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sábado, 2 de março de 2013

Educação: entre a quantidade e a qualidade

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ao refletir no texto "O Ofício de Ser Professor" sobre a missão do professor, acabei também construindo uma reflexão sobre a missão da educação. Naquela ocasião mencionei que a educação tem a missão de preparar o estudante para resolver problemas que vão ser encontrados além dos muros da escola. Para isso as escolas têm que contribuírem para o desenvolvimento de habilidades (comportamentos) que serão úteis na resolução destes problemas. O professor tem um papel fundamental em todo este processo, pois é ele o responsável, junto com a comunidade escolar, por arranjar as contingências de reforço que vão permitir a aquisição destas habilidades.

Creio que até aqui todos concordamos. Mas a questão começa a ficar séria quando as escolas passam a funcionarem conforme as contingências culturais arranjadas por nossa sociedade capitalista. Antes de vocês pensarem que este texto tem o propósito de cair no lugar comum de acusar o capitalismo por todos os males vividos por nossa sociedade, digo que esta não é a pretensão do mesmo. Todavia, não há como negar que as contingências arranjadas por nossa sociedade acabam moldando a forma das instituições escolares funcionarem, principalmente as instituições privadas.

Uma das molas propulsoras do sistema de produção capitalista é a concorrência. As instituições que oferecem o melhor produto ou serviço tendem a superarem os seus concorrentes, ou seja, se saem melhor as instituições que são mais eficientes. Todavia, no contexto de uma sociedade capitalista a eficiência está fortemente associada à ideia de produtividade. Quem produz mais num intervalo menor de tempo, e isso é possível graças as tecnologias industriais, acaba tendo melhores condições de oferecer no mercado um produto mais barato.

Isso acaba criando as condições ideais para a propagação da ideia de que quantidade é quase um sinônimo de qualidade, ou seja, é mais eficiente aquele que produz mais. E as escolas entraram nesta onda, principalmente as escolas da rede privada. Digo principalmente as escolas da rede privada porque elas concorrem entre si, elas estão atrás do mesmo público-alvo. Sendo assim, precisam cativá-los. Quem é o público-alvo destas escolas? Certamente você respondeu que são os estudantes! Eu convido você a reformular sua resposta. O público-alvo são os pais, pois são eles que pagam as mensalidades.

São os pais que precisam ser convencidos pelas escolas de que elas oferecem um serviço de qualidade. As escolas utilizam inúmeras maneiras para fazerem isso, mas tem uma forma que tem se tornado cada vez mais comum e que poucas vezes a levamos em consideração. Me refiro aos deveres de casa, e até eles têm funcionado conforme a lógica capitalista de que maior quantidade representa melhor qualidade. Será? Os pais se deixam convencer muito facilmente por esta lógica, e não é incomum encontrar aqueles que dizem: "a escola do meu filho é tão boa, que todos os dias passa uma quantidade enorme de tarefas para casa, então, ele fica o tempo todo estudando."

Certamente esta estratégia é tomada como boa por muitos pais, pois eles ficam livres das peripécias dos pequenos enquanto estes estão envolvidos com os deveres escolares. Reforçamento negativo! As tarefas escolares em abundância são boas porque livram os senhores pais das chateações que os filhos poderiam estar causando enquanto se debruçam sobre os deveres da escola. Quantidade não quer dizer qualidade! É um erro pensar que mais deveres escolares criam a oportunidade (contingências de reforço) para a aquisição das habilidades que os estudantes precisam desenvolver, habilidades que ajudariam na resolução de problemas que possivelmente serão encontrados para além dos muros escolares.

O raciocínio é ligeiramente simples. Uma quantidade maior de tarefas escolares não garante necessariamente que reforços positivos sejam contingentes aos comportamentos que precisam ser modelados, comportamentos que tornariam os estudantes mais aptos a lidarem com os problemas da vida cotidiana. Mais não é sinônimo de bom! Quantidade não implica em qualidade!

Contudo, você deve estar pensando: "mas as ecolas privadas não acabam produzindo mais resultados? Elas não aprovam, por exemplo, mais alunos nos vestibulares?" Sim, isso é verdade! Elas preparam os estudantes para se tornarem bons autômatos, bons decoradores de fórmulas e regrinhas que garantem maiores desempenhos em vestibulares. É verdade também que os professores possuem melhores condições de ensino, pois têm ao seu dispor mais tecnologia: lousas digitais, computadores, laboratórios de informática etc.

No fim das contas as escolas têm preparado os alunos para se adaptarem razoavelmente bem ao sistema capitalista. Elas preparam os alunos para serem produtivos, para produzirem mais em menor tempo. E não é isso que o capitalismo espera de nós, ou seja, que sejamos produtivos? Mas fico aqui pensando nas consequências deste modelo educacional. A criança enquanto está tomada pelas tarefas escolares, acaba perdendo boas oportunidades de se aproximar dos pais, de brincar um pouco mais, de se divertir etc.

Há quem defenda que uma quantidade maior de tarefas escolares gera maior responsabilidade. Se entendermos o comportamento de ser responsável como a capacidade de analisar as consequências das próprias ações, não precisamos necessariamente esperar que as tarefas escolares sejam o meio exclusivo para aquisição de responsabilidade. Uma criança pode muito bem aprender a ter responsabilidade através do brincar. Brincadeiras têm regras, e o cumprimento ou descumprimento das regras ocasiona em consequências diferentes, o que gera ocasiões perfeitas para que a criança aprenda que comportamentos têm consequências, e que por sua vez estas consequências atingem tanto quem se comporta quanto as outras pessoas que estão próximas.

Não é necessário privilegiar os deveres escolares como único meio para a aquisição de responsabilidades. Mas as escolas precisam convencerem os pais que oferecem um ensino diferenciado. Utilizam, então, os deveres para demonstrarem que estão ocupando as crianças e bombardeando-as com informações que vão torná-las seres humanos melhores. Usam os deveres para demonstrarem que são escolas produtivas e eficientes, pois obrigam os seus alunos a adquirirem responsabilidade. Com isso horas de lazer são sacrificadas, horas que poderiam ser gastas com jogos e brincadeiras que ensinariam as crianças que o cumprimento ou o descumprimento de regras ocasionam em consequências diferentes.

Todavia, esta lógica não tem ficado restrita ao ambiente das instituições privadas. Ela também tem atingido o ensino público, e não é raro encontrar pais que pressionam as escolas públicas para aumentarem a carga de deveres escolares de seus filhos. Para fugirem das pressões dos pais as escolas acabam cedendo. E, assim, o sistema educacional vai preparando pessoas para se adaptarem às exigências de produtividade do capitalismo. Aí eu me pergunto: elas preparam as pessoas para questionarem o sistema? Deixo a pergunta para vocês!

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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Professora Helena: a professora que encantou o Brasil

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A novela "Carrossel" exibida pelo SBT no horário nobre tem aterrorizado a concorrência. Vem batendo facilmente o IBOPE de programas exibidos no mesmo horário, e tem assustado inclusive a Globo, pois a emissora vê parte da audiência do Jornal Nacional migrar para o SBT. A dupla William Bonner e Patrícia Poeta têm enfrentado um forte concorrente, uma novela infantil que é o remake de uma novela mexicana filmada na década de 1980 e exibida pelo SBT nos anos de 1991 e 1995.

A criançada está adorando. Mas também existem muitos adultos vidrados na novela, seja para seguirem seus filhos, ou porque os personagens de Carrossel conseguem exercer um fascínio sobre o público adulto. Um destes personagens é a professora Helena. Helena é professora de uma escola conhecida como Escola Mundial. Ela leciona no terceiro ano, e enfrenta uma turminha que lhe apresenta muitos desafios. Mas com muito afeto e carinho ela consegue se aproximar de seus alunos ajudando-os a superarem os seus problemas, não somente os educacionais, como também os problemas da vida pessoal.

Contrastando com o modelo de docência da professora Helena, existe de outro lado a diretora Olívia. Olívia defende uma linha de educação mais rígida, e nesta linha a disciplina é conseguida através de controle coercitivo, ou seja, através de punições ou de ameças de punições. Por um lado temos então Olívia, representante de um modelo educacional em vias de falência, ou seja, de um modelo educacional que usa a punição ou a ameaça de punição como meio para a obtenção de disciplina. De outro lado temos a professora Helena, representante de um modelo educacional que rompe com o paradigma da autoridade disciplinar, aquele paradigma ao estilo Foucaultiano, que mantém a ordem por meio da vigilância.

Foucault (2006) fala-nos do panóptico, um modelo de prisão que tem no centro uma torre. As selas da prisão ficam dispostas ao redor da torre, de modo que por meio desta a vigilância pode ser mantida com um contingente menor de funcionários. O panóptico é um dispositivo que ajuda a manter a vigilância e o controle através do uso de coerção, através do uso de ameaças de punições, punições que podem ocorrer quando menos se espera. Punições inesperadas e apresentadas em esquemas de reforçamento intermitente ajudam a criar um ambiente bastante hostil.

Foucault (2006) extrapola sua reflexão sobre o panóptico e a lógica das prisões para outras esferas, mencionando, que a cultura da vigilância se faz presente em outras instituições, inclusive nas escolas. Ela não é exclusiva das prisões e forças armadas. A vigilância é um meio para se manter o controle. Nas escolas de padrões arquitetônicos mais antigos podemos ver os traços desta cultura. É comum a existência de um palanque nas salas de aula. Neste palanque o professor mantém-se em um degrau mais alto que seus alunos. Esta é uma forma de demonstrar a posição de poder que o professor ocupa, de demonstrar que não pode existir aproximações entre ele e seus alunos, que ele é a fonte do saber, e os alunos devem receber esse saber passivamente.

A diretora Olívia é produto deste tipo de concepção educacional, ela e muitos professores que ainda usam o controle coercitivo como forma de manterem a disciplina, e mal sabem estes professores que coerção gera comportamentos emocionais que interferem na aprendizagem. Pobres coitados, precisam rever seus conceitos. Já a professora Helena é a legítima representante de um modelo educacional que rompe com a distância estabelecida entre professores e alunos.

Helena estabelece com seus alunos relações bastante reforçadoras. Ela traz para estas relações o componente da afetividade, componente banido pelo paradigma educacional que defende o uso da coerção como meio para a obtenção de disciplina. Quem disse que não pode existir afeto na relação entre professores e alunos? Não existem relações humanas desprovidas de afetividade. Sempre que nos comportamos estamos sentindo alguma coisa. O sentir é componente essencial do comportar-se, e é ele mesmo um comportamento.

Quando tentamos reprimir nossa afetividade, nossos comportamentos emocionais, desta repressão surgem outros produtos emocionais bastante nocivos: ansiedade, medo, raiva, tristeza etc. Relações perpassadas por ansiedade, medo, raiva, tristeza, tendem a se tornarem insípidas, ou seja, tendem a se tornarem pouco saborosas ou sem nenhum sabor. Se tornam relações bastante rígidas. Relações assim se transformam em uma potencial fonte de estímulos aversivos que provocam comportamentos de fuga e esquiva. Tais comportamentos se fazem notar pela evasão escolar, depredação do patrimônio escolar, notas baixas, pouco envolvimento em tarefas escolares etc.

A professora Helena mostra-nos que é possível resgatar a afetividade nas relações entre alunos e professores. Ela ensina que estas relações podem ser reforçadoras e que o professor pode usar o reforço positivo em seu benefício, ou seja, que ele pode usar o reforço positivo para reforçar comportamentos mais produtivos por parte dos seus alunos. Contudo, é necessário ter o cuidado para não apresentar reforços positivos contingentes a comportamentos improdutivos, comportamentos problemáticos.

Não é o uso indiscriminado de reforçamento positivo que vai transformar o sistema educacional. Reforço positivo pode fortalecer comportamentos geradores de problemas. Esta talvez seja uma das questões a se levantar com relação a Professora Helena. Ela age de modo bastante afetivo. Mas vale questionar: ela discrimina bem os comportamentos que reforça, ou seja, ela usa reforço positivo contingente a comportamentos mais produtivos por parte de seus alunos?

A professora Helena mostra-se sempre muito preocupada com os problemas pessoais de seus alunos. Ela se desdobra para resolver estes problemas. É preciso cuidado! Existem as diferentes especialidades e elas devem ser respeitadas. Nenhum professor deve achar que é um profissional da psicologia. Problemas comportamentais são fenômenos da alçada dos psicólogos(as)! Professores que agem como se fossem profissionais da psicologia contribuem e muito para a patologização de problemas do cotidiano escolar, o que acaba abrindo precedente para uma medicalização desnessária destes problemas. E dá-lhe ritalina para tantos transtornos de déficit de atenção e hiperatividade! A indústria farmacêutica agradece!

E você, o que achou deste artigo? Opine deixando sua observação no campo de comentários.

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Referências:

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 31 ed. Petrópolis (RJ), Ed. Vozes, 2006.


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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Educação para o mundo virtual: discutindo o papel da escola

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O mundo está em constate transformações. A certeza que temos hoje é que o mundo tal como o conhecemos agora não será mais o mesmo amanhã, e não há nenhum exagero em pensar assim, pois a todo instante estão ocorrendo eventos que têm o potencial de mudar para sempre o curso da história. E o mais impressionante é a velocidade com que estes eventos são divulgados. Tudo isso graças a algo que conhecemos como internet.

A internet foi uma das mais fabulosas inovações tecnológicas criada pelo bicho Homem. Ela agilizou as comunicações e aproximou pessoas. Ela transformou negócios e criou novos nichos de mercado. Criou meios para divulgação do conhecimento que eram inimagináveis há algumas décadas. Hoje é possível estar a par das principais descobertas científicas apenas com alguns poucos cliques. A internet criou a possibilidade das escolas virtuais e do ensino a distância. Ela aproximou cientistas, aproximação que acelera o processo de produção de conhecimento científico. E contribuindo na divulgação deste conhecimento ela acaba favorecendo a democracia, pois o princípio mais básico dos regimes democráticos é o acesso à informação.

Portanto, a internet é um instrumento formidável! Mas... Sim, sempre existe um "mas"! Duas questões precisam ser pensadas: a forma de se utilizar esse incrível instrumento que é a internet e as consequências de sua utilização sobre o comportamento das pessoas. Começemos pela primeira questão: as pessoas sabem utilizar a internet?

A julgar pela forma como as redes sociais são utilizadas, é temoroso afirmar que sabemos usar a internet e todo o potencial comunicativo que elas nos oferece. Redes sociais na maior parte do tempo são utilizadas para o compartilhamento daquelas entendiantes correntes de ajuda, daquelas correntes que apelam para o coração bondoso das pessoas solicitando doações de cinco centavos para o compartilhamento de fotos de pessoas doentes. Escrevi sobre isso recentemente no artigo intitulado "Redes Sociais e Correntes de Ajuda: uma análise comportamental."

Levantei naquela ocasião a hipótese de que este comportamento das pessoas na internet tem relação com nosso sistema educacional. Gostaria neste texto de desenvolver melhor este raciocínio. Nosso sistema educacional não tem acompanhado na mesma velocidade as inovações tecnológicas que ocorrem no seio da sociedade. Pelo menos no que se refere ao ensino público isso pode ser considerado uma verdade. Mas mesmo no ensino privado não vamos encontrar em todas as escolas aulas de informática e laboratórios de computadores.

Muitas escolas da rede privada já dispõem de inúmeras tecnologias. Em várias é possível encontrar o uso de tablets e notebooks em sala de aula em substituição ao tradicional caderno. Nestas escolas cadernos estão se transformando em peças de museu, sim aquele objeto com folhas de papel riscadas formando linhas para anotações já  vem sendo descartado. Haverá um tempo em que as pessoas saberão o que é  um caderno?

Na rede pública muitos alunos não sabem o que é um caderno também, mas não porque eles estão sendo substituídos pelas maravilhas tecnológicas do universo da informática, e sim porque comprar um caderno requer sacrifícios que afetam o orçamento familiar. Em muitas escolas públicas carteiras e cadeiras são artigos de luxo. Na maioria delas o quadro negro continua sendo verde, e muitas vezes está em péssimo estado de conservação. Em tantas outras falta giz para se escrever no quadro e os professores acabam improvisando.

Já em algumas se vê iniciativas tímidas para o ensino de informática, mas ainda são excessivamente tímidas. O poder público ainda não se atentou para a urgente necessidade do sistema educacional acompanhar as mudanças que ocorrem no seio da sociedade. Se não houver este acompanhamento a educação de nossas crianças estará sempre defasada, e elas não poderão desenvolver em seus repertórios comportamentos que as capacite para enfrentar as contingências que vão além dos muros escolares.

Mas não basta equipar as escolas com computadores. Isso simplesmente não resolve o problema. Equipar as escolas é uma parte da resolução do problema. Depois de equipadas as escolas precisam rever seus currículos. Não adianta ter computadores com acesso à internet se os currículos escolares não criam contingências de reforço que venham a modelar comportamentos de como se comportar no mundo virtual. E a reforma dos currículos escolares é uma questão a ser enfrentada tanto pelo ensino público quanto pelo ensino privado.

Não estou querendo ser antiguado e defender que as escolas devam ensinar regras de etiqueta sobre como se comportar no universo infinito da web. Etiqueta não é o termo mais adequado. Mas as escolas devem ensinar não somente como abrir e fechar um navegador. Elas também devem ensinar o aluno a analisar as consequências que seu comportamento na internet pode produzir. Se isso for feito as redes sociais existentes na web poderão ser utilizadas para promover a expansão de contatos sociais e não simplesmente para o compartilhamento inconsequente de correntes de ajuda ou posts de disseminação de preconceitos.

E a expansão de contatos sociais não pode ser simplesmente uma questão de números, mas sobretudo uma questão de qualidade. Pessoas adicionam umas as outras em redes sociais para produzir números. Mas e a qualidade das relações? As relações permanecem na superficialidade, evitando-se, assim, contatos que afetivamente poderiam ser mais produtivos. A consequência disso é que a afetividade passa a ser vista como algo aversivo, como algo a ser evitado, pois pode causar problemas. Vejam aí o reforçamento negativo! A afetividade vai se associando ao controle aversivo, e assim a vida afetiva vai sendo encarada como fonte de problemas.

E aqui paramos um pouco para pensar nas consequências desta maravilhosa inovação tecnológica que é a internet sobre os comportamentos individuais e até mesmo coletivos. Será que a internet não tem transformado contatos sociais em números? Um contato é um número numa rede social... Outra questão preocupante: o acesso faciltado a inúmeras fontes de prazer criadas pela internet não tem gerado pessoas socialmente isoladas? Se posso buscar prazer na net, por que haveria de buscá-lo em contatos sociais genuínos?

Na internet impera a lógica da facilidade... Gerou problema se exclui com um clique! E será que essa lógica não vem sendo transposta para a realidade? Ou seja, quando alguém do meu contato social se transforma em fonte de problemas eu simplesmente não ajo de maneira a excluir a pessoa? Aqui não sou eu perguntando para mim mesmo. As perguntas são interlocuções que o leitor pode usar para refletir sobre o seu próprio comportamento.

Portanto, neste novo cenário mundial dominado pelas tecnologias da informação, o sistema educacional tem um papel fundamental, o papel de preparar pessoas para lidar com contingências de reforço que potencializam a possibilidade de reforçamento positivo, reforçamento que acaba sendo contingente a comportamentos improdutivos, como os comportamentos de passar o dia todo na frente de um computador, comportamentos que concorrem com outros comportamentos como o de trabalhar, estudar, namorar, etc. Reforço positivo contingente a comportamentos improdutivos gera a longo prazo uma sociedade formada por pessoas que não sabem lidar com as adversidades, pessoas que não sabem encarar frustrações, pois estão tão acostumadas aos prazeres fáceis produzidos com poucos cliques que acabam recuando diante as dificuldades.

É hora de pensarmos seriamente numa reforma curricular que dê mais espaço para as tecnologias da informação, mas que seja uma reforma que também pense os impactos destas tecnologias sobre o comportamento das pessoas e que as eduque para utilizá-las de maneira produtiva.

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sábado, 5 de maio de 2012

O Ofício de Ser Professor

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ver alunos do ensino superior cometendo erros primários de ortografia me faz desconfiar da qualidade do ensino num país que diz ser de todos: "Brasil um país de todos". Talvez alguns digam que criticar a educação seja o mesmo que "bater em cachorro morto". Cachorro morto é incapaz de reagir. Não quero bater em cachorro morto e nem mesmo bater na mesma tecla sobre a importância da educação na construção de um país melhor, de um país com mais oportunidades e mais acesso aos direitos fundamentais, sejam estes civis, políticos ou sociais.


Quero hoje falar sobre o ofício do professor, este que é uma das peças fundamentais no processo de ensino-aprendizagem. Todavia, ser professor num país que tem sucateado a educação não é nada fácil. O professor convive ao mesmo tempo com uma remuneração vergonhosa e com uma estrutura que não o permite planejar contingências que tornem possível a aquisição de comportamentos, por parte dos alunos, que sejam úteis tanto no contexto escolar e em outros contextos, mas principalmente em outros contextos. Esta é a função da educação, permitir a partir do arranjo de certas contingências a aquisição de comportamentos que sejam úteis em outros contextos. Sendo assim, a educação formal, aquela que é viabilizada por meio da escola, deve preparar o aluno para lidar com circunstâncias que ele vai encontrar fora do contexto educacional, deve permitir que certas habilidades sejam desenvolvidas, habilidades que permitirão a resolução de certos problemas que serão encontrados fora dos muros da escola.

Se o papel da escola é este que acima foi assinalado, é lícito dizer que ele se cumprirá mediante o ofício dos professores. São os professores os responsáveis pelo planejamento das contingências que modelarão os comportamentos que serão úteis para a resolução de problemas encontrados em outros contextos diferentes do contexto educacional. Logicamente que este planejamento deve estar assentado sobre alguns pilares. Gostaria de refletir sobre dois destes pilares que dizem respeito especificamente ao trabalho do professor. Estes pilares são: competência técnica e competência relacional.


Espera-se que o professor domine o conteúdo que ele vai lecionar, ou seja, que ele tenha as competências técnicas para modelar no repertório de seus alunos aquelas habilidades técnicas que devem ser adquiridas para que estes aprendam a resolver problemas bastante específicos. Esta verdade é principalmente aplicável ao ensino superior. Um professor de mecânica deve planejar contingências que permitam a modelagem de habilidades bastante específicas, habilidades que se referem ao universo dos motores. Os alunos deverão entender como funciona um motor, devem saber montá-lo e desmontá-lo, substituir peças etc.

Mas num país em que os professores são mal remunerados, surge um fenômeno bastante curioso: professores lecionam conteúdos que eles não têm nenhum domínio. Os professores precisam sobreviver, e acabam aceitando lecionar conteúdos que não dominam, pois esta é a forma de aumentarem os seus rendimentos. Esta realidade se faz presente em todos os níveis de ensino: fundamental, médio e superior. A consequência disso? Vocês podem imaginar... As habilidades que deveriam ser desenvolvidas acabam não sendo desenvolvidas. Isso perpetua um ciclo pernicioso, pois parte destes alunos se transformam no futuro em professores... Outra parte vai para o mercado de trabalho tradicional, mas este acaba selecionando os mais habilidosos. E os menos habilidos e competentes? Bem, estes têm destinos os mais diversos.


No entanto, existem professores que são competentes, ou seja, dominam os conteúdos técnicos, contudo, são um desastre no ofício de estabelecerem relações saudáveis com seus alunos. Suas relações são sempre mediadas por muito controle aversivo. Certamente o resultado do uso de controle aversivo não é dos melhores... Como planejar contingências que permitam a modelagem de certas habilidades com base em controle aversivo? O controle aversivo acaba gerando comportamentos que concorrem com as contingências que deveriam permitir a modelagem daquelas habilidades que serão úteis em contextos a serem encontrados fora do ambiente escolar.

Professores com poucas habilidades sociais se tornam estímulos aversivos potenciais. Ao entrarem em sala eliciam respondentes de mal estar e operantes de fuga, esquiva e contracontrole. Evasão escolar é um exemplo de comportamentos de fuga e esquiva. Depredação do patrimônio escolar é um exemplo de comportamento de contracontrole. Boicotar as aulas de um certo professor é um outro exemplo de comportamento de contracontrole. Nosso sistema de ensino precisa de professores competentes tecnicamente e relacionalmente, de professores que tenham domínio sobre os conteúdos que lecionam, mas que também sejam capazes de se relacionarem bem com seus alunos.

Se relacionar bem com os alunos também é importante para a potencialização do processo de ensino-aprendizagem. Relacionamentos aversivos geram efeitos emocionais colaterais que acabam interferindo com a aprendizagem. Geram também comportamentos os mais diversos, inclusive de contracontrole, comportamentos de atacar com punições e ameaças de punições as fontes de controle aversivo, fontes institucionalizadas no papel exercido pelo professor. E muitas vezes esse contracontrole que tem como meta o professor, faz com que este seja submetido a fontes de estresse. Por sua vez o estresse acaba provocando adoecimento. Professor que usa controle aversivo estará sujeito também a contracontrole aversivo.


Outra questão importante é que o professor é modelo de comportamento. Se suas estratégias de ensino estão baseadas em controle aversivo, acaba ensinando para seus alunos por modelação que o controle aversivo é a forma mais eficaz de se obter o que quer. Professor que usa punição ensina seus alunos também a usarem punição, e muitas destas punições podem ter como alvo o professor e o sistema educacional. A palmatória foi abolida, mas tem muitos professores que por não terem as competências técnicas ou relacionais, usam notas para ameaçarem seus alunos, usam controle aversivo para conseguirem exercer autoridade.

A melhor forma de exercer autoridade é cativando, é estabelecendo alianças. Fazer inimigos é gerar fonte de estímulos aversivos que retroagem sobre quem as criou. Sala de aula não é lugar para se criar inimizades, não é lugar para controle aversivo. Sala de aula é espaço para aprendizagem, e a aprendizagem ocorrerá naturalmente e sem efeitos emocionais colaterais nocivos se comportamentos forem consequenciados com reforçamento positivo.

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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Polícia na Escola: experimentação social ou utilização da velha lógica da coerção?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Pouco mais de um ano depois da tragédia na escola municipal Tasso da Silveira , em Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro, as autoridades do estado do Rio através de uma parceria entre as secretarias de educação e segurança, resolveram criar o que chamaram de Programa Estadual de Integração de Segurança (Proeis). O programa consiste em colocar Policiais fardados e armados em 90 escolas estaduais.



Estes policiais trabalharão em seus horários de folga. É a oficialização do bico. A justificativa é que muitos policiais já exerciam este trabalho, mas o faziam como bico sem nenhum respaldo do Estado. 423 policiais serão beneficiados com esta medida, pois receberão para fazer um bico nas escolas, e farão isso com farda e tudo que tem direito, inclusive armas. Armas são aqueles aparatos utilizados para inutilizar a vida alheia. Ok, ok, ok, eu sei que as armas são as ferramentas de trabalho dos policiais e isso não é o que está em jogo na análise que proponho.

Oficializar o bico é admitir que no mínimo os policiais são mal remunerados para exercerem suas funções, e diga-se de passagem que são funções que colocam em risco suas vidas. Ninguém está dizendo que o papel da força militar não é importante para o funcionamento da sociedade. Isso não está sendo cogitado. O que se pretende indagar com este breve texto é se o problema da violência nas escolas é apenas um problema que precisa ser tratado no âmbito das políticas de segurança pública.

É a velha tática de tapar o sol com a peneira. Esse ditado é mais velho que meus falecidos avós, no entanto, continua sendo bastante útil, inclusive para esta ocasião. Em outro post em que falei da criminalidade e dos problemas relacionados ao funcionamento do sistema prisional, deixei muito claro que coerção gera coerção. Coerção é uso ou ameaça de uso de punição. Punição não extingue o comportamento punido, e sobretudo, gera efeitos colaterais bastante nocivos: agressão, culpa, baixa autoestima, ansiedade etc.

A violência nas escolas possivelmente é resultado de uma sociedade que perpetua o controle coercitivo e de uma sociedade que submete uma parcela significativa da população a muitas privações. Privações em todos os sentidos. Privações que podem ser medidas em termos materiais, mas também privações que não podem ser expressas numericamente, pois dizem respeito às frustrações de não se conseguir alcançar o tão sonhado ideal da ascensão social, ideal que como regras de conduta (descrições de contingências) controlam boa parte dos comportamentos de nossos repertórios. A questão é que as contingências descritas nestas regras não se concretizam para muitos. Aí vem toda sorte de frustrações que podem se transformarem em fontes produtoras de agressão.

A presença da polícia na escola são estímulos discriminativos que sinalizam a possibilidade de coerção. O que faz a polícia? A função da força militar é reprimir o que perturba a ordem social. O que mais além disso a polícia pode fazer na escola? Sua presença certamente inibirá as práticas de violência, pois sendo um estímulo aversivo, a população escolar vai se engajar em comportamentos de esquiva, comportamentos que evitem punições. Mas isso não coloca um fim na violência. É muita ingenuidade achar que a violência no contexto escolar vai deixar de ocorrer por causa da presença de policiais. É uma questão empírica. Todo estímulo aversivo condicionado pode perder sua função quando deixar de ser associado ocasionalmente a punições. Quando associado novamente a punições ele readquire sua função. 



A princípio a presença de policiais pode inibir as práticas de violência. Elas deixarão de ocorrer por um tempo. Com isso o policial deixará de atuar repressivamente. Deixando de atuar repressivamente sua função de estímulo aversivo condicionado pode sofrer extinção. Sofrendo extinção cria-se a possibilidade para o ressurgimento das práticas de violência. Ressurgindo as práticas de violência o policial terá que agir. Agindo sua conduta é novamente associada a punições, reassumindo sua função de estímulo aversivo condicionado.

Logicamente que os policiais receberão um treinamento para agirem no contexto escolar. Mas, ainda, assim, fardas e armas são estímulos que continuarão sinalizando possibilidade de coerção, e a mídia se encarrega de fazer esta associação todos os dias. Trata-se de uma experimentação social. Não precisamos ser completamente pessimistas. No entanto, não podemos deixar de questionar que o problema da violência no contexto escolar deva ser tratado apenas com práticas coercitivas, ou seja, deva ser tratado somente no âmbito das políticas de segurança pública.

Talvez seja a hora de se pensar seriamente a inserção de profissionais como Psicólogos(as) e Assistentes Sociais nas escolas, pois a violência que se manifesta neste contexto é produto de questões que transcendem os muros da comunidade escolar. Trata-se de um problema a ser tratado no âmbito das políticas de saúde e assistência social. Reprimi-lo com a presença ostensiva de um aparato militar é apenas camuflar uma situação que tem dimensões muito maiores. 



Se a inserção da força militar no contexto escolar tiver a função de gerar as condições necessárias para que outros trabalhos sejam feitos, pode-se dizer que ela é válida. É como no caso das UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora). Estas desenvolvem um trabalho que permite que o Estado adentre certas comunidades oferecendo aquilo que é de sua obrigação: saúde, saneamento básico, educação etc. Se a inserção de policiais no contexto escolar seguir uma lógica semelhante aquela seguida pelas UPP’s, podemos esperar algum resultado desta intervenção, ou seja, se ela objetivar gerar as condições para que o Estado ofereça outros serviços que tornem melhor o espaço educacional, podemos acreditar que esta intervenção possa produzir algum resultado positivo. Mas se este não for o objetivo, corremos o risco de estarmos apenas reproduzindo a velha lógica da coerção. Estaremos, assim, desperdiçando uma boa oportunidade de conduzir um bom experimento social.



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