se manifesta neste contexto é produto de questões que transcendem os muros da comunidade escolar. Trata-se de um problema a ser tratado no âmbito das políticas de saúde e assistência social. Reprimi-lo com a presença ostensiva de um aparato militar é apenas camuflar uma situação que tem dimensões muito maiores. 



Se a inserção da força militar no contexto escolar tiver a função de gerar as condições necessárias para que outros trabalhos sejam feitos, pode-se dizer que ela é válida. É como no caso das UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora). Estas desenvolvem um trabalho que permite que o Estado adentre certas comunidades oferecendo aquilo que é de sua obrigação: saúde, saneamento básico, educação etc. Se a inserção de policiais no contexto escolar seguir uma lógica semelhante aquela seguida pelas UPP’s, podemos esperar algum resultado desta intervenção, ou seja, se ela objetivar gerar as condições para que o Estado ofereça outros serviços que tornem melhor o espaço educacional, podemos acreditar que esta intervenção possa produzir algum resultado positivo. Mas se este não for o objetivo, corremos o risco de estarmos apenas reproduzindo a velha lógica da coerção. Estaremos, assim, desperdiçando uma boa oportunidade de conduzir um bom experimento social.



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quarta-feira, 25 de abril de 2012

Planejamento e Política Pública: uma pequena amostra do caso brasileiro

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Um dos elementos que aumentam a margem de sucesso de uma política pública é o planejamento. É o planejamento que confere à política a racionalidade necessária para que os recursos investidos em sua implementação sejam bem utilizados, e a isso dá-se o nome de otimização ou racionalização da gestão. O que são políticas públicas? Políticas públicas são ações continuadas por porte do Estado que têm como objetivo o atendimento às necessidades da coletividade.


Formula-se uma política porque existem problemas a serem resolvidos. Existem políticas de saúde porque existem problemas de saúde a serem tratados e/ou prevenidos. Existem políticas de educação porque existem problemas educacionais a serem tratados e/ou porque a educação é um meio privilegiado para permitir o acesso a conhecimento, e por sua vez conhecimento pode ser utilizado para a transformação da realidade. Se a educação pública permite ou não a aquisição de conhecimentos úteis a transformação da realidade já é uma outra questão. E a serviço de quem a educação pública está é ainda uma outra questão. Ela está a serviço do cidadão para torná-lo mais consciente da importância do seu papel enquanto agente transformador, agente produtor de história, ou a serviço da ideologia das classes dominantes? Ideologia pode aqui ser entendida como o conjunto total de comportamentos que geram estímulos que criam a oportunidade de modelagem de comportamentos que não exerçam nenhum ou pouco contracontrole sobre os detentores do poder, sobre os detentores dos principais reforços que controlam as contingências responsáveis pelo funcionamento da economia, sistema político, sistema judiciário etc.

Ideologias se traduzem por descrições não oficiais de contingências de reforço. Estas descrições geram regras que controlam o comportar-se, mesmo que não sejam regras oficiais, regras reconhecidas pelo sistema judiciário. Embora não estejam codificadas por meio de leis, ou seja, embora não sejam oficialmente reconhecidas, acabam se transformando em códigos de condutas, em contingências de reforço que fazem parte da cultura de um povo, contingências que acabam modelando comportamentos que mantêm e preservam esta cultura, ainda que ela possa não produzir benefícios significativos para este povo. Mas para este povo perceber que as ideologias que reproduzem não os beneficiam, precisam adquirir conhecimentos que permitam que se conscientizem a este respeito, ou seja, é necessário que existam contingências que gerem comportamentos verbais que permitam descrever as circunstâncias que produzem as ideologias e como elas afetam o comportamento das pessoas inseridas numa determinada coletividade. Não estou certo se nosso sistema educacional modele comportamentos neste sentido, ou seja, no sentido de tornar as pessoas mais “conscientes” de suas realidades.

                                                         Ideologia

Já que estamos falando de ideologias e mencionamos que elas se traduzem por códigos de condutas não oficializados, e já que estamos também discorrendo um pouco sobre políticas públicas, seria oportuno mencionar que existe um código de condutas não oficial no Brasil quando o que está em jogo é o planejamento de políticas públicas. Infelizmente planejamento não é algo inerente ao processo de elaboração e implementação de políticas públicas no Brasil. A quem a ausência de planejamento beneficia? Boa pergunta... O código de conduta que diz “veladamente” que não é necessário planejar, pois no fim tudo se acerta, gera que tipo de produtos? Certamente gera desperdício de recursos públicos. O desperdício produz aumento na tributação, pois o dinheiro precisa sair de algum lugar para cobrir os rombos gerados por recursos subaproveitados ou mal aproveitados. Quem paga por isso é o bolso do contribuinte.

Já falei em outro post sobre a cultura do “jeitinho brasileiro”. Este comportamento de que no fim tudo se acerta gera produtos nefastos para toda a coletividade. Todos pagamos por adiarmos a resolução de problemas coletivos que afetam a vida de todos individualmente. Então, planejar políticas públicas é pensar nas contingências de reforço através dos quais estas políticas contribuirão para a geração de comportamentos que possam beneficiar toda coletividade, que possam aumentar as chances de sobrevivência da cultura e também da espécie humana, pois se não nos preocuparmos em modelar comportamentos que beneficiem a todos a sobrevivência da humanidade estará em risco. Um exemplo simples é a cultura do consumismo desenfreado.

Consumismo desenfreado leva a explorações indevidas do meio ambiente. Esta exploração gera depredação ambiental. Por sua vez, esta depredação altera o clima, o regime de chuvas, a temperatura global, produz novas doenças etc. Tudo isso a longo prazo produzirá circunstâncias que dificultarão a sobrevivência da espécie. Pensar em alternativas para o consumismo é pensar no benefício de toda a coletividade. A reciclagem é o exemplo de política pública que precisa de mais planejamento e investimento, sob pena de esgotarmos os recursos naturais essenciais a nossa sobrevivência como espécie. Mas, podemos contar nos dedos os municípios brasileiros que contam com um aterro sanitário e uma usina de reciclagem. É mais barato investir num aterro sanitário e numa usina de reciclagem do que posteriormente gastar recursos tentando consertar os danos gerados por lixões e por enchentes provocadas por bueiros entupidos com sacolas e garrafas plásticas.


No entanto, planejamento é algo que falta à política brasileira. Vejam um exemplo que ocorreu na Paraíba (clique aqui para ver). Para ajudar agricultores deste estado o governo nacional destinou para eles sementes para o cultivo das lavouras. Todavia, os agricultores recusaram as sementes, pois estas não eram apropriadas para o clima e tipo de solo da região. Não era uma questão de planejamento? Antes de destinar as sementes o governo não tinha que se questionar se elas eram ou não apropriadas? Cadê o planejamento que deveria fundamentar as políticas de agricultura? O Ministério da Agricultura não tinha que ter uma espécie de diagnóstico (mapeamento) dos tipos de solo e clima de cada região do país, de modo que qualquer decisão sobre o fornecimento de insumos para lavouras fosse tomada com base nestas informações? Pergunta-se: quanto se desperdiça de recursos num pequeno erro como este? Desperdiça-se tempo, combustível para transporte dos insumos etc.

Se este tipo de erro grotesco ocorre com políticas voltadas para a agricultura, o que esperar de políticas como saúde, educação, assistência social, urbanismo etc? Todo este problema poderia ser contornado se as políticas públicas neste país fossem elaboradas com base em diagnósticos que fornecessem informações sobre os fenômenos que se processam na realidade social. Em outras palavras, tudo isso poderia ser evitado se houvesse planejamento, se fosse refletido que contingências de reforço as políticas públicas devem produzir para modelar comportamentos que beneficiem toda coletividade, pois se são mesmo públicas, as políticas devem estar voltadas para o povo e não para os interesses escusos das classes dominantes, para a manutenção de um sistema político que legisla para manter suas próprias regalias.

Experimentação social é a saída, e neste sentido a Análise do Comportamento, ciência que estuda o comportamento e suas leis, tem muito a oferecer. Experimentos pilotos poderiam ajudar na decisão sobre o melhor rumo que uma política deve seguir. Skinner nos dá o exemplo em Walden II, um romance que fala de uma comunidade regida de acordo com os princípios da Análise Experimental do Comportamento, uma comunidade que tem como principal critério de funcionamento a sobrevivência da própria comunidade e também da espécie humana, e se este é o principal critério, ficam excluídas, portanto, as possibilidades de existirem circunstâncias que possam privilegiar mais a alguns grupos do que outros. É um livro que vale a pena ser lido. Fica, então, a dica de leitura para quem quiser aprofundar no assunto.

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domingo, 15 de abril de 2012

Jovem "puxa gato" e morre eletrocutado: reflexões sobre o jeitinho brasileiro

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Neste domingo 15 de abril de 2012 um jovem de 14 anos morreu eletrocutado depois de tentar “puxar um gato” da rede elétrica em Esmeraldas, cidade situada na região metropolitana de Belo Horizonte. Clique aqui para ver reportagem. Certamente o que o jovem estava fazendo é um crime. Não sei nada sobre direito, mas imagino que deve existir algum tipo de punição para estes casos, principalmente porque a parte lesada seria a poderosa CEMIG.


Cabe uma análise da situação? Sim, certamente. Tentemos imaginar porque um jovem de 14 anos estava roubando energia da rede elétrica. Poderíamos levantar várias hipóteses. Uma hipótese plausível é o famoso “jeitinho brasileiro”. Brasileiro tem um jeito para todo tipo de situação. Este é um comportamento que é parte da cultura do nosso país. Ser brasileiro quase que virou sinônimo de fazer de tudo para dar jeito em qualquer tipo de situação. Ser brasileiro é praticamente sinônimo de tirar alguma vantagem em cima dos outros.

E a mídia reforça bastante este tipo de comportamento chamando-nos de guerreiros para que compremos cerveja, para que nos sintamos mobilizados a deixar em dia nosso título de eleitor, blá, blá, blá etc e tal. Fico aqui pensando com os meus botões se os maiores interessados neste padrão comportamental não são nossos políticos corruptos. Se tudo pode ser feito para tirar vantagem, não há problema algum em desviar alguns milhões de recursos públicos para a própria conta em paraísos fiscais.

Talvez queiram banalizar a cultura do “jeitinho brasileiro” para que tudo que se faça seja aceitável, inclusive o desvio de alguns milhões de recursos públicos que quando desviados deixam de serem investidos na saúde, educação, lazer, pesquisas científicas etc. Uma vez que acreditemos que é normal tirar vantagem em cima do outro, passamos a aceitar quase qualquer tipo de situação sem muita indignação. Assim criam-se contingências que diminuem a probabilidade de comportamentos de contracontrole, fazendo com que sejamos bons cordeirinhos e não nos rebelemos contra o cabresto que nos é imposto.

Tomando a cultura do “jeitinho brasileiro” como normal, deixamos inclusive de nos rebelarmos contra uma CEMIG que tem a tarifa de energia mais cara do país. Aceitamos sem muita rebeldia as tarifas que nos são impostas. Os que não aceitam tentam “puxar um gato” arriscando a própria vida. Então outra hipótese plausível para o comportamento de “puxar um gato” é que este é uma forma de contracontrole, de roubar de quem rouba primeiro, neste caso quem rouba primeiro é a concessionária de energia, que recebe todo o respaldo do governo do estado para nos assaltar com suas tarifas exorbitantes. Mas este é um comportamento de contracontrole -  comportamento que tenta eliminar uma fonte de estimulação aversiva - pouco efetivo, pois, além de colocar a vida em risco pode ser enquadrado como crime. Além do mais não contribui para a mudança das contingências de reforço, de modo que possam ocorrer alterações na legislação, alterações que poderiam modificar a tarifação de energia e outros serviços públicos.

Fica a pergunta: ao acreditarmos na “normalidade” do “jeitinho brasileiro” quem acaba saindo perdendo?

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