Mostrando postagens com marcador Controle Aversivo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Controle Aversivo. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Do Que Você Tem Medo?: uma análise comportamental das reações fóbicas

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Fobia vem do grego Fobos. Para os gregos Fobos era filho de Ares. Na Mitologia Grega Ares é o deus da guerra e Fobos é a personificação do medo e do terror. Fobos era levado pelo pai para as guerras para aterrorizar e afugentar os inimigos. Se Fobos é a personificação do terror, a fobia, seria, então, um tipo de reação emocional marcada exclusivamente pelo medo.

Na fobia o medo é o ator principal e também o plano de fundo, sendo usado como critério para identificá-la. Geralmente quatro condições devem ser satisfeitas para caracterizar uma fobia: 1) A ocorrência de um medo intenso; 2) O medo estar relacionado com uma situação específica; 3) O medo criar a condição para a fuga da situação responsável por sua ocorrência; 4) O medo ser acompanhado por alterações fisiológicas como a taquicardia, a sudorese, o tremor, as vertigens etc.

O Analista do Comportamento olharia com suspeitas para as condições enumeradas. Em primeiro lugar, ele não entenderia a fobia como ela normalmente é entendida. Nas abordagens psicodinâmicas, aquelas que compreendem o comportamento como o produto do funcionamento de um aparelho mental, uma fobia seria a expressão de conflitos inconscientes. A cura ocorreria pela identificação destes conflitos, que por sua vez promoveria uma catarse, ou seja, uma descarga emocional que colocaria fim ao desgaste energético gerado pelos próprios conflitos. Neste sentindo, a fobia seria uma espécie de patologia mental.

O Analista do Comportamento assumiria uma posição bastante distinta. Para ele uma fobia não é uma doença. Aliás, é bom que se diga que ele suspeitaria não somente da fobia enquanto manifestação psicopatológica, como também entenderia que o termo "fobia" serve ao único propósito de descrever a topografia de alguns comportamentos que ocorrem enquanto a pessoa está sentindo um medo intenso, medo que notoriamente está relacionado à exposição a certas contingências de reforço. Isso significa que a descrição é insuficiente, pois ela não revela a funcionalidade do comportamento, ou seja, ela não revela os motivos que produzem o medo e nem como a sua ocorrência está relacionada a circunstâncias bastante específicas.

O Analista do Comportamento seria ainda mais criterioso. Ele não assumiria o medo como a causa da fuga. O medo e a fuga são causados pelas mesmas circunstâncias. O que nelas existe para provocar o medo e a fuga é a presença de controle coercitivo. Como o controle coercitivo assumiu o poder de gerar o medo e de produzir a fuga é algo que se deve investigar na história de reforçamento do indivíduo que sente medo e também foge. Cai, portanto, por terra, o terceiro critério para a caracterização de uma fobia: "O medo criar a condição para a fuga da situação responsável por sua ocorrência". O medo não é a causa da fuga. Ele é tão produto quanto o comportamento de fugir da situação temida. Emoções não são causas de comportamento. Emoção também é comportamento. Isso já foi longamente trabalhado em outras postagens, basta clicar aqui para acessá-las.

O Analista do Comportamento também derrubaria a condição de número quatro, pois o medo é um exemplo de comportamento emocional, o que significa que ele não é marcado apenas pelo aparecimento de respostas reflexas produzidas a partir de condicionamento respondente: taquicardia, tremor, sudorese etc. Ele também é marcado pela ocorrência de consequências que alteram a frequência com que ocorre, o que o caracteriza como comportamento operante. A consequência é manter afastada a situação temida. Sempre que exposto à situação temida o sujeito foge. Fugir é um exemplo de comportamento mantido por reforçamento negativo.

Portanto, a fobia não é uma doença. A fobia é um conjunto de comportamentos que envolve a fuga de uma situação temida. A situação temida é fonte de controle aversivo. O que a fuga faz é afastar os estímulos aversivos. Mas quanto mais o sujeito foge ou mesmo evita a situação temida, mais ele diminui as chances de que o medo enquanto comportamento emocional seja colocado em extinção. É aí que entra a análise funcional. Ela revelará a frequência com que o medo ocorre, que estímulos aumentam as chances dele ocorrer e, que, sobretudo, estabelecem a ocasião para o comportamento de fugir. Feito isso, podem ser planejadas intervenções que tenham como tônica a exposição do sujeito às situações relacionadas com o medo e com a fuga.

Está exposição contribui para que seja rompido o pareamento de estímulos estabelecido por meio de condicionamento respondente. Lembram-se do cão de Pavlov? Quando Pavlov apresentou o som sem que ele fosse associado com a comida, o que acabou acontecendo? O som perdeu a sua função de eliciar a resposta de salivação. A situação temida é o estímulo condicionado que provoca as respostas reflexas que constituem a dimensão respondente do medo: taquicardia, sudorese, tremor, desarranjo gastrointestinal etc. A exposição planejada ao estímulo condicionado diminuirá o mal estar provocado por todas estas respostas reflexas, pois este estímulo sofrerá uma extinção gradual, perdendo, assim, sua função de provocar as respostas enumeradas.

Algo novo ocorre quando o mal estar é minimizado. O sujeito diz para si mesmo: "sou capaz de enfrentar esta situação". Ele produz uma regra que sustentará o comportamento de enfrentamento da situação temida. Essa regra descreve as contingências de uma nova forma: "não preciso ter medo de enfrentar esta situação". As regras anteriores diziam: "tenho medo desta situação, não consigo enfrentá-la". O sujeito passa a descrever as contingências de reforçamento de um modo diferente, e nesta descrição os estímulos aversivos perdem o seu lugar de destaque. Caem por terra as antigas regras, aquelas que faziam com que a situação parecesse temerosa.

Portanto, numa análise comportamental, o que interessa é identificar as contingências que modelaram e que fazem a manutenção dos comportamentos fóbicos, comportamentos que envolvem as dimensões respondentes e operantes do medo. Isso é o mesmo que submeter a fobia a uma análise funcional, análise que fornecerá os parâmetros para a construção de intervenções que coloquem em extinção o comportamento de fugir das situações temidas, e ao mesmo tempo terminem o mal estar produzido por estas situações.


Leia mais...

terça-feira, 10 de junho de 2014

Cão de Briga: do controle coercitivo ao reforçamento positivo

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O filme Cão de Briga não é um daqueles filmes que têm um roteiro brilhante, mas estimula-nos a pensar sobre os processos relacionados com a determinação do comportamento humano. Quando falamos de comportamento humano, inevitavelmente, estamos falando de comportamento operante, isso porque a maior parte dos comportamentos que constituem nossos repertórios comportamentais fazem parte desta classe de comportamentos que chamamos operantes. Clique aqui caso você queira saber um pouco mais sobre o comportamento operante.

O filme "Cão de Briga" pode ser analisado a partir de duas perspectivas: de uma perspectiva mais poética ou de uma perspectiva mais técnica. De uma perspectiva mais poética diríamos que o amor tudo transforma, mas incorreríamos no erro de analisar a determinação do comportamento conforme o senso comum e insistir na tese de que ele é um produto das emoções. Pelo conhecimento que a análise experimental do comportamento já acumulo até o momento, não há nada mais falacioso do que afirmar que o comportamento é um produto das emoções. Emoções são comportamentos como quaisquer outros comportamentos. Clique aqui se você quiser saber um pouco sobre como as emoções são analisadas a partir da perspectiva do Behaviorismo Radical.

Nosso interesse aqui é analisar o filme de uma perspectiva mais técnica. Mas não abandonaremos a premissa de que o amor tudo transforma, desde que amor seja entendido como um conjunto de disposições comportamentais modeladas a partir de contingências de reforço em que o reforçamento positivo seja predominante. Sendo assim, ser tocado pelo amor e ser por ele transformado é o mesmo que ser exposto a contingências de reforçamento positivo e sofrer as ações destas contingências. Quando amamos alguém é mais do que lógico que queiramos estar do lado da pessoa amada, pois os seus comportamentos são para nós fontes abundantes de reforçamento positivo.

Talvez seja por aqui que devemos iniciar a análise dos comportamentos do personagem principal: Danny (Jet Li). A grande lição que fica do filme Cão de Briga é que quando bem aplicados os reforços positivos podem modelar comportamentos que aumentam as chances de sucesso na interação do sujeito com o mundo ao seu redor. Já o controle coercitivo pode diminuir as chances de sucesso e produzir efeitos colaterais bastante nocivos. Saiba mais sobre o controle coercitivo clicando aqui. Você também pode clicar aqui.

As mudanças comportamentais observadas em Danny são produtos das mudanças que ocorreram nas contingências de reforçamento que modelaram os seus comportamentos. Danny fora criado pelo seu "tio Barty" (Bob Hoskins), um mafioso e agiota que usava a força bruta (espancamento e ameaças de espancamento) para cobrar a dívida daqueles que lhe deviam dinheiro. Danny era o "instrumento" utilizado por Barty para espancar os seus devedores quando eles ameaçavam não pagar.

Na verdade Barty não era tio de Danny. Barty criou Danny desde criança quando a sua mãe fora brutalmente assassinada em sua frente pelo mafioso. Barty criou Danny como se fosse um cachorro, sendo "adestrado" para atacar e matar. É relevante salientar que Danny chegava a usar uma coleira. Quando Barty queria que Danny atacasse ele tirava a coleira e dizia: "pega". Danny partia para cima do seu alvo e o espancava até que Barty mandasse parar. Para Danny não haviam alternativas, ou ele atacava ou era severamente punido por Barty. O comportamento de atacar era mantido por reforçamento negativo.

Danny vivia literalmente como um cão. Tinha um repertório de socialização e verbalizações muito limitado. Ele também comia com as mãos e não tinha hábitos de higiene pessoal. Era quase um autista. O uso de controle coercitivo gera produtos colaterais nefastos que interferem na aprendizagem de comportamentos mais úteis. Uma criança severamente punida na escola possivelmente apresentará problemas de aprendizagem. Ela passará a maior parte do tempo tentando fugir ou se esquivar das punições, e esses comportamentos vão interferir com os comportamentos de aprender, vão com eles se incompatibilizarem. Dificilmente ela conseguirá ao mesmo tempo aprender matemática e fugir das punições. Ou a criança faz uma coisa ou se dedica a outra. Esta análise pode ser estendida a Danny. Severamente punido por Barty, o controle coercitivo produziu efeitos nocivos que dificultaram na aprendizagem de comportamentos mais úteis.

Por um acaso do destino tudo se modifica quando Danny tem a oportunidade de conhecer a família de Sam (Morgan Freeman) e Victoria (Kerry Condon). Não entraremos aqui nos meandros de como esse acaso do destino se processou, assistam ao filme e descubram. Com Sam e Victoria Danny teve uma das primeiras oportunidades em sua vida de ter acesso a fontes de reforçamento positivo. Sua vida é transformada ao desfrutar desta possibilidade. Sam e Victoria acolheram Danny. Habilidosamente ofereceram carinho e atenção para cada iniciativa demonstrada por Danny no sentido de tentar estabelecer episódios de interação social. A princípio não questionaram a respeito do seu nome e nem muito menos a respeito da coleira que usava.

Quando o ambiente se tornara suficientemente confortável é que Victoria retirou a coleira de Danny. A esta altura Danny já percebera que não tinha mais do que fugir ou se esquivar, pois naquele ambiente não existiam punições. Naquele ambiente a coleira não sinalizava a possibilidade de ser punido, pois não existiam agente punidores. Aos poucos a coleira vai perdendo a sua função de estímulo discriminativo que sinalizava a possibilidade de ser submetido a punições. Naquele ambiente Danny fizera uma descoberta formidável, algo que sinalizava reforços positivos de um passado longínquo: a música e o piano.

Victoria tocava pianos e Sam era um afinador de pianos. Sam descobrira que Danny gostava de pianos. Depois de diversas idas e vindas na história do filme, com o retorno do "tio Barty" e outros contratempos, Sam e Victoria ajudaram Danny a se lembrar de seu passado. A mãe de Danny também tocava pianos e fora assassinada porque não conseguiu saldar sua dívida com Barty. O dinheiro havia sido utilizado pela mãe de Danny para pagar as mensalidades da faculdade de música. Piano para Danny era um estímulo discriminativo que sinalizava os reforços positivos proporcionados pela mãe. Os comportamentos de se lembrar do passado foram suscitados pela mudança nos estímulos discriminativos, ou usando uma linguagem um pouco mais técnica, foram suscitados pela mudança no controle de estímulos.

O que fica da história do filme "Cão de Briga"? Que entre usar controle coercitivo e reforçamento positivo é melhor usar reforçamento positivo. O reforçamento positivo evita os contratempos produzidos pelo uso do controle coercitivo e aumenta as chances de sucesso na interação do sujeito com o mundo ao seu redor. Coerção não é a melhor opção. Seus efeitos são drásticos, e vão desde o aniquilamento da saúde do indivíduo punido até a sua insurreição contra o agente punidor. Nem mesmo o agente punidor escapa dos efeitos da punição, pois a revolta é sempre uma reação que pode acontecer a qualquer instante, que o diga o nosso personagem Danny que no final do filme se voltou contra o seu tio Barty. Assistam ao filme e voltem para conversarmos...


Leia mais...

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Laranja Mecânica: uma análise comportamental

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O filme Laranja Mecânica conta a história de Alex, um jovem inglês que é líder de um grupo de deliquentes que cometem todos os tipos de horrores durante as madrugadas: espancamentos, brigas com grupos rivais, assaltos, estupros e até mesmo assassinato. Numa das investidas realizada pelo grupo durante uma madrugada, os companheiros de Alex armam contra ele, pois estavam cansados de sua liderança autoritária. Como o grupo só conhece a agressão, usam-na para dar uma lição em Alex.

Num assalto realizado em um hotel fazenda, Alex acaba assassinando a proprietária do hotel. Os companheiros de gangue atinjem-no com algumas garrafas de leite na cabeça, deixando-o inconsciente e transformando-o em um alvo fácil para a polícia que já havia sido acionada. Por ironia do destino a violência de Alex acaba se voltando contra ele, pois os liderados se rebelam e o destituem do poder usando os mesmos métodos coercitivos. Enfim, coerção gera coerção, e o filme Laranja Mecânica é muito claro neste sentido, pois elucida de maneira bastante óbvia os efeitos colaterais gerados pela utilização de controle coercitivo.

Tais efeitos se fazem evidente no tratamento que Alex é submetido depois que é levado para a prisão. Tendo recebido uma pena de 14 anos de reclusão em um instituto prisional que usa a coerção para manter sob controle os detentos, Alex enxerga num tratamento revolucionário a possibilidade de encurtar o cumprimento de sua pena. Trata-se de um tratamento que ilustra com bastante clareza o paradigma do condicionamento respondente, ao mesmo tempo que cria a oportunidade para que possamos discutir a eficácia da punição como meio para a modificação de comportamentos.

Por possuir um perfil bastante agressivo Alex é escolhido para ser submetido ao tratamento, sendo, então, transferido para uma clínica em que é colocado sob os cuidados de uma equipe médica. O tratamento consiste em assistir filmes com cenas explícitas de violência enquanto um medicamento que provoca uma terrível sensação de náusea é administrado. Veja o esquema abaixo:

Veja a semelhança com o experimento realizado por Pavlov no estudo do condicionamento respondente:
No experimento de Pavlov o estímulo incondicionado, ou seja, o estímulo que provoca a resposta reflexa de salivação, uma resposta que ocorre sem a necessidade de aprendizagem, é a comida. No experimento realizado com Alex o medicamento cumpre a função de estímulo incondicionado. Após a associação temporal entre o alimento e a campainha no arranjo experimental construído por Pavlov, o som passou a adquirir a função de estímulo condicionado, provocando, desta forma,  a resposta de salivação quando apresentado. Já na experiência ao qual Alex foi submetido, as cenas de violência exibidas nos filmes que ele foi obrigado a assistir, adquiriram a função de provocarem a resposta reflexa de náusea, ou seja, adquiriram a função de estímulos condicionados. Para maiores detalhes sobre o condicionamento respondente, é interessante ler outro artigo deste blog intitulado: "O condicionamento respondente: definição e aplicações."

Era esperado com a realização do tratamento que Alex se sentisse mal todas as vezes que se engajasse em um comportamento violento. E de fato isso aconteceu. Depois de sair da prisão Alex se sente mal em inúmeras oportunidades em que tem a chance de se engajar em comportamento violento ou quando presencia alguma cena de violência. As fortes sensações de náusea sentidas por Alex o incapacitavam de cometer atos de violência. Enquanto estava ocupado sentindo náuseas ele não podia se engajar em comportamentos violentos. Trata-se aqui de incompatibilidades entre comportamentos do mesmo repertório comportamental, e venciam aqueles comportamentos que tinham maior força. No caso de Alex, venciam as náuseas, e para se esquivar de senti-las era necessário não cometer nenhuma violência.

Na história de Alex também é possível ver operar o reforçamento negativo. Engajar-se em atos de evitação da violência permitia que as punições fossem evitadas. As respostas reflexas sentidas como náuseas eram ao mesmo tempo um exemplo de comportamento respondente eliciado por cenas de violência, como eram também a consequência de comportamentos que tinham como objetivo a prática de ações violentas. As náuseas puniam os comportamentos de cometer violência, impedindo-os de acontecerem enquanto o estímulo aversivo "enjoos" estivesse operando. Em última instância, o corpo e os comportamentos de Alex eram suas fontes de punição. Ele não podia fugir de si mesmo, então, o melhor seria esquivar-se da violência. O esquema abaixo sintetiza a análise dos operantes de Alex:


Mas como era de se esperar o tratamento teve alcance limitado, pois logo as respostas reflexas de náusea foram se extinguindo, e as cenas de violência que sinalizavam a possibilidade de punição acabam perdendo esta função de sinalização, ou seja, perdem a função de serem estímlos discriminativos que sinalizam a ocorrência de punições. Se tais cenas perdem a função de estímulos condicionados no eliciamento das respostas reflexas de náusea, os comportamentos de violência têm a chance de ocorrerem sem serem punidos, pois também perdem a função de eliciarem as sensações de desconforto que atuavam como punição. Esta é uma questão clássica, ou seja, estímulos aversivos condicionados vez ou outra precisam ser pareados com o estímulo punidor incondicionado, caso contrário perdem a função de punidores ou de sinalizadores de punição.

No caso de Alex, seus comportamentos de cometer violência eram ao mesmo tempo estímulos condicionados para as respostas reflexas de náusea, sinalizadores de ocorrência da punição (náusea) e também eram punidores e geradores da punição que era sentida com o grande desconforto que acompanhava as crises de náusea. Quando é desfeito o condicionamento respondente, ou seja, quando as cenas de violência e os comportamentos de se engajar em violência perdem a função de eliciarem as respostas reflexas de náusea, os comportamentos violentos perdem também a função de punidores e sinalizadores de punição, ao mesmo tempo em que cometer violência deixa de ser punido pela ocorrência dos desconfortos. Neste sentido, o filme evidencia duas coisas muito importantes: 1) Um programa de modificação de comportamentos não deve se limitar à ocorrência dos comportamentos respondentes e nem deve 2) fazer uso de punição. A punição tem efeitos colaterais nocivos, e a sua eficácia em suprimir comportamentos dura enquanto o estímulo aversivo estiver presente. Além do mais, os estímulos aversivos condicionados precisam ser pareados habitualmente com estímulos aversivos incondicionados para não perderem a função de punidores.

Um pai que ameaça o filho com uma chinela nas mãos, vez ou outra precisa dar uma chinelada para que a chinela continue funcionando como estímulo sinalizador de punição ou ainda como estímulo punidor. Mas este mesmo pai ao usar de punição está sujeito aos efeitos colaterais que ela gera: contracontrole, ansiedade, medo, submissão etc. No caso de Alex, para que as náuseas continuassem funcionando como punição para os comportamentos de se engajar em violência, as cenas de violência teriam que ser pareadas ocasionalmente com a medicação, ou seja, ele teria que ser submetido de vez em quando a novas sessões do tratamento. Mas os efeitos do tratamento foram terríveis, pois transformaram Alex em um sujeito submisso e temeroso dos desconfortos que podiam ser sentidos a qualquer instante.

Melhor seria se Alex tivesse a oportunidade de acessar fontes de reforçamento positivo todas as vezes em que se engajasse em comportamentos mais funcionais. Aí estaríamos falando de um programa de modificação de comportamentos que também contemplaria a análise funcional dos operantes de cometer violência, ou seja, que contemplaria a função exercida por tais comportamentos, um programa que fosse capaz de analisar as variáveis responsáveis pela manutenção dos comportamentos violentos, e que não se limitasse somente a aplicação de técnicas de condicionamento respondente, que acima de tudo foram altamente intrusivas e tiveram resultados questionáveis, pois fizeram utilização de controle coercitivo. 

Se o filme ilustra bem o paradigma do condicionamento respondente e os efeitos nocivos da utilização do
controle aversivo, ele não serve para ilustrar a proposta da Análise do Comportamento e de sua filosofia, o Behaviorismo Radical. A Análise do Comportamento não defende o uso do controle aversivo, pois este tipo de controle tem consequências bastante nocivas. A respeito do controle comportamental, é sugerido o seguinte texto: "Controle Comportamental: algumas considerações". A Análise do Comportamento estuda o controle aversivo como forma de demonstrar as consequências que ele produz, e como forma de demonstrar que há outras alternativas muito mais viáveis. Um bom programa de modificação de comportamentos envolve a análise funcional dos comportamentos que se quer modificar e não somente a aplicação de técnicas para modificações comportamentais. Para aprofundar nesta questão, aconselho a leitura do seguinte texto deste blog: "Por que a Terapia Comportamental é Comportamental?".

Voltemos ao filme. Como no experimento de Pavlov em que o som perdeu a função de eliciar a resposta reflexa de salivação ao ser apresentado sozinho, ou seja, ao ser apresentado sem que fosse pareado com a alimentação, as cenas de violência deixaram de eliciar as respostas reflexas de náusea quando o pareamento entre elas e a medicação foi rompido. Ocorreu, então, uma extinção das respostas reflexas condicionadas de náusea. Este pareamento foi rompido quando Alex foi submetido a diversas ocasiões de violência ao sair da prisão. Quando, por exemplo, os antigos amigos de gangue que se tornaram policiais o agrediram, ou quando foi obrigado a ouvir a nona sinfonia de Beethoven na casa do escritor que ele agredira no início do filme. A nona sinfonia de Beethoven também adquirira a função de estímulo condicionado quando no experimento foi tocada como a música de fundo enquanto Alex assistia às cenas de violência.

Não suportando os efeitos provocados pela nona sinfonia de Beethoven, Alex se joga do terraço do quarto em que se encontrava. Depois disso vai parar num hospital todo quebrado. Enquanto jazia em uma cama de hospital, um médico e uma enfermeira tinham relações sexuais em uma cama ao lado. Em todas estas situações Alex vai sendo exposto a cenas de violência sem que elas fossem pareadas com o estímulo incondicionado. Por isso perdem sua função de eliciarem as respostas reflexas de náusea. O filme termina com Alex imaginando uma cena de sexo selvagem, o que demonstra que se engajar em atos de violência não mais funciona como estímulo condicionado para eliciar respostas reflexas de náusea e também como fonte geradora de punição.

Portanto, o tratamento ao qual Alex foi submetido revelou-se um fracasso total. Também pudera, pois além de coercitivo foi desprovido da realização de qualquer análise funcional dos comportamentos de se engajar em violência. Sem uma uma boa análise funcional qualquer procedimento utilizado para modificar quaisquer comportamentos tem uma grande chance de ser ineficaz.

Gostou do texto? Não deixe de postar seus comentários nos campos apropriados para este fim.

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.


Leia mais...

sexta-feira, 29 de março de 2013

Controle Comportamental e Liberdade

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A discussão sobre controle comportamental inexoravelmente remete-nos à discussão sobre a questão da liberdade. Quando se fala em controle logo se pensa em perda da liberdade. Estas duas questões estão de tal forma relacionadas que controle e liberdade dificilmente são definidos sem que se faça uso de um ou de outro termo como antônimo na definição. Quem tenta explicar o que é a liberdade cita como exemplos situações em que o uso de um determinado tipo de controle levou à perda de locomoção ou da capacidade de expressão. Esta perda representaria uma restrição na liberdade. Melhor colocar a questão como uma pergunta: a existência do controle comportamental implica em perda de liberdade? Faz sentido falar em liberdade quando se admite a existência do controle comportamental?

Recomendo ao leitor que antes de prosseguir na leitura deste texto, se possível faça a leitura de um outro texto também postado neste blog: "Controle comportamental: algumas considerações". No texto recomendado apresento uma discussão sobre o que é o controle comportamental, e sobre como a Análise do Comportamento lida com esta melindrosa questão. Antes de prosseguirmos é bom recapitular o que diz o texto e lembrar que controle comportamental para a Análise do Comportamento é equivalente a relações de determinação. Isso significa que o comportamento é determinado, o que acaba sendo um golpe duro na noção de liberdade.

A liberdade como ausência de determinação não existe. Mas o sentimento de liberdade pode existir, dependendo apenas do arranjo de certas contingências de reforço. Contingências de reforço em que há prevalência de reforçamento positivo produzem com maior probabilidade uma sensação de liberdade. Contingências que possibilitam o exercício do contracontrole também contribuem para que as pessoas se sintam mais livres, pois estas contingências simplesmente tornam possível a eliminação das fontes de estimulação aversiva.

Um sujeito ao cumprir sua pena de prisão, depois de sair do presídio vai dizer que se sente livre porque se livrou das grades e das atrocidades cometidas dentro do sistema prisional. Neste sentido ele está dizendo que se livrou das fontes de estimulação aversiva ao qual estava submetido. O nosso sujeito hipotético tinha seus comportamentos na prisão mantidos por controle aversivo. Fora da prisão tem a oportunidade de se expor a contingências de reforçamento positivo, aumentando, dessa forma, as chances de sentir liberdade. A questão é que dentro ou fora da prisão seu comportamento continua sendo controlado pelo ambiente. É certo que haverá uma mudança no tipo de controle, o que ocasionará comportamentos emocionais diferentes.

Na prisão o nosso sujeito hipotético se encontrava sob o controle de contingências aversivas,  por isso se sentia oprimido e privado de liberdade. Fora da prisão ele acaba se submetendo ao controle de contingências que possibilitam a ocorrência de comportamentos que não poderiam ser emitidos enquanto estava preso. Vai poder namorar, trabalhar, se divertir etc. Talvez tais comportamentos até pudessem ocorrer na prisão, mas sob uma forte vigilância.

Se pedirmos alguém que viveu no tempo da ditadura militar para comparar o que sente agora com o que sentia quando estava submetido à vigilância de um regime militar, certamente esta pessoa vai dizer que se sente mais livre num regime político em que ela pode contestar e criticar as ações do estado do que em um regime em que estes comportamentos poderiam ser punidos com penas de prisão, tortura ou morte. A diferença está nas contingências de reforço. Em regimes militares comportamentos que se dirigem contra o governo são passíveis de punição. Já em regimes democráticos tais comportamentos podem ocorrer. Num regime prevalecem as contingências de controle aversivo e não existe a possibilidade de contracontrole. Noutro regime existe a possibilidade de contracontrole e são incentivados os comportamentos de participação na vida política do país. Mas nos dois regimes o comportar-se está sendo controlado pelas contingências de reforço. A diferença está no tipo de controle.

Ainda que a noção de controle comportamental represente um golpe duro para o conceito de liberdade, isso não quer dizer que controle e liberdade não possam coexistir, desde que se entenda que o comportamento não deixa de ser determinado, mesmo quando nos sentimos livres.O sentir-se livre é tão determinado quanto o sentir-se preso. É bom salientar que o sentimento de liberdade não é um bom parâmetro para concluirmos o quanto alguém está sendo capaz de assumir as rédeas do próprio destino. Uma pessoa pode se sentir livre, mas não ter consciência sobre as condições que produzem os seus comportamentos. Dessa forma, ela pode ser facilmente manipulada ou conduzida a agir de determinadas maneiras. A longo prazo estas maneiras de agir podem gerar produtos bastante nefastos, ou impedi-la de desenvolver uma maior consciência sobre si mesma e sobre o mundo em que habita. Falando de modo mais claro, alguém que se sinta livre pode continuar agindo como um cordeiro, sendo facilmente conduzido ao matadouro ou tosqueado por aqueles que conhecem as condições que afetam o seu comportar-se.

Outro problema com a noção de liberdade é que ela conduz à crença de que podemos agir como queremos, ou seja, ela supõe que o agir é causado pelo sentir, ou em outras palavras, ela assume que o comportamento pode ser causado pelas emoções. Emoções não são causas de comportamento. Emoções também são comportamentos. Recomendo a leitura de dois artigos postados neste blog para maiores esclarecimentos sobre o tema comportamento emocional: "Garçonetes de uma cafeteria nos EUA usam lingerie para aumentar as vendas: conversando sobre emoções" e "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos". Clique aqui para ter acesso a outros posts que também tratam desta temática.

Assumir que o comportamento pode ser causado pelas emoções é adotar o modelo de causalidade mentalista em que o comportar-se teria como origem um "eu iniciador", e este "eu" se encontraria em algum lugar da mente, sendo chamado ora de "Self" e ora de "Inconsciente". Em versões mais modernas das psicologias mentalistas, as funções desse eu recaem sobre as cognições ou até mesmo sobre o cérebro. Tais explicações obscurecem as contingências de reforço responsáveis pelo comportamento de sentir-se livre ou sentir-se preso. Uma vez obscurecidas as contingências de reforço, perdemos a oportunidade de construir aquelas condições que poderiam produzir mais "liberdade" e mais consciência a respeito das circunstâncias que afetam o comportar-se.

Portanto, a desconstrução do conceito de liberdade não implica em perda de liberdade, ou seja, não implica na criação de circunstâncias que venham eliminar as contingências de reforço que fazem com que as pessoas se sintam mais livres, ou na criação de contingências que as submetam ao controle aversivo. A desconstrução deste conceito oferece-nos a possibilidade de entender as condições que afetam o comportar-se e possibilita o planejamento de circunstâncias que favoreçam a construção de um mundo em que as pessoas tenham chances reais de serem felizes.

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.




Leia mais...

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Controle comportamental: algumas considerações

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Neste texto o leitor vai encontrar uma reflexão sobre a questão do controle comportamental. Ao elucidar tal questão, o texto tratará de examinar como a Análise do Comportamento aborda esta temática, e como ela está ligada a possibilidade de existência desta ciência que tem como objeto de seus estudos o comportamento. Inevitavelmente não será possível fugir de uma definição sobre o que é comportamento, pois no fim das contas esta definição fornecerá os parâmetros para esclarecer que o controle comportamental é uma questão de fato e não de escolha, ou seja, querendo ou não nossas condutas continuarão sendo controladas pelo ambiente da mesma forma que o mundo ao nosso entorno é controlado por nós. A própria definição de operante pressupões essa mútua relação de controle estabelecida entre o comportar-se e as modificações introduzidas no ambiente a partir do momento que nos comportamos.

A questão é tão delicada que ao menor sinal de sua menção os ânimos de muitos se exaltam. Como assim controlar o comportamento? Isso representaria a construção de uma sociedade de dominados e dominadores, é o que acreditam os críticos da noção de controle. Como se esta sociedade já não existisse! Os críticos da noção de controle comportamental cofundem o controle intrínseco da conduta humana pelo ambiente com o controle aversivo. Controle aversivo é apenas uma das formas de controle existentes. Uma árvore na floresta para fazer referência a uma metáfora utilizada por Sidman (1995).

De acordo com Sidman (1995) a floresta é a questão do controle comportamental, e uma árvore na floresta é o controle aversivo, ou seja, é o controle por uso de punição ou por ameaça de punição. Não temos a menor dificuldade para lidar com a temática do controle quando o que está sendo discutido é o comportamento de fenômenos físicos. Mas quando falamos de fenômenos comportamentais é inadmissível pensar em controle. Então, a questão é definir o que é controle, elucidar que controle comportamental e controle aversivo são duas questões distintas, e que falar de controle não implica em fazer uso de punição.

Comecemos a difícil tarefa de definir controle comportamental com um exemplo. Há poucos dias um meteorito caiu na Rússia causandos muitos estragos e deixando muitas pessoas feridas. Isso ocorreu porque um meteoro entrou na órbita terrestre e foi atraído por seu campo gravitacional. O campo gravitacional da Terra exerceu controle sobre o meteoro. Quando este passou pela atmosfera acabou se partindo em diversos pedaços, transformando-se, então, em um meteorito. Um meteorito é um fragmento de um meteoro.

Este exemplo é bastante propício para podermos refletir sobre a questão do controle comportamental. O meteoro foi atraído pelo campo gravitacional terrestre. Eis aí uma relação de controle, uma relação de determinação, ou melhor, uma relação de causalidade. O meteoro não entrou na órbita terrestre por acaso. Isso se deu por causa da força da gravidade. A massa da Terra é muito maior do que a do meteoro, portanto, seu poder de atração gravitacional é muito maior. O mesmo ocorre entra a Terra e a Lua, entre a Lua e as Marés e entre a Terra e o Sol.

O movimento de translação da Terra ocorre por causa do campo gravitacional do Sol. O sol controla o movimento da Terra. O movimenta da Lua entorno da Terra segue o mesmo princípio, como também o fenômenos das marés alta e baixa que sobem e descem de acordo com a proximidade da Lua em relação à Terra. Não temos a menor dificuldade para admitir que todos estes fenômenos traduzem relações de controle, e com base nestas relações que podem ser medidas, os atrônomos têm como realizarem predições sobre em que ponto a Terra se encontrará em relação ao Sol daqui a 30 anos, e como as estrelas serão vistas no céu no equinócio de outono no hemisfério norte daqui a 100 anos.

Todos estes exemplos traduzem relações de determinação entre fenômenos físicos. Relações de determinação são o mesmo que relações de causalidade. Em relações de causalidade, relações que se estabelecem quando há dependência entre dois ou mais fenômenos, é possível predizer como estes fenômenos vão se apresentar se for conhecido os comportamentos de cada um deles ou de pelo menos uma parte substancial dos mesmos. Se há relações de dependência, a presença de um fenômeno aumenta as chances de outros acontecerem, pelo menos aqueles que dependem da ocorrência do primeiro.

A condição para um meteorito atingir a superfície da Terra é um meteoro entrar em sua órbita. A condição para que um objeto de metal saia do repouso e comece a se movimentar quando dele for aproximado uma barra de imã, é que haja um imã que possa criar um campo eletromagnético substancial, e que seja criada uma proximidade tal que este campo atinja o objeto de metal. A presença do fenômeno campo eletromagnético altera o comportamento do objeto de metal, eis aí uma relação de dependência em que a presença de um fenômeno altera o funcionamento (comportamento) do outro.

A esta altura já deve ter ficado claro que controle é o mesmo que relações de dependência, relações de causalidade. Com o comportamento humano não é diferente. O comportamento enquanto uma função do organismo, enquanto uma ação empreendida pelo organismo, ação que contribui para sua sobrevivência, estabelece com outros fenômenos, neste caso fenômenos ambientais, relações de dependência. Uma vez que os cientistas se tornam capazes de descreverem estas relações com as chamadas leis científicas, podem, assim, intervirem nestes fenômenos e mudarem suas formas de ocorrência, desde que sejam capazes de fazer com que determinados eventos ocorram de forma a aumentar a probabilidade de ocorrência de outros eventos a eles relacionados, que com que eles tenham uma relação de dependência. O que as leis científicas fazem é descreverem relações de causalidade, nada além disso!.

O que a Análise do Comportamento faz é estudar as relações de dependência entre eventos ambientais e eventos comportamentais. A relação entre reforçamento e o aumento na frequência de um determinado comportamento é uma relação de dependência. Apresentados os reforços apropriados um comportamento pode ser alterado, pode ser controlado de modo que sejam maximizadas as possibilidades de que produza benefícios e diminuam as possibilidades de que produza malefícios. O controle está aí, é uma questão de fato. Ao fugirmos desta questão estamos evadindo da possibilidade de construírmos meios para tornar o mundo em que vivemos um lugar mais habitável, estamos desperdiçando recursos que poderiam ser aplicados na construção de relações mais saudáveis entre pessoas.

Onde quer que existam pessoas se comportando os seus comportamentos estarão sendo controlados por eventos ambientais consequentes (reforçamento) e antecedentes (controle de estímulos). Temos a opção de continuarmos inconscientes a respeito da existência deste controle, ou temos a opção de descrevê-lo e utilizar os meios adequados para que o comportar-se crie condições para que as pessoas se tornem seres humanos melhores. A Análise do Comportamento ao falar do controle não está advogando o uso do controle aversivo. Ao contrário, a Análise do Comportamento é defensora de um mundo livre do controle coercitivo, pois muitos já foram os dados produzidos sobre os efeitos nocivos gerados pelo uso de punições.

É porque existe controle comportamental é que nossa conduta é ordenada e previsível. Se não fosse assim viveríamos num mundo completamente caótico, pois não seríamos capazes de prevermos os resultados de nossas ações. E o que faz a Análise do Comportamento é apenas elucidar o controle comportamental, de modo a ter condições de oferecer à humanidade meios para construção de um mundo melhor, começando pela construção de pessoas melhores. Se já temos as ferramentas para isso, ou seja, para a construção de um mundo melhor, o que estamos fazendo de braços cruzados? É hora de sairmos do obscurantismo medieval e admitirmos que o controle é uma questão de fato, acreditando ou não em sua existência, ele continuará existindo.

E agora, as coisas ficaram mais claras? Opine no campo para comentários!

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.


REFERÊNCIAS:

SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. Campinas (SP): Editorial Psy, 1995.

Leia mais...

sábado, 5 de maio de 2012

O Ofício de Ser Professor

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ver alunos do ensino superior cometendo erros primários de ortografia me faz desconfiar da qualidade do ensino num país que diz ser de todos: "Brasil um país de todos". Talvez alguns digam que criticar a educação seja o mesmo que "bater em cachorro morto". Cachorro morto é incapaz de reagir. Não quero bater em cachorro morto e nem mesmo bater na mesma tecla sobre a importância da educação na construção de um país melhor, de um país com mais oportunidades e mais acesso aos direitos fundamentais, sejam estes civis, políticos ou sociais.


Quero hoje falar sobre o ofício do professor, este que é uma das peças fundamentais no processo de ensino-aprendizagem. Todavia, ser professor num país que tem sucateado a educação não é nada fácil. O professor convive ao mesmo tempo com uma remuneração vergonhosa e com uma estrutura que não o permite planejar contingências que tornem possível a aquisição de comportamentos, por parte dos alunos, que sejam úteis tanto no contexto escolar e em outros contextos, mas principalmente em outros contextos. Esta é a função da educação, permitir a partir do arranjo de certas contingências a aquisição de comportamentos que sejam úteis em outros contextos. Sendo assim, a educação formal, aquela que é viabilizada por meio da escola, deve preparar o aluno para lidar com circunstâncias que ele vai encontrar fora do contexto educacional, deve permitir que certas habilidades sejam desenvolvidas, habilidades que permitirão a resolução de certos problemas que serão encontrados fora dos muros da escola.

Se o papel da escola é este que acima foi assinalado, é lícito dizer que ele se cumprirá mediante o ofício dos professores. São os professores os responsáveis pelo planejamento das contingências que modelarão os comportamentos que serão úteis para a resolução de problemas encontrados em outros contextos diferentes do contexto educacional. Logicamente que este planejamento deve estar assentado sobre alguns pilares. Gostaria de refletir sobre dois destes pilares que dizem respeito especificamente ao trabalho do professor. Estes pilares são: competência técnica e competência relacional.


Espera-se que o professor domine o conteúdo que ele vai lecionar, ou seja, que ele tenha as competências técnicas para modelar no repertório de seus alunos aquelas habilidades técnicas que devem ser adquiridas para que estes aprendam a resolver problemas bastante específicos. Esta verdade é principalmente aplicável ao ensino superior. Um professor de mecânica deve planejar contingências que permitam a modelagem de habilidades bastante específicas, habilidades que se referem ao universo dos motores. Os alunos deverão entender como funciona um motor, devem saber montá-lo e desmontá-lo, substituir peças etc.

Mas num país em que os professores são mal remunerados, surge um fenômeno bastante curioso: professores lecionam conteúdos que eles não têm nenhum domínio. Os professores precisam sobreviver, e acabam aceitando lecionar conteúdos que não dominam, pois esta é a forma de aumentarem os seus rendimentos. Esta realidade se faz presente em todos os níveis de ensino: fundamental, médio e superior. A consequência disso? Vocês podem imaginar... As habilidades que deveriam ser desenvolvidas acabam não sendo desenvolvidas. Isso perpetua um ciclo pernicioso, pois parte destes alunos se transformam no futuro em professores... Outra parte vai para o mercado de trabalho tradicional, mas este acaba selecionando os mais habilidosos. E os menos habilidos e competentes? Bem, estes têm destinos os mais diversos.


No entanto, existem professores que são competentes, ou seja, dominam os conteúdos técnicos, contudo, são um desastre no ofício de estabelecerem relações saudáveis com seus alunos. Suas relações são sempre mediadas por muito controle aversivo. Certamente o resultado do uso de controle aversivo não é dos melhores... Como planejar contingências que permitam a modelagem de certas habilidades com base em controle aversivo? O controle aversivo acaba gerando comportamentos que concorrem com as contingências que deveriam permitir a modelagem daquelas habilidades que serão úteis em contextos a serem encontrados fora do ambiente escolar.

Professores com poucas habilidades sociais se tornam estímulos aversivos potenciais. Ao entrarem em sala eliciam respondentes de mal estar e operantes de fuga, esquiva e contracontrole. Evasão escolar é um exemplo de comportamentos de fuga e esquiva. Depredação do patrimônio escolar é um exemplo de comportamento de contracontrole. Boicotar as aulas de um certo professor é um outro exemplo de comportamento de contracontrole. Nosso sistema de ensino precisa de professores competentes tecnicamente e relacionalmente, de professores que tenham domínio sobre os conteúdos que lecionam, mas que também sejam capazes de se relacionarem bem com seus alunos.

Se relacionar bem com os alunos também é importante para a potencialização do processo de ensino-aprendizagem. Relacionamentos aversivos geram efeitos emocionais colaterais que acabam interferindo com a aprendizagem. Geram também comportamentos os mais diversos, inclusive de contracontrole, comportamentos de atacar com punições e ameaças de punições as fontes de controle aversivo, fontes institucionalizadas no papel exercido pelo professor. E muitas vezes esse contracontrole que tem como meta o professor, faz com que este seja submetido a fontes de estresse. Por sua vez o estresse acaba provocando adoecimento. Professor que usa controle aversivo estará sujeito também a contracontrole aversivo.


Outra questão importante é que o professor é modelo de comportamento. Se suas estratégias de ensino estão baseadas em controle aversivo, acaba ensinando para seus alunos por modelação que o controle aversivo é a forma mais eficaz de se obter o que quer. Professor que usa punição ensina seus alunos também a usarem punição, e muitas destas punições podem ter como alvo o professor e o sistema educacional. A palmatória foi abolida, mas tem muitos professores que por não terem as competências técnicas ou relacionais, usam notas para ameaçarem seus alunos, usam controle aversivo para conseguirem exercer autoridade.

A melhor forma de exercer autoridade é cativando, é estabelecendo alianças. Fazer inimigos é gerar fonte de estímulos aversivos que retroagem sobre quem as criou. Sala de aula não é lugar para se criar inimizades, não é lugar para controle aversivo. Sala de aula é espaço para aprendizagem, e a aprendizagem ocorrerá naturalmente e sem efeitos emocionais colaterais nocivos se comportamentos forem consequenciados com reforçamento positivo.

Curso online de Psicologia Escolar

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.


Leia mais...

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Polícia na Escola: experimentação social ou utilização da velha lógica da coerção?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Pouco mais de um ano depois da tragédia na escola municipal Tasso da Silveira , em Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro, as autoridades do estado do Rio através de uma parceria entre as secretarias de educação e segurança, resolveram criar o que chamaram de Programa Estadual de Integração de Segurança (Proeis). O programa consiste em colocar Policiais fardados e armados em 90 escolas estaduais.



Estes policiais trabalharão em seus horários de folga. É a oficialização do bico. A justificativa é que muitos policiais já exerciam este trabalho, mas o faziam como bico sem nenhum respaldo do Estado. 423 policiais serão beneficiados com esta medida, pois receberão para fazer um bico nas escolas, e farão isso com farda e tudo que tem direito, inclusive armas. Armas são aqueles aparatos utilizados para inutilizar a vida alheia. Ok, ok, ok, eu sei que as armas são as ferramentas de trabalho dos policiais e isso não é o que está em jogo na análise que proponho.

Oficializar o bico é admitir que no mínimo os policiais são mal remunerados para exercerem suas funções, e diga-se de passagem que são funções que colocam em risco suas vidas. Ninguém está dizendo que o papel da força militar não é importante para o funcionamento da sociedade. Isso não está sendo cogitado. O que se pretende indagar com este breve texto é se o problema da violência nas escolas é apenas um problema que precisa ser tratado no âmbito das políticas de segurança pública.

É a velha tática de tapar o sol com a peneira. Esse ditado é mais velho que meus falecidos avós, no entanto, continua sendo bastante útil, inclusive para esta ocasião. Em outro post em que falei da criminalidade e dos problemas relacionados ao funcionamento do sistema prisional, deixei muito claro que coerção gera coerção. Coerção é uso ou ameaça de uso de punição. Punição não extingue o comportamento punido, e sobretudo, gera efeitos colaterais bastante nocivos: agressão, culpa, baixa autoestima, ansiedade etc.

A violência nas escolas possivelmente é resultado de uma sociedade que perpetua o controle coercitivo e de uma sociedade que submete uma parcela significativa da população a muitas privações. Privações em todos os sentidos. Privações que podem ser medidas em termos materiais, mas também privações que não podem ser expressas numericamente, pois dizem respeito às frustrações de não se conseguir alcançar o tão sonhado ideal da ascensão social, ideal que como regras de conduta (descrições de contingências) controlam boa parte dos comportamentos de nossos repertórios. A questão é que as contingências descritas nestas regras não se concretizam para muitos. Aí vem toda sorte de frustrações que podem se transformarem em fontes produtoras de agressão.

A presença da polícia na escola são estímulos discriminativos que sinalizam a possibilidade de coerção. O que faz a polícia? A função da força militar é reprimir o que perturba a ordem social. O que mais além disso a polícia pode fazer na escola? Sua presença certamente inibirá as práticas de violência, pois sendo um estímulo aversivo, a população escolar vai se engajar em comportamentos de esquiva, comportamentos que evitem punições. Mas isso não coloca um fim na violência. É muita ingenuidade achar que a violência no contexto escolar vai deixar de ocorrer por causa da presença de policiais. É uma questão empírica. Todo estímulo aversivo condicionado pode perder sua função quando deixar de ser associado ocasionalmente a punições. Quando associado novamente a punições ele readquire sua função. 



A princípio a presença de policiais pode inibir as práticas de violência. Elas deixarão de ocorrer por um tempo. Com isso o policial deixará de atuar repressivamente. Deixando de atuar repressivamente sua função de estímulo aversivo condicionado pode sofrer extinção. Sofrendo extinção cria-se a possibilidade para o ressurgimento das práticas de violência. Ressurgindo as práticas de violência o policial terá que agir. Agindo sua conduta é novamente associada a punições, reassumindo sua função de estímulo aversivo condicionado.

Logicamente que os policiais receberão um treinamento para agirem no contexto escolar. Mas, ainda, assim, fardas e armas são estímulos que continuarão sinalizando possibilidade de coerção, e a mídia se encarrega de fazer esta associação todos os dias. Trata-se de uma experimentação social. Não precisamos ser completamente pessimistas. No entanto, não podemos deixar de questionar que o problema da violência no contexto escolar deva ser tratado apenas com práticas coercitivas, ou seja, deva ser tratado somente no âmbito das políticas de segurança pública.

Talvez seja a hora de se pensar seriamente a inserção de profissionais como Psicólogos(as) e Assistentes Sociais nas escolas, pois a violência que se manifesta neste contexto é produto de questões que transcendem os muros da comunidade escolar. Trata-se de um problema a ser tratado no âmbito das políticas de saúde e assistência social. Reprimi-lo com a presença ostensiva de um aparato militar é apenas camuflar uma situação que tem dimensões muito maiores. 



Se a inserção da força militar no contexto escolar tiver a função de gerar as condições necessárias para que outros trabalhos sejam feitos, pode-se dizer que ela é válida. É como no caso das UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora). Estas desenvolvem um trabalho que permite que o Estado adentre certas comunidades oferecendo aquilo que é de sua obrigação: saúde, saneamento básico, educação etc. Se a inserção de policiais no contexto escolar seguir uma lógica semelhante aquela seguida pelas UPP’s, podemos esperar algum resultado desta intervenção, ou seja, se ela objetivar gerar as condições para que o Estado ofereça outros serviços que tornem melhor o espaço educacional, podemos acreditar que esta intervenção possa produzir algum resultado positivo. Mas se este não for o objetivo, corremos o risco de estarmos apenas reproduzindo a velha lógica da coerção. Estaremos, assim, desperdiçando uma boa oportunidade de conduzir um bom experimento social.



-->
Leia mais...

sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Modernidade e o Circo dos Horrores

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Não restam dúvidas que a humanidade caminha a passos largos. Nunca se viu tantas tecnologias surgirem tão rapidamente e em tão pouco tempo. Até bem pouco tempo não existia internet. Há algumas décadas poucos eram os que tinham um aparelho de televisão em casa. Se viajarmos um pouco mais no tempo chegaremos num momento em que o “Repórter Esso” era um dos poucos meios de divulgação de notícias, e muitos ficavam grudadinhos em seus rádios para saber o que se passava no mundo. Agora quase todos têm computador com acesso à internet.

Vivemos num mundo das pessoas conectadas. Existe uma teia de relações espalhadas pelos ares através das ondas de transmissão de informação. Existem neste momento inúmeros relacionamentos sendo construídos via bytes que trafegam pelos cabos de fibra ótica ou de telefonia convencional. Teias de relacionamentos se formam como teias de aranha em uma caverna escura e abandonada, ambiente perfeito para proliferação de aracnídeos.

É o mundo midiático, em que tudo vira notícia. Caiu, escorregou e se machucou, vira vídeo e vai para o youtube, ou vira foto e é compartilhado por famigerados usuários do facebook em busca de uma sensação momentânea de satisfação originada pela desgraça do outro. É o mundo dos 15 minutos de fama em que pessoas buscam aparecer na mídia de qualquer forma em troca de dinheiro, em busca da tão prometida ascensão social veiculada nos outdoors e capas de revistas. Alguns poucos até conseguem seus poucos minutos de fama, mas logo são esquecidos, pois o turbilhão de informações que circulam nas teias da web faz o novo rapidamente ficar velho. É o mundo do passageiro: o novo é logo velho, tudo é descartável numa velocidade impressionante.



Com isso a lógica da web vai se impregnando em nossas relações. Pessoas são descartadas, relacionamentos são efêmeros e rapidamente substituídos por outros. É o mundo do fast food, da comida rápida, do sexo virtual. E neste mundo o que importa é o prazer. É o mundo que permite acesso fácil a inúmeras fontes de reforçamento positivo sem muito esforço. Este mesmo acesso facilitado treina pessoas pouco resistentes à frustração. Já parou para perceber qual é sua reação quando sua conexão de internet cai? Provavelmente você vai da ira à melancolia em instantes.

O mundo moderno é um circo dos horrores. Quando as pessoas são “treinadas” para terem acesso fácil a reforços positivos, ao ficarem sem eles entram em colapso, se debatem em um quadro quase caótico. É um mundo que nos condiciona a sermos felizes a custa da desgraça dos outros. Isso banaliza a cultura da punição. O legal é se divertir punindo os outros. O que dá IBOPE é mandar alguém para o paredão, só para fazer alusão a um certo programa de televisão em que a desgraça do outro gera muita audiência. O que dá IBOPE é tramar estratégias para fazer com que o outro seja colocado no paredão. É a perpetuação sem fim da cultura do controle aversivo, da cultura em que punir o outro é algo banal, algo normal. Normal? Se isso for normal quero gritar com Raul Seixas: “Pare o mundo que eu quero descer!”



No mundo moderno o que faz feliz as pessoas é ver uma panicat trocando suas madeixas por um pouco de grana e fama. É o circo dos horrores! É a banalização do esforço desmedido para se tornar famoso doa a quem doer. Neste esforço tudo se faz para se conseguir um lugar ao sol, vale até puxar o tapete do outro, vale até colocá-lo no paredão, e por que não fuzilá-lo? Vale vender suas madeixas, e por que não vender todo o resto, já que a sexualidade no mundo moderno é mercadoria altamente vendável? É o mundo do fast food sexual, em que as pessoas estão trocando relações reais por relações sexuais virtuais. Perde-se a referência do contato com o outro e com isso fontes importantes de reforçamento que poderiam contribuir para a modelagem de habilidades sociais. 



É o mundo do Reality Show, em que a vida privada virou comércio. Com isso perpetua-se a lógica de que não existe intimidade, de que tudo se pode fazer para invadir a privacidade alheia. É o mundo dos paparazzis, das revistas de fofoca, dos programas de Sônia Abrão, Casos de Família etc. Leva-se famílias para um palco de um programa de televisão para discutirem os seus problemas íntimos. Isso é fonte de diversão para muitos. Com isso perpetua-se a lógica da invasão da privacidade, da intimidade escancarada. Estamos a um passo de uma cultura em que não haverá limites claros entre a vida íntima e a vida pública, e esta confusão nos colocará muito próximos da completa ausência de parâmetros éticos, pois se tudo pode em nome do ibope, inclusive invadir a intimidade, o que será então proibido?




São as contingências do comportamento de consumir desenfreadamente, de consumir sexo virtual, consumir a intimidade escancarada nos reality shows, de consumir a cerveja gelada associada à imagem da mulher seminua, de consumir a novela que nos ensina que se vingar e punir é coisa normal. Onde vamos parar? Que mundo estamos construindo? Um mundo regido por contingências de controle aversivo e por contingências que expõem a vida íntima, pois expor a vida íntima é altamente reforçador. Um mundo que oferece acesso fácil a inúmeras fontes de reforçamento positivo, reforçamento consequenciado a muitos comportamentos que produzem prejuízos individuais e coletivos. 

Reforçamento positivo também pode gerar problemas, e isso não é novidade, pois o leitor que tem acompanhado o blog já viu esta questão trabalhada em outros posts. Estamos construindo um mundo de pessoas que são treinadas para serem frustradas, pois se acostumam tanto ao prazer fácil que quando ficam sem ele entram em colapso emocional. Estamos treinando pessoas que não sabem se esforçarem para obterem seus objetivos, pois desde tenra infância são acostumadas aos prazeres fáceis. Mundo dos circos dos horrores! Mundo das futilidades. Fica a pergunta: que futuro estamos construindo para a humanidade?

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.


-->
Leia mais...

terça-feira, 17 de abril de 2012

Prisões e punições: algumas reflexões preliminares

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

As prisões são tão antigas quanto a humanidade. Suas funções foram sofrendo modificações ao longo da história, mas algo nelas tem se preservado a despeito de toda mudança: são instituições criadas com o fim de engendrarem punições, ou seja, para prender e punir os infratores recolhidos em seus interiores.  A suposição que mantém a lógica do encarceramento é de que a punição pode servir à correção, de que a punição pode gerar mudanças comportamentais de modo a extirpar o comportamento punido. Será?


A Análise Experimental do Comportamento tem apontado em outra direção. Punição não extingue o comportamento punido. Punição suprime temporariamente o comportamento punido. Suprime porque os estímulos punitivos, tecnicamente chamados de aversivos, geram comportamentos incompatíveis com o comportamento punido. A criança que apanha por ter quebrado o arranjo de flores da mãe, deixa de se engajar em comportamentos de mexer no que não pode, porque a punição suscitou comportamentos emocionais incompatíveis com o comportamento punido, e o chorar é um exemplo deste tipo de comportamento emocional. Enquanto chora ela deixa de mexer no arranjo, mas pode ser ameaçada de nova punição por chorar, então, qualquer comportamento que termine a ameaça pode ser reforçado.

Disto se conclui duas coisas: a punição gera disposições emocionais geralmente incompatíveis com o comportamento punido e estabelece a ocasião para a ocorrência de comportamentos que terminem a punição. Estes comportamentos que terminam a punição são fortalecidos pela remoção dos estímulos aversivos, o que significa que o que está em vigor é uma operação de reforçamento negativo. Mas, terminada a punição o comportamento punido pode voltar a ocorrer. Sendo assim, a supressão do comportamento punido é apenas temporária, ou seja, ele desaparece enquanto perdurarem os efeitos da punição. Uma vez terminada a punição o comportamento geralmente volta a ocorrer com a mesma força.

Isso acontece porque este comportamento mesmo tendo sido punido produz algum reforçamento positivo. A criança que mexe nas coisas dos pais obtém algum reforçamento com isso, seja pela estimulação sensorial de manipular objetos diferentes, ou seja pela atenção dispensada pelos adultos. Imaginem pais relapsos que quase não dão atenção aos filhos. Chegam muito cansados do trabalho e sentam na frente da televisão ou do computador para acessar o facebook. Com isso não dão nenhuma atenção para os filhos e só fazem isso quando estes mexem em alguma coisa. O filho “descobre” que consegue fazer os pais saírem da frente da TV ou do PC mexendo em algo. Então todo comportamento punido foi anteriormente reforçado de alguma maneira. Para fazê-lo desaparecer é mais efetivo colocá-lo em extinção do que puni-lo, pois além da punição não fazer o comportamento desaparecer, ela gera produtos emocionais bastante nocivos, e tudo que se associar à punição passa adquirir a mesma função, ou seja, a função de gerar subprodutos emocionais nefastos.


A criança quando vê o chinelo na mão da mãe já chora por antecipação. O chinelo e certas feições da mãe, como também seu timbre de voz acabam se associando às punições, e por isso geram a disposição de chorar na criança antes mesmo de ser punida. Provavelmente a criança sentirá alguma ansiedade entre o intervalo do anúncio da punição até o momento que ela se efetive de fato, ou seja, sofrerá por antecipação. Não é que ela sofra de fato por antecipação, mas os estímulos do contexto associados às punições, estímulos como o chinelo, o cinto, certas feições, o timbre de voz entre outros, evocam respostas emocionais provocadas pela punição no passado. Punição gera estímulos punitivos (aversivos), ou seja, o uso de punição contribui para construir ambientes aversivos, ambientes hostis.

São diversos os produtos emocionais nocivos gerados pelas punições: ansiedade, depressão, baixa autoestima, medo, culpa, agressão etc. Chama a atenção este último. Punição gera agressão. Em outras palavras coerção gera coerção. Isso porque o organismo punido se engajará em comportamento que termine a punição. Este pode agredir para terminar a punição. A agressão é um comportamento de contracontrole que tenta colocar fim às fontes de estimulação aversiva. Talvez seja um dos produtos mais nefastos da utilização da punição. Mais cedo ou mais tarde todo sistema punitivo acaba gerando algum contracontrole, algum comportamento de ataque ao próprio sistema punitivo, cujo objetivo é colocar fim ao seu funcionamento.

As prisões são o exemplo perfeito de como sistemas punitivos geram contracontrole. Talvez o leitor se lembre da chacina do Carandirú em 1992, chacina que terminou com a morte de 111 detentos. Tudo começou com uma rebelião que foi detida com uma operação policial desastrosa. Presos protestavam por causa da superlotação e das condições precárias geradas por essa superlotação. O protesto dos presos são comportamentos de contracontrole. Assumir o controle do presídio é uma forma de se rebelar contra as fontes de punição. Mas o Estado com toda sua “inteligência policial” ou com todo o seu aparato policial repressor, tentou colocar fim a comportamentos de contracontrole e/ou a comportamentos de rebelião ocasionados pelas punições engendradas pelo sistema penitenciário com mais punição. O resultado não poderia ter sido outro: uma grande chacina. Resolver situações geradas por punição com mais punição geralmente se tem como resultado um quadro bastante “caótico”.


A questão que se coloca é que o objetivo que sustenta (motiva) a construção das prisões jamais será atingido: colocar um fim no comportamento delituoso através da punição. Está provado que punição não extingue o comportamento punido, somente o suprime temporiamente, mas ao mesmo tempo gera resultados que podem ser desastrosos tanto para os indivíduos separadamente, quanto para toda a sociedade. Utilizamos a punição porque ela aparentemente parece funcionar. Seus efeitos são imediatos. Assim que usada o comportamento punido parece declinar. Mas as aparências enganam. Comportamento punido declina temporariamente por causa dos efeitos de supressão da punição. Uma vez cessada a punição o comportamento volta a ocorrer.


Mas a análise precisa ir mais longe. Vivemos num mundo das coisas fáceis, ou que aparentemente são fáceis. A mídia promete ascensão social imediata, desde que se trabalhe, desde que se lute com unhas e dentes etc. No entanto, não há trabalho para todos, e nem nunca haverá, pois num sistema capitalista o exército de reserva (a massa de excluídos do mercado de trabalho) constitui-se enquanto estratégia utilizada pelo capitalista para exercer pressão sobre o trabalhador. Ele diz: “não quer trabalhar, há quem queira”. Não encontrando ascensão muitos tentam adquirir o prometido pela mídia através de delitos: furtos, roubos, tráfico etc. Não se trata de uma generalização em que os motivos dos crimes se reduzam a tentativa de obtenção de ascensão social ou de construção de meios de sobrevivência. Mas tal hipótese não pode ser descartada dada sua importância. Trata-se aqui de uma tentativa de pensar o crime a partir dos contextos sociais em que ocorre, algo que não é estranho ao Behaviorismo Radical, pois de acordo com esta perspectiva todo comportamento é determinado pelo ambiente, inclusive e principalmente pelos ambientes sociais.

Talvez a diminuição da criminalidade passe pela construção de uma sociedade que pense em sua própria sobrevivência e que pense também no bem-estar de seus membros, sobretudo, no bem-estar social de seus membros, pois é bem verdade que vivemos numa sociedade de mal-estar social, numa sociedade que constrói presídios e equipa as polícias com aparatos tecnológicos para lidar com os produtos que ela mesmo gera, e um destes produtos é a criminalidade. Mas punir a criminalidade fará com que ela desapareça ou mesmo reduza significativamente? Fica a pergunta.

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.

-->

Leia mais...