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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Reflexões Sobre o Tempo e o Controle de Estímulos

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Não quero entrar nos detalhes epistemológicos envolvidos na definição da categoria "tempo". Deixo esta tarefa para os filósofos da ciência. Minha pretensão é mais modesta. Concordando com Caetano Veloso, eternizado na doce voz de Maria Gadu, aceito poeticamente que o tempo é o "tambor de todos os ritmos". Isso quer dizer que eu aceito que todos aqueles aspectos relacionados ao tempo exercem sobre o comportamento de descrevê-lo ou quantificá-lo um controle discriminativo, e que esse controle vai se alterando na medida em que nossos repertórios comportamentais vão sendo modificados pela ação imperiosa das contingências de reforçamento, ou para ser mais poético, que nossas experiências vão se alargando a partir de nossas vivências concretas ditadas pelos ritmos dos tambores do tempo.

Disso resulta uma conclusão imediata: a forma de "percebermos" a passagem do tempo modifica-se na medida em que mudamos a nossa forma de relacionarmos com o mundo. Basta uma pequena observação para constatar tal façanha, que não é obra do tempo e nem do acaso, e sim das contingências de reforçamento. Pare e pense: como é para mim a passagem do tempo? Depois de responder a essa questão, tente responder a uma outra: eu tenho a impressão de que o tempo tem passado cada vez mais rápido? Uma última: as coisas sempre foram assim, ou seja, sempre tive essa impressão de que o tempo é um senhor severo que passa tão rápido sem que eu tenha algum controle sobre ele?

As coisas nem sempre foram assim... Na medida em que envelhecemos, e eis aí a ação imperiosa do tempo e das contingências filogenéticas, nosso comportamento de contar a passagem do tempo produz a impressão de que ele passa tão rápido que não é possível frear a sua ação sobre nossos corpos. Surgem as rugas, mas com elas a experiência. Mas, também com elas é alterado o controle discriminativo do comportamento de contar a passagem do tempo. O controle discriminativo é alterado porque mudam as referências que servem como parâmetros para se fazer a contagem do tempo.

Retrocedamos um pouco na infância para entender como é modelado o comportamento de fazer a contagem do tempo. Para as crianças o brincar e os brinquedos são os reforços mais importantes, e toda contagem de tempo se faz quase que exclusivamente em função destes reforços. Quanto éramos crianças ficávamos a espera da hora de brincar e dos momentos em que recebíamos os nossos reforços mais importantes: os brinquedos. Geralmente isso acontecia em três oportunidades: aniversários, dia das crianças e natal.

O tempo parecia demorar a passar, pois os marcadores de tempo eram eventos que ocorriam anualmente. Talvez vocês estejam questionando que minha análise seja um tanto etnocêntrica, que ela não se aplicaria a crianças oriundas de classes menos favorecidas e que não tiveram a oportunidade de fazer uma contagem de tempo baseada no recebimento dos reforços brinquedos. Vocês estão certo! Estas crianças certamente tem uma parâmetro de contagem de tempo completamente distinto. Muito cedo começam a vender balas nos faróis das grandes cidades, e precisam aprender a contar o tempo de forma mais acurada, pois ele pode ser um aliado ou um inimigo na obtenção da sobrevivência. Para elas o sol não pode se esconder no poente sem que tenham produzido o necessário para a própria sobrevivência e para a sobrevivência da família. Acredito até que este é um excelente objeto de estudos: a contagem do tempo em crianças submetidas à lógica perversa do capital...

Depois de um tempo, mais precisamente quando entramos no universo escolar, mudam-se os parâmetros da contagem de tempo. A criança aprende que todos os dias num determinado horário ela deve tomar banho, fazer a refeição e se aprontar para ir para a escola. Ela aprende que alguns dias da semana ela vai para a escola e que em outros ela fica em casa com os pais. Começa, então, a aprender a diferença entre dia e noite, que o nascer do sol significa um novo dia que se inicia, e que o cair da noite sinaliza discriminativamente o fim de mais uma jornada diária. Começa a se estabelecer o controle discriminativo para a contagem do tempo em termos de dias e semanas. Levará algum tempo para aprender a fazer a contagem do tempo em termos de horas, dias, semanas e meses.

No entanto, haverá uma ocasião em que a criança será submetida ao controle do relógio, ou seja, ela aprenderá que os ponteiros num determinado local é sinal de uma determinada hora do dia. Com isso ela aprende que o dia se divide em algumas partes: manhã, tarde e noite. Ela aprende que existe 8:00 da manhã e 8:00 da noite, que existe 5:00 da manhã e 5:00 da tarde. A partir, de então, o tempo começa a ser contado em termos de horas. Se antes ele era contado anualmente a espera da data do aniversário, agora passa a ser contado de hora em hora.

Com isso a criança aprende a discriminar que em determinadas horas do dia ela deve se entregar a algumas tarefas. Deve tomar banho para ir para a escola, deve sentar-se à mesa para fazer a refeição, deve realizar as tarefas escolares, deve cuidar de outros afazeres etc. Assim ela aprende que determinadas atividades devem ser feitas num determinado momento do dia. A partir daí ela conta o tempo em função destas atividades e a partir do posicionamento dos ponteiros do relógio. Ela aprende também que se as atividades forem realizadas no momento correto do dia, receberá por isso um reconhecimento, e se não forem, talvez seja punida de alguma forma. Dessa maneira, o tempo se torna um parâmetro para recebimento de reforços positivos ou para a esquiva de punições.

Mais tarde na vida adulta, esse controle discriminativo da contagem de tempo será essencial para a esquiva do controle coercitivo ou para o recebimento de benefícios. Outras variáveis envolverão a contagem do tempo na vida adulta. E ressaltamos aqui as variáveis econômicas. Dia do pagamento do boleto do cartão, da mensalidade do colégio dos filhos, do recebimento do salário etc. Hora de ir para o trabalho, hora de almoçar, hora de levar e buscar as crianças na escola, hora de sair do trabalho, hora de descansar etc. Há tantas atividades a serem feitas e uma boa contagem do tempo é essencial para o sucesso em todas elas, que passamos a viver em função destas atividades e do tempo correto para realização de cada uma delas. Assim, se faz necessária uma contagem acurada da passagem do tempo. Daí surge a impressão de que o tempo passa muito rápido!

Em outras palavras, quanto mais acurada é a contagem do tempo, maior será a impressão de que ele passa rápido. Se alguém não sabe contar o tempo, pouca probabilidade tem de perceber que ele está passando, a não ser pelo sinais inevitáveis do envelhecimento do corpo.Sendo assim, não há um controle natural do tempo sobre os nossos comportamentos. Contar o tempo é um comportamento que se aprende, e quanto melhor é a discriminação de contingências que envolvem essa contagem, mais o tempo se torna importante. Em alguns casos, talvez na maior parte deles, ele exerce um controle discriminativo sobre muitos de nossos comportamentos, em outros ele é um reforçador importante. Fato importante é que saber contar bem o tempo é essencial para relacionarmos com o mundo de forma mais efetiva, principalmente numa sociedade em que os atrasos são consequenciados com punição.

Para terminar, deixo vocês com Maria Gadu:



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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Lei da Atração e Comportamento Encoberto

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Dizem por aí que basta pensar positivo para que tudo ao nosso entorno se transforme. Será? A literatura de autoajuda chama esse fenômeno de "lei da atração". Funciona mais ou menos assim: o pensamento positivo agiria como um imã capaz de atrair a ocorrência de eventos positivos. Da mesma forma o pensamento negativo atrairia a ocorrência de eventos negativos. É como se os pensamentos tivessem propriedades magnéticas e por isso atraíssem a ocorrência de fenômenos com polaridades similares.

No entanto, esse paralelo com a física não pode ser levado muito longe. Primeiro porque os pensamentos não possuem propriedades magnéticas. Quando pensamos até ocorre no córtex mudanças neuroquímicas que produzem impulsos elétricos, e estes impulsos se fazem por meio do rearranjo de elétrons, o que acaba criando um pequeno campo magnético, mas nada suficiente para atrair qualquer objeto metálico, muito menos a ocorrência de eventos positivos ou negativos, se é que os termos positivo e negativo querem dizer alguma coisa. No máximo eles fazem referência ao tipo de controle que está operando sobre o comportamento, indicando se este está sendo submetido a controle aversivo ou reforçamento positivo. Se fosse assim, todos seríamos como o Magneto, inimigo número um do Professor Charles Xavier dos X-Men. Viveríamos, portanto, a atrair ou repelir metais.

O pensamento é comportamento. O pensamento é um evento privado. O Behaviorismo Radical não se furta a explicar os eventos privados. O pensamento é chamado de comportamento encoberto. O termo encoberto faz referência ao fato de que este comportamento ocorre num num nível que só pode ser acessado por quem se comporta. Pensamento não é causa de comportamento. Ele até pode ser um elo numa cadeia de comportamentos, produzindo estímulos discriminativos que aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos públicos. Eis aqui uma explicação plausível para a "Lei da Atração". Para entender o que são estímulos discriminativos e como eles agem, é aconselhável que o leitor leia o texto "Condicionamento operante: definição e aplicações". 

Quando alguém pensa positivamente, este comportamento encoberto pode alterar estímulos que aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos públicos. Uma pessoa que pensa que vai ganhar na loteria, até pode vir a ganhar na loteria, mas não porque pensou que ganharia e o pensamento se concretizou. Ao pensar que iria ganhar na loteria, tal comportamento encoberto gerou estímulos que aumentaram a probabilidade de ocorrência dos comportamentos de apostar. Os comportamentos de apostar acabam produzindo chances reais de se ganhar na loteria. Alguém pode pensar que vai se tornar um profissional excepcional. Este pensamento aumenta as chances da pessoa se comportar de modo a se tornar um profissional excepcional.

Vejam, então, que o que muda o mundo são comportamentos. É o que aprendemos com a definição de comportamento operante, um comportamento que opera no mundo modificando-o, e por sua vez também é modificado pelas alterações que produz. São ações que mudam o mundo ao nosso entorno. Mas, muitas vezes agimos sem que tenhamos consciência de que estamos agindo de determinada forma e quais são as variáveis relacionadas às maneiras como nos comportamos. Essa inconsciência a respeito do que se faz, do como se faz e do porque se faz, acaba gerando a impressão de que muitos eventos estão relacionados ao que pensamos. Mas não é o pensamento que altera o mundo. Ele pode até criar as condições para que certos comportamentos sejam emitidos. Todavia, são os comportamentos que alteram o mundo em que vivemos e por sua vez estas alterações acabam nos modificando sem que muitas vezes tenhamos a consciência de que as mudanças estão acontecendo.

Como qualquer outro comportamento, o pensamento também está sujeito às ações de suas consequências. Da mesma forma, ele também está sujeito às ações dos contextos em que ocorre. Pensamentos são comportamentos que foram aprendidos publicamente. Posso imaginar que estou dirigindo o meu carro. Consigo visualizar que estou segurando o volante, virando a chave, posicionando a marcha, alterando as posições dos pedais etc. Posso até sentir o carro se deslocando. Mas tudo isso é possível porque o comportamento de dirigir um veículo foi aprendido depois que fui exposto a contingências de reforço que tornaram possível a sua modelagem. No meu caso aprendi a dirigir um automóvel com o instrutor de uma auto-escola. Ele dizia o que eu devia fazer e eu seguia as suas instruções. Na medida em que o comportamento de seguir suas instruções eram consequenciados com reforçamento positivo, seja o reforçamento proporcionado pelo próprio instrutor, ou o reforçamento gerado pelo carro em movimento, criou-se as contingências para a modelagem do comportamento de dirigir.. A princípio meus comportamentos estiveram sob o controle de regras formuladas pelo comportamento verbal do instrutor, mas depois ficaram sob o controle das contingências arranjadas pela mecânica do carro.

Pensamento não é a mente em movimento! Pensamento é comportamento que precisa ser analisado à luz das contingências de reforço. São estas que serão reveladoras no sentindo de apontar porque um determinado comportamento está ocorrendo em nível encoberto e não em nível aberto. Alguém pode pensar na presença de uma outra pessoa: "que sujeito chato!". Se dissesse isso abertamente poderia estar sujeito a punições. O pensar permitiu a esquiva de contingências de controle aversivo. O pensar também pode proporcionar reforços positivos não encontrados na realidade, e neste caso ele seria chamado de fantasiar. Alguém pode imaginar-se rico, morando em uma mansão e andando de carro importado. Momentaneamente estes pensamentos proporcionarão reforçamento positivo. A questão é se o sujeito se torna refém do reforçamento gerado por meio de fantasias, o que o faz se distanciar da realidade. Neste caso só as contingências revelariam o motivo deste sujeito agir desta forma.

Portanto, a lei da atração é um bom exemplo de controle de estímulos. Comportamentos encobertos podem gerar estímulos que alteram a ocorrência de comportamentos públicos, e por sua vez os comportamentos públicos tornam mais provável a concretização daquilo que foi imaginado em pensamento. Não há nenhuma magia nisso. Mas é bom que se saiba, o que muda o mundo são as ações! Você até pode pensar positivo, mas tente agir de modo a aumentar as chances de ocorrer aquilo que tanto almeja.



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terça-feira, 16 de abril de 2013

Textos, Contextos, Pretextos e Protestos


“Um texto fora do contexto vira pretexto para protestar.” Este ditado popular nos informa algo muito importante sobre a comunicação, um fenômeno tipicamente humano, pois só os homens possuem comportamento verbal, e com ele podem descrever as contingências que modelam os seus comportamentos e os comportamentos das pessoas com quem se relacionam. A questão é que nem sempre as descrições que são feitas das contingências são de fato fiéis a elas e isso leva a erros de percepção, ou melhor dizendo, levam a erros comportamentais, pois as pessoas podem agir com base em suas descrições e desconsiderarem as contingências de reforço.

O ditado também informa que o contexto de um texto ajuda a dar sentido à narrativa. Opa, narrativa é comportamento humano. Comportamentos humanos, verbais ou não, ocorrem em contextos, e estes contextos estabelecem com os comportamentos relações de causalidade, aumentando ou diminuindo suas probabilidades de ocorrência. Este tipo de relação de causalidade é conhecido como controle de estímulos. Isso significa que o comportamento, pelo menos no caso do comportamento operante, é causado pelas consequências que produz e pelos contextos em que ocorre. Esta teorização é a materialização da famosa contingência de reforço, conceito que indica que consequências e contextos exercem controle sobre o comportar-se.

Textos e contextos, outra forma de dizer: comportamento e controle de estímulos. Outra forma de dizer que entenderemos mais claramente um comportamento quando olharmos para os contextos em que ocorrem. Se a narrativa sobre um comportamento  descontextualiza-o do contexto em que ocorre, somos privados de informações importantes sobre as variáveis relacionadas à sua emissão, o que leva a enganos de percepção, pois podemos acreditar que alguém agiu de determinada forma quando na verdade os motivos são outros completamente diferentes.

Imagine que você convide uma pessoa para ir ao museu. Vocês passeiam pelas galerias durante horas sem que a pessoa emita nenhuma palavra. Você certamente acha estranho e pode pensar: “que pessoa antipática, não deu nenhuma opinião sobre nenhuma das obras que estavam em exposição”. Este é um julgamento, uma tentativa de explicar o comportamento de não emitir nenhuma palavra a respeito das obras expostas no museu. O problema deste julgamento é que ele não considera as contingências de reforço responsáveis pelo comportamento do convidado de passeio. Esta pessoa conhece alguma coisa sobre obras de arte? Imagine que você é um crítico de obras de arte e esta pessoa não saiba nada a respeito. Ela pode se sentir constrangida e evitar qualquer comentário por temer as críticas que podem ser feitas. Trata-se de um comportamento de esquiva que evita possíveis punições. Outra causa possível para o seu comportamento é não conhecer nada sobre obras de arte.


Se ela não conhece nada sobre obras de arte, não tem em seu repertório comportamentos apropriados para emitir qualquer tipo de comentário. Em outras palavras, o contexto “museus com suas obras de arte” não exerce nenhum controle especial sobre os comportamentos que constituem o seu repertório comportamental. Ora, como ela vai então emitir qualquer comportamento verbal a respeito das obras? O rótulo “antipático” adjetiva o comportamento do convidado especulando sobre as causas relacionadas à sua emissão. É uma descrição de contingências descontextualizada, que não leva em conta o controle do contexto sobre o comportamento. Se levado a sério, o rótulo pode ser tomado como verdade e daquele episódio em diante se transformar em pretexto para não convidar a pessoa para outros tipos de passeios, produzindo até mesmo um afastamento, pois ele sinaliza que aquela relação é aversiva ou pouca reforçadora. O rótulo age como estímulo discriminativo sinalizando a ocorrência de possíveis consequências aversivas.

Um pacifista e defensor dos direitos dos animais pode se rebelar ao ver alguém chutando um cachorro na rua. Pode mover um processo contra o agressor. Pode denunciá-lo às autoridades competentes. Enfim, pode fazer muitas outras coisas. A questão é que este pacifista pode ter visto apenas parte da cena. Às vezes o cachorro tenha avançado sobre a pessoa e num ato de autodefesa ela acabou chutando-o. Por ter visto apenas parte da cena o pacifista acabou descontextualizando o comportamento de chutar o cachorro do contexto em que ele ocorreu e transforma o que viu em motivo para a realização de um protesto sem medidas.

Os dois exemplos ensinam que devemos ter cuidado com o que vemos e com o que ouvimos. Sobretudo, eles nos ensinam que devemos ter cuidado com o que falamos. Será que o que falamos é fiel às contingências responsáveis pelos comportamentos das pessoas com quem nos relacionamos, ou procedemos de modo a descontextualizar o que as pessoas fazem para privilegiar apenas a nossa percepção da situação? Dependendo da resposta à pergunta corremos o risco de nos conscientizarmos de que somos tagarelas que criam pretextos para protestar por motivos tão pequenos e banais, transformando, assim, nossas relações em infernos existenciais.

Há outro ditado que diz que "boca fechada não entra mosquito." Melhor manter a boca fechada do que protestar sem motivos e correr o risco de engolir mosquitos!


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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

As Bromélias e a Teia de Aranha

Por: Hélio José Guilhardi e Patrícia B. P. de S. Queiroz.

- Quanta bromélia junta! Formam um canteiro natural sobre a rocha.
- Olhe essa teia de aranha entre as folhas...
- Nem a tinha notado... Interessante: olhei e não a vi... Faltou alguma contingência para me fazer vê-la.
- Minha frase criou a contingência. Agora você a vê.
- Assim, no dia a dia, fica claro como o comportamento - de ver no caso - é controlado.
- Os cognitivistas diriam que você não “prestou atenção”, por isso não viu a teia.
- Nesse caso, “prestar atenção” antecederia ver? Seria um pré-requisito?
- Para os cognitivistas sim. No entanto, “prestar atenção” não é causa de ver. As contingências me levam a notar aspectos do meio, a “prestar atenção” em detalhes como a teia. Nesse sentido “prestar atenção”, definida como olhar para algo (teia) e nomeá-lo (“teia de aranha”) é comportamento.
- Mas, então, qual foi a contingência para eu ter notado as bromélias já que ninguém “chamou minha atenção” para eu vê-las?
- Neste caso, a contingência está na sua história de vida. Em algum momento, alguém lhe mostrou uma determinada planta (SD) e lhe disse “Isto é uma bromélia” (SD verbal com função de modelo para nomeação). A partir daí, quando você diante de uma bromélia verbalizou “bromélia” (R verbal), sua comunidade verbal a consequenciou com algum tipo de reforço positivo (“Muito bem”, “Isso mesmo”, “Vê como as bromélias são lindas?”, etc.).
- Mas, se aprendi em casa o que é uma bromélia, como a reconheço nas rochas?
- Se o treino discriminativo foi repetido com diferentes tipos de bromélias, em diferentes circunstâncias, você, provavelmente, formou o “conceito bromélia”. Isto é, passou a ser capaz de dizer “bromélia” para muitos tipos diferentes de plantas,  todas bromélias: generalizou dentro da classe de estímulos (bromélias grandes ou pequenas, floridas ou sem flores, ao vivo ou em fotos, etc.). Simultaneamente, discriminou entre classes de estímulos  (não diz “bromélia” diante de uma avenca, ou de uma samambaia, etc.). Tendo formado o “conceito bromélia”, portanto, você está habilitada a identificá-la (uma vegetal bromélia tem função de SD para você) e a nomeá-la em qualquer ambiente.
- Se esse treino ocorreu no passado, onde ficou armazenado para eu usá-lo no presente?
- A idéia de “armazenamento” é cognitivista. Aquilo que foi aprendido não fica “guardado” em nenhum arquivo psicológico, de onde é retirado quando necessário.
- Mas, eu nem estava pensando em bromélias e quando as vi imediatamente as reconheci.
- O “conceito bromélia” está no organismo. Tudo que é aprendido (passou pela condição indispensável de ter sido exposto a uma contingência de reforçamento) passa a fazer parte do organismo. Assim,  organismo é o conjunto formado pelo equipamento biológico e pelo repertório de comportamentos adquiridos. 
- Entendo. Uma pessoa que nunca aprendeu o que é “bromélia” não poderia nomeá-la, mesmo a tendo diante dos olhos. Não teria pré-requisitos para  vê-la. O que não entendo, então é, o papel dos olhos? Eu não vejo com os meus olhos? 
- É uma questão interessante. A resposta é não. Os olhos, enquanto equipamento biológico, são um pré-requisito para o comportamento de “ver”, mas não bastam para ver. O que faz um organismo ver, através ou com os olhos, são as contingências que produzem uma discriminação visual. 
- Como assim?
- Suponha que você olhe para uma lâmina com sangue através das lentes de um microscópio antes de uma aula prática sobre células sanguíneas. Embora, os diferentes tipos de células sanguíneas estejam lá você não conseguirá distingui-las. Após a aula, em que lhe foram ensinados os conceitos  de eritrócitos, eosinófilos, basófilos, plaquetas, etc. você “verá” os diferentes  tipos de células. Foram as contingências (produzidas pela aula) que lhe ensinaram a ver aquilo que você não via antes de ter os conceitos, embora as células estivessem o tempo todo diante de seus olhos. Assim, são necessários os olhos (parte do organismo) e as contingências ambientais para ocorrer o comportamento de ver.
- Acho que entendi. Preciso pensar mais sobre isso... Mas, se  fui ensinada a ter o “conceito” de “bromélia”, ou seja, se sou, digamos, “um organismo bromeliado”, por que não fico dizendo “bromélia” o tempo todo?
- Porque o “conceito bromélia” está no organismo e também nas contingências ambientais. O “organismo bromeliado”, como você disse (aquele que incorporou o conceito de bromélia em função de sua história de vida) está apto para nomeá-la, mas precisa ser exposto a contingências que  evoquem, num determinado momento ou contexto, a resposta verbal para, de fato, nomeá-la. Assim, poderia ser a visão de uma bromélia (SD), a minha presença (um ouvinte com função de SD e com provável função de Sr) como aconteceu no episódio. Poderia ter sido outra contingência, por exemplo, alguém perguntar “O que é uma bromélia?”, “Quem viu uma bromélia?", etc. 
- Mas, houve um momento no nosso percurso em que sem ter visto nenhuma bromélia eu “pensei” nela.
- Pensou em quê exatamente?
- Pensei que nestas montanhas, bem que poderíamos encontrar bromélias...
- Seu pensamento estava, neste exemplo, sob controle do ambiente físico: um local onde há certa probabilidade de existirem bromélias. (É pouco provável que você pensasse em bromélias no meio do oceano, por ex., exceto sob circunstâncias arbitrárias especiais, como ouvir alguém dizendo “Estou com vontade de comer abacaxi..."). É um exemplo de generalização de estímulos. A probabilidade de pensar em bromélia depende da  força da resposta: contingências sob as quais o comportamento foi instalado e o grau de semelhança entre os estímulos presentes e aqueles sob os quais a resposta foi condicionada.
- Você tem razão... Eu já havia visto bromélias em uma região semelhante a esta numa outra viagem que fiz. Agora, o que me chamou a atenção na sua explicação foi que você tratou o meu pensamento como se fosse um outro comportamento qualquer.
- Exato. Pensar é comportar-se. O pensamento é comportamento, sujeito às mesmas leis que qualquer outro comportamento. Sua única particularidade é o acesso para observá-lo. Como se trata de um comportamento privado, sua observação só é acessível à própria pessoa que se comporta (pensa): você no caso.
- Ainda uma coisa me deixa em dúvida... Quando você me perguntou em que exatamente eu havia pensado, dei-lhe uma resposta, mas não foi tudo. De fato, pensei que queria encontrar uma bromélia mas ,além disso, eu “vi” a bromélia que gostaria de encontrar. Posso até descrevê-la para você. Mas, como posso “ter visto” uma planta, com sua flor vermelha, se ela não estava ali?
- Quando você diz que “viu” alguma coisa, e neste caso você viu uma planta que não estava presente, está se referindo a uma outra classe de comportamentos encobertos, que não exatamente pensar. Usualmente, emprega-se nestes casos o verbo imaginar. Ou seja, você imaginou que estava vendo uma planta (é como se você estivesse vendo uma imagem). A concepção de ver uma imagem é também dualista: é como se existisse um objeto e uma cópia dele e em circunstâncias especiais nós vemos a cópia, a imagem. Um resquício da concepção religiosa de corpo-alma, que por sua vez se baseia na filosofia platônica do mundo das sensações e das idéias...
- Como explicar, então, que eu “vi” a bromélia florida?
- A explicação seria a mesma usada para explicar o comportamento de pensar, como foi feito acima, mas agora aplicado a outra classe de comportamento: “ver na ausência do objeto visto”. Assim, é necessário um SD ambiental, no caso região montanhosa, onde bromélias podem ser encontradas. Uma  história passada em que existiram contingências que lhe ensinaram a discriminar (visualmente) uma bromélia, a ter um conceito visual de bromélia, ou, mais específico ainda, de bromélias com flores vermelhas e ainda lhe ensinaram que bromélias crescem e florescem em regiões montanhosas parecidas com a que você está escalando. Sem essa história de contingências e sem o controle de estímulo ambiental você não “veria” bromélias. A bromélia que você “viu” não está no mundo platônico das idéias, está na relação entre seu organismo e o aspecto funcional do ambiente; está nas contingências passadas e atuais.



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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Saravá, mangalô três vezes: mandingas e fim de ano

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Fim de ano é sempre a mesma coisa. A mídia enche a cabeça das pessoas de bobagens. Com todo respeito a crença de cada um, não são um punhado de conchas atiradas sobre uma peneira decorada com colares e outros objetos que vão mudar o seu futuro. Mandinga nenhuma que existe sobre a terra pode alterar o seu futuro. O seu futuro depende de duas coisas: daquilo que você fez no passado e daquilo que anda fazendo no presente.

O que você fez no passado é tão importante quanto aquilo que anda fazendo no presente. O que fez no passado pode ter produzido as tendências comportamentais que você vem apresentando no presente. Então, não tente entender seu presente sem ao menos dar uma olhadinha para o seu passado. O Homem é um ser histórico, portanto, sua história faz dele o que ele é. O que você continua fazendo no presente pode tanto reforçar as tendências comportamentais modeladas no passado, quanto reverter estas tendências, ou pode ainda criar outras.

Sendo assim, olhar para o passado e para o presente é o primeiro passo que deve ser dado para gerar novas tendências comportamentais que se manifestarão no futuro. De certa forma todo mundo sabe disso. Todo mundo sabe que sem entender o passado somos privados de compreender o "porquê" de agirmos assim ou assado no presente, como também sabe que aquilo que se planeja no presente pode alterar os resultados das ações no futuro. Esse é um conhecimento que faz parte do senso comum.

Embora faça parte do senso comum, ninguém conhece os meios adequados de como se pode construir conhecimento sobre o passado, e, sobretudo, como este conhecimento pode ser aplicado para alterar o presente e planejar o futuro. É aí que entre a Ciência do Comportamento com todo o seu arsenal filosófico, teórico e tecnológico. O que a ciência do comportamento tem a nos oferecer é a possibilidade de entermos a nós mesmos, e este conhecimento deve ser o ponto de partida para qualquer tipo de planejamento que queiramos fazer a respeito de nossas vidas.

Inclusive, esta ciência pode nos oferecer a possibilidade de entender porque as pessoas se deixam seduzir por promessas de mandingas, simpatias, advinhações e outras práticas culturais que invadem a mídia nos fins de ano. Se invadem é porque rendem algum ibope, e isso é fato. Mas por que as pessoas são seduzidas tão facilmente a colocarem em prática ações que não têm o menor poder de alterar suas vidas? Que mecanismos de aprendizagem subsiste atrás destas práticas? Destaquemos alguns: imitação, reforçamento acidental, controle de estímulos e coerção.

Imitação. A imitação está na base da aprendizagem de muitos dos comportamentos que fazem parte de nosso repertório total de comportamentos. Desde tenra idade imitamos os adultos, e quando o comportamento imitativo se aproxima do comportamento imitado é seguido de reforços positivos. A aquisição da fala é um bom exemplo. O pai diz "papai". A criança repete "papá". O comportamento se aproximou do comportamento do pai, e por causa disso é reforçado. Com a repetição da cena logo a criança aprende a dizer papai. O mesmo mecanismo é válido para a aquisição de outras palavras e para a formulação de frases mais complexas.

Quem nunca viu uma criança calçando os calçados dos pais ou mesmo vestindo suas roupas? Esse comportamento de imitar os pais é a base para o comportamento de fazer no futuro aquilo que os pais fazem, inclusive é a base para seguir os seus conselhos. Quando não sabemos nos virar em certa situação geralmente imitamos quem sabe. Por exemplo, se um sujeito está em uma danceteria e não sabe dançar, ele arrisca alguns passinhos observando aquilo que as pessoas estão fazendo. Em seguida começa a fazer o mesmo, e se é bem sucedido possivelmente seu comportamento é reforçado.

Com os comportamentos de fazer simpatias, pular ondinhas, ler horóscopo, vestir roupa de determinada cor não é diferente. Se um sujeito como o apresentador Luciano Huck oferece flores para Iemanjá no programa de encerramento do ano, é possível que muitos dos seus fãs façam o mesmo. Os fãs seguem o apresentador na tentativa de obter aquilo que ele tem: carisma, fama, sucesso, dinheiro, etc. Lógico que as pessoas não têm consciência disso, mas acabam agindo por imitação. Podem não imitar exatamento o Huck. Todavia podem acabar imitando alguém mais próximo que disse que seu ano foi bem sucedido porque ofereceu flores para Iemanjá no ano anterior.

Reforçamento acidental. Reforçamento acidental pode acabar modelando comportamentos supersticiosos. Se o menino que ao jogar bolas de gude com os amigos faz "figa" com os dedos todas as vezes que realiza uma jogada, e se algumas das jogadas acabam sendo bem sucedidas, gera-se um comportamento de acreditar que a "figa" foi responsável pelo sucesso. Acidentalmente o comportamente de fazer "figa" foi reforçado. Com o horóscopo não é muito diferente. Ocasionalmente o que se lê no horóscopo dos jornais pode se confirmar na realidade. Mera coincidência. Todavia, o reforço acidental pode modelar a tendência de continuar baseando decisões na leitura do horóscopo. O problema do reforço ocasional é que o comportamento supersticioso é modelado em um esquema de reforçamento intermitente, e sabemos que esquemas de reforçamento intermitente geram comportamentos resistentes à extinção.

Controle de estímulos. O termo controle de estímulos faz referência ao fato de que o comportamento também é controlado pelos estímulos do contexto em que ocorre. Então o comportamento operante é controlado tanto por suas consequências quanto pelo contexto em que ocorre. Os estímulos do contexto aumentam a probabilidade de que o comportamento ocorra. O bombardeamento midiático cria contextos que elevam as chances das pessoas se renderem às mandingas e simpatias, principalmente se estes comportamentos já fizerem parte de seus repertórios. Os programas de TV mostram pessoas que obtiveram sucesso porque consultaram a numerologia, os búzios, as cartas, etc. Mandingas e simpatias são associadas a reforçamento positivo, e isso pode criar ocasiões propícias para que sejam modelados comportamentos supersticiosos.

Coerção. Coerção é uso de punição ou a ameaça de uso de punição. O futuro é sempre algo inigmático, e a ele estão associadas as possibilidades de catástrofes e eventos inesperados. Catástrofes e eventos inesperados são estímulos bastante coercitivos. Se tais estímulos puderem ser minimizados de alguma forma, possivelmente as pessoas se entregarão às práticas que podem minimizá-los, que podem evitá-los ou diminuir seu raio de ação. Jogar búzios, cartas, ler o horóscopo, etc, são tentativas de diminuir a imprevisibilidade do futuro, tornando-o, assim, menos aversivo. Tudo que as pessoas querem acreditar quando se inicia um novo ano é que ele será menos aversivo do que o ano que passou, por isso muitas se entregam a estas práticas já citadas.

As quatro situações citadas podem ajudar-nos a entender os motivos que estão por trás de comportamentos supersticiosos. Mas o futuro não pode ser alterado com mandingas, simpatias ou qualquer outro tipo de prática oculta. Isso não quer dizer que ele não possa ser modificado. Sim, ele pode, desde que haja planejamento. Mas nenhum planejamento terá a chance de obter sucesso se não estiver ancorado em informações críveis sobre o passado e também sobre o presente. É em nossa história que encontramos a oportunidade de conhecer as variáveis que controlam o nosso comportar-se, e é alterando estas variáveis  que modificamos a nossa forma de agir. Qualquer promessa fora destas possibilidades é pura fantasia! Aproveitando a oportunidade, desejo a todos os leitores um feliz 2013!

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