Mostrando postagens com marcador Criminalidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Criminalidade. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Polícia na Escola: experimentação social ou utilização da velha lógica da coerção?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Pouco mais de um ano depois da tragédia na escola municipal Tasso da Silveira , em Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro, as autoridades do estado do Rio através de uma parceria entre as secretarias de educação e segurança, resolveram criar o que chamaram de Programa Estadual de Integração de Segurança (Proeis). O programa consiste em colocar Policiais fardados e armados em 90 escolas estaduais.



Estes policiais trabalharão em seus horários de folga. É a oficialização do bico. A justificativa é que muitos policiais já exerciam este trabalho, mas o faziam como bico sem nenhum respaldo do Estado. 423 policiais serão beneficiados com esta medida, pois receberão para fazer um bico nas escolas, e farão isso com farda e tudo que tem direito, inclusive armas. Armas são aqueles aparatos utilizados para inutilizar a vida alheia. Ok, ok, ok, eu sei que as armas são as ferramentas de trabalho dos policiais e isso não é o que está em jogo na análise que proponho.

Oficializar o bico é admitir que no mínimo os policiais são mal remunerados para exercerem suas funções, e diga-se de passagem que são funções que colocam em risco suas vidas. Ninguém está dizendo que o papel da força militar não é importante para o funcionamento da sociedade. Isso não está sendo cogitado. O que se pretende indagar com este breve texto é se o problema da violência nas escolas é apenas um problema que precisa ser tratado no âmbito das políticas de segurança pública.

É a velha tática de tapar o sol com a peneira. Esse ditado é mais velho que meus falecidos avós, no entanto, continua sendo bastante útil, inclusive para esta ocasião. Em outro post em que falei da criminalidade e dos problemas relacionados ao funcionamento do sistema prisional, deixei muito claro que coerção gera coerção. Coerção é uso ou ameaça de uso de punição. Punição não extingue o comportamento punido, e sobretudo, gera efeitos colaterais bastante nocivos: agressão, culpa, baixa autoestima, ansiedade etc.

A violência nas escolas possivelmente é resultado de uma sociedade que perpetua o controle coercitivo e de uma sociedade que submete uma parcela significativa da população a muitas privações. Privações em todos os sentidos. Privações que podem ser medidas em termos materiais, mas também privações que não podem ser expressas numericamente, pois dizem respeito às frustrações de não se conseguir alcançar o tão sonhado ideal da ascensão social, ideal que como regras de conduta (descrições de contingências) controlam boa parte dos comportamentos de nossos repertórios. A questão é que as contingências descritas nestas regras não se concretizam para muitos. Aí vem toda sorte de frustrações que podem se transformarem em fontes produtoras de agressão.

A presença da polícia na escola são estímulos discriminativos que sinalizam a possibilidade de coerção. O que faz a polícia? A função da força militar é reprimir o que perturba a ordem social. O que mais além disso a polícia pode fazer na escola? Sua presença certamente inibirá as práticas de violência, pois sendo um estímulo aversivo, a população escolar vai se engajar em comportamentos de esquiva, comportamentos que evitem punições. Mas isso não coloca um fim na violência. É muita ingenuidade achar que a violência no contexto escolar vai deixar de ocorrer por causa da presença de policiais. É uma questão empírica. Todo estímulo aversivo condicionado pode perder sua função quando deixar de ser associado ocasionalmente a punições. Quando associado novamente a punições ele readquire sua função. 



A princípio a presença de policiais pode inibir as práticas de violência. Elas deixarão de ocorrer por um tempo. Com isso o policial deixará de atuar repressivamente. Deixando de atuar repressivamente sua função de estímulo aversivo condicionado pode sofrer extinção. Sofrendo extinção cria-se a possibilidade para o ressurgimento das práticas de violência. Ressurgindo as práticas de violência o policial terá que agir. Agindo sua conduta é novamente associada a punições, reassumindo sua função de estímulo aversivo condicionado.

Logicamente que os policiais receberão um treinamento para agirem no contexto escolar. Mas, ainda, assim, fardas e armas são estímulos que continuarão sinalizando possibilidade de coerção, e a mídia se encarrega de fazer esta associação todos os dias. Trata-se de uma experimentação social. Não precisamos ser completamente pessimistas. No entanto, não podemos deixar de questionar que o problema da violência no contexto escolar deva ser tratado apenas com práticas coercitivas, ou seja, deva ser tratado somente no âmbito das políticas de segurança pública.

Talvez seja a hora de se pensar seriamente a inserção de profissionais como Psicólogos(as) e Assistentes Sociais nas escolas, pois a violência que se manifesta neste contexto é produto de questões que transcendem os muros da comunidade escolar. Trata-se de um problema a ser tratado no âmbito das políticas de saúde e assistência social. Reprimi-lo com a presença ostensiva de um aparato militar é apenas camuflar uma situação que tem dimensões muito maiores. 



Se a inserção da força militar no contexto escolar tiver a função de gerar as condições necessárias para que outros trabalhos sejam feitos, pode-se dizer que ela é válida. É como no caso das UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora). Estas desenvolvem um trabalho que permite que o Estado adentre certas comunidades oferecendo aquilo que é de sua obrigação: saúde, saneamento básico, educação etc. Se a inserção de policiais no contexto escolar seguir uma lógica semelhante aquela seguida pelas UPP’s, podemos esperar algum resultado desta intervenção, ou seja, se ela objetivar gerar as condições para que o Estado ofereça outros serviços que tornem melhor o espaço educacional, podemos acreditar que esta intervenção possa produzir algum resultado positivo. Mas se este não for o objetivo, corremos o risco de estarmos apenas reproduzindo a velha lógica da coerção. Estaremos, assim, desperdiçando uma boa oportunidade de conduzir um bom experimento social.



-->
Leia mais...

terça-feira, 17 de abril de 2012

Prisões e punições: algumas reflexões preliminares

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

As prisões são tão antigas quanto a humanidade. Suas funções foram sofrendo modificações ao longo da história, mas algo nelas tem se preservado a despeito de toda mudança: são instituições criadas com o fim de engendrarem punições, ou seja, para prender e punir os infratores recolhidos em seus interiores.  A suposição que mantém a lógica do encarceramento é de que a punição pode servir à correção, de que a punição pode gerar mudanças comportamentais de modo a extirpar o comportamento punido. Será?


A Análise Experimental do Comportamento tem apontado em outra direção. Punição não extingue o comportamento punido. Punição suprime temporariamente o comportamento punido. Suprime porque os estímulos punitivos, tecnicamente chamados de aversivos, geram comportamentos incompatíveis com o comportamento punido. A criança que apanha por ter quebrado o arranjo de flores da mãe, deixa de se engajar em comportamentos de mexer no que não pode, porque a punição suscitou comportamentos emocionais incompatíveis com o comportamento punido, e o chorar é um exemplo deste tipo de comportamento emocional. Enquanto chora ela deixa de mexer no arranjo, mas pode ser ameaçada de nova punição por chorar, então, qualquer comportamento que termine a ameaça pode ser reforçado.

Disto se conclui duas coisas: a punição gera disposições emocionais geralmente incompatíveis com o comportamento punido e estabelece a ocasião para a ocorrência de comportamentos que terminem a punição. Estes comportamentos que terminam a punição são fortalecidos pela remoção dos estímulos aversivos, o que significa que o que está em vigor é uma operação de reforçamento negativo. Mas, terminada a punição o comportamento punido pode voltar a ocorrer. Sendo assim, a supressão do comportamento punido é apenas temporária, ou seja, ele desaparece enquanto perdurarem os efeitos da punição. Uma vez terminada a punição o comportamento geralmente volta a ocorrer com a mesma força.

Isso acontece porque este comportamento mesmo tendo sido punido produz algum reforçamento positivo. A criança que mexe nas coisas dos pais obtém algum reforçamento com isso, seja pela estimulação sensorial de manipular objetos diferentes, ou seja pela atenção dispensada pelos adultos. Imaginem pais relapsos que quase não dão atenção aos filhos. Chegam muito cansados do trabalho e sentam na frente da televisão ou do computador para acessar o facebook. Com isso não dão nenhuma atenção para os filhos e só fazem isso quando estes mexem em alguma coisa. O filho “descobre” que consegue fazer os pais saírem da frente da TV ou do PC mexendo em algo. Então todo comportamento punido foi anteriormente reforçado de alguma maneira. Para fazê-lo desaparecer é mais efetivo colocá-lo em extinção do que puni-lo, pois além da punição não fazer o comportamento desaparecer, ela gera produtos emocionais bastante nocivos, e tudo que se associar à punição passa adquirir a mesma função, ou seja, a função de gerar subprodutos emocionais nefastos.


A criança quando vê o chinelo na mão da mãe já chora por antecipação. O chinelo e certas feições da mãe, como também seu timbre de voz acabam se associando às punições, e por isso geram a disposição de chorar na criança antes mesmo de ser punida. Provavelmente a criança sentirá alguma ansiedade entre o intervalo do anúncio da punição até o momento que ela se efetive de fato, ou seja, sofrerá por antecipação. Não é que ela sofra de fato por antecipação, mas os estímulos do contexto associados às punições, estímulos como o chinelo, o cinto, certas feições, o timbre de voz entre outros, evocam respostas emocionais provocadas pela punição no passado. Punição gera estímulos punitivos (aversivos), ou seja, o uso de punição contribui para construir ambientes aversivos, ambientes hostis.

São diversos os produtos emocionais nocivos gerados pelas punições: ansiedade, depressão, baixa autoestima, medo, culpa, agressão etc. Chama a atenção este último. Punição gera agressão. Em outras palavras coerção gera coerção. Isso porque o organismo punido se engajará em comportamento que termine a punição. Este pode agredir para terminar a punição. A agressão é um comportamento de contracontrole que tenta colocar fim às fontes de estimulação aversiva. Talvez seja um dos produtos mais nefastos da utilização da punição. Mais cedo ou mais tarde todo sistema punitivo acaba gerando algum contracontrole, algum comportamento de ataque ao próprio sistema punitivo, cujo objetivo é colocar fim ao seu funcionamento.

As prisões são o exemplo perfeito de como sistemas punitivos geram contracontrole. Talvez o leitor se lembre da chacina do Carandirú em 1992, chacina que terminou com a morte de 111 detentos. Tudo começou com uma rebelião que foi detida com uma operação policial desastrosa. Presos protestavam por causa da superlotação e das condições precárias geradas por essa superlotação. O protesto dos presos são comportamentos de contracontrole. Assumir o controle do presídio é uma forma de se rebelar contra as fontes de punição. Mas o Estado com toda sua “inteligência policial” ou com todo o seu aparato policial repressor, tentou colocar fim a comportamentos de contracontrole e/ou a comportamentos de rebelião ocasionados pelas punições engendradas pelo sistema penitenciário com mais punição. O resultado não poderia ter sido outro: uma grande chacina. Resolver situações geradas por punição com mais punição geralmente se tem como resultado um quadro bastante “caótico”.


A questão que se coloca é que o objetivo que sustenta (motiva) a construção das prisões jamais será atingido: colocar um fim no comportamento delituoso através da punição. Está provado que punição não extingue o comportamento punido, somente o suprime temporiamente, mas ao mesmo tempo gera resultados que podem ser desastrosos tanto para os indivíduos separadamente, quanto para toda a sociedade. Utilizamos a punição porque ela aparentemente parece funcionar. Seus efeitos são imediatos. Assim que usada o comportamento punido parece declinar. Mas as aparências enganam. Comportamento punido declina temporariamente por causa dos efeitos de supressão da punição. Uma vez cessada a punição o comportamento volta a ocorrer.


Mas a análise precisa ir mais longe. Vivemos num mundo das coisas fáceis, ou que aparentemente são fáceis. A mídia promete ascensão social imediata, desde que se trabalhe, desde que se lute com unhas e dentes etc. No entanto, não há trabalho para todos, e nem nunca haverá, pois num sistema capitalista o exército de reserva (a massa de excluídos do mercado de trabalho) constitui-se enquanto estratégia utilizada pelo capitalista para exercer pressão sobre o trabalhador. Ele diz: “não quer trabalhar, há quem queira”. Não encontrando ascensão muitos tentam adquirir o prometido pela mídia através de delitos: furtos, roubos, tráfico etc. Não se trata de uma generalização em que os motivos dos crimes se reduzam a tentativa de obtenção de ascensão social ou de construção de meios de sobrevivência. Mas tal hipótese não pode ser descartada dada sua importância. Trata-se aqui de uma tentativa de pensar o crime a partir dos contextos sociais em que ocorre, algo que não é estranho ao Behaviorismo Radical, pois de acordo com esta perspectiva todo comportamento é determinado pelo ambiente, inclusive e principalmente pelos ambientes sociais.

Talvez a diminuição da criminalidade passe pela construção de uma sociedade que pense em sua própria sobrevivência e que pense também no bem-estar de seus membros, sobretudo, no bem-estar social de seus membros, pois é bem verdade que vivemos numa sociedade de mal-estar social, numa sociedade que constrói presídios e equipa as polícias com aparatos tecnológicos para lidar com os produtos que ela mesmo gera, e um destes produtos é a criminalidade. Mas punir a criminalidade fará com que ela desapareça ou mesmo reduza significativamente? Fica a pergunta.

Outros artigos semelhantes a este? Abaixo você encontra outras indicações de leituras do Café com Ciência, não deixe de conferir.

-->

Leia mais...