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sábado, 17 de maio de 2014

Somos Todos Macacos?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

"Somos todos macacos" foi mais uma das polêmicas produzidas dentro de um campo de futebol. Tudo começou quando o jogador Daniel Alves, atleta do time espanhol Barcelona, comeu uma banana atirada no campo pela torcida do time adversário. A imprensa oportunista, incluindo a equipe de publicidade do jogador Neymar, colega de time de Daniel Alves, lançou a campanha "Somos Todos Macacos". Muitos embarcaram na campanha, inclusive um certo apresentador de TV, que sendo dono de uma loja virtual, lançou uma camisa com o slogan "Somos Todos Macacos" junto a imagem de uma banana. Não precisa dizer que o dito cujo faturou muito com a polêmica...

Eis aí as contingências do capitalismo transformando um debate tão importante, como é o caso deste que gira entorno do racismo, em uma mercadoria. De quebra a transformação do debate em mercadoria acaba contribuindo para o seu esvaziamento. O seu esvaziamento é funcional aos anseios daqueles que administram as contingências do capital, pois assim podem continuar usando estas contingências para explorarem os que estão às margens da sociedade, inclusive e principalmente os negros. Desta forma vai sendo feita a manutenção das contingências coercitivas, aquelas cujo os resultados nefastos nós conhecemos, que vão desde a desumanização do homem até a sua completa aniquilação.

No entanto, não é este o foco deste texto. Tecnicamente, que resposta pode ser dada para a pergunta que intitula este post? Afinal, somo todos macacos ou não? Definitivamente não! Não somos todos macacos, ainda que guardemos com os chimpanzés uma semelhança genética de 98%. Desde o polegar opositor ao neocórtex mais desenvolvido, há muitas diferenças que nos distanciam dos macacos. E não se trata apenas de diferenças estruturais, mas também de diferenças que surgem a partir de nossa inserção no mundo da linguagem, da nossa capacidade de ampliarmos os efeitos das contingências ontogenéticas através das descrições que delas fazemos, o que é indicativo de que o comportamento verbal inaugura um novo tipo de seleção que supera e complementa os outros níveis que operam na filogenia e na ontogenia.

A filogenia prepara a espécie para um ambiente semelhante ao que ela se desenvolveu. A ontogenia seleciona comportamentos que permitem uma melhor adaptação a um mundo em constante mudança. E não venham os críticos da noção de adaptação igualarem-na à ideia de submissão. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Adaptar-se é comportar-se com o repertório comportamental que se tem dada as circunstâncias que selecionaram este repertório e as contingências que no presente continuam fazendo a sua manutenção.

Um indivíduo pode ter como alternativa para lidar com determinados problemas o escape proporcionado por entorpecentes. Dada a sua história de vida e as contingências que fazem a manutenção dos comportamentos que levam ao uso de drogas, a utilização destas substâncias pode ter sido a alternativa construída como saída para lidar com os problemas que se vive. Esta é uma forma de adaptação. Já um outro indivíduo com uma outra história de reforçamento, pode encontrar na arte, nos estudos, no trabalho ou numa vida de ativista político a sua forma de adaptação. Adaptar-se não é submeter-se. Adaptar-se é comportar-se com o repertório que se tem, modelado e mantido por contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais.

Com relação a sociogenia, o nível em que operam as contingências culturais, contingências que selecionam práticas culturais que mantêm a forma de funcionar de uma cultura, o que se tem a dizer é que elas nos distanciam de qualquer possibilidade de sermos macacos. Mas não nos entusiasmemos muito, pois não podemos ignorar que compartilhamos com as outras espécies, inclusive com os macacos, aquilo que nos torna tão humanos: as leis que regem os nossos comportamentos, e é isto que possibilita a generalização dos resultados de estudos feitos a partir da análise das contingências envolvidas na determinação do comportamento animal para o entendimento do comportamento humano.

Não somos assim tão especiais quanto pensamos. Querendo ou não, compartilhamos com os macacos, e não somente com eles, uma história evolutiva em comum. Tanto eles como nós temos comportamentos selecionados por causa do seu valor de sobrevivência: comportamentos respondentes. Tanto eles como nós temos comportamentos que são afetados pelas consequências que produzem, e o que torna isso possível para humanos e não humanos é a susceptibilidade ao reforçamento. A susceptibilidade ao reforçamento, ou seja, a sensibilidade de certa classes de comportamentos às consequências que produzem, é um produto da evolução.

Depois de Galileu ter retirado a Terra do centro do universo, a segunda grande decepção da humanidade foi constatar que ela não era a obra prima da criação. Este foi o grande golpe desferido por Charles Darwin contra a vaidade humana, vaidade tão anticientífica. Mais do que anticientífica, ela perpetua a crença no criacionismo, que diga-se de passagem é uma prática cultural muito comum em círculos religiosos que se protegem dos avanços da ciência criando entorno de si uma blindagem metafísica.

O terceiro e definitivo golpe é aquele produzido a partir dos estudos da Análise Experimental do Comportamento, que revela-nos que não só compartilhamos uma história evolutiva em comum com as outras espécies, como também compartilhamos as leis que regem o funcionamento do nosso comportamento, ou seja, as contingências envolvidas na determinação do comportamento animal são as mesmas envolvidas na determinação do comportamento humano, e isso se aplica ao comportamento verbal, que é um exemplo de comportamento operante, de comportamento afetado pelas consequências que produz.

Não somos macacos, mas nada nos autoriza a ignorarmos as descobertas que já foram produzidas a partir do estudo do comportamento animal!


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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Psicopatologia: o que o Behaviorismo Radical tem a nos dizer?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Se Psicologia significa o estudo da vida mental, faz parte deste estudo a investigação sobre os quadros patológicos que venham a perturbar o funcionamento da mente. Neste sentido, a construção de uma psicopatologia, confere à Psicologia o estatuto epistemológico que ela precisa para ser reconhecida como área do saber que pode reivindicar para si o status de ciência. Então, a luta da Psicologia para ser reconhecida como ciência, coincide com o esforço empreendido na identificação dos diversos quadros patológicos, em saber situar a origem destes quadros e seus possíveis desdobramentos, podendo, assim, proceder a diagnósticos e prognósticos.

Tudo isso acaba conferindo à Psicologia uma utilidade, pois, desta forma, as patologias se tornam tratáveis, e aquilo que faz o homem sofrer pode ser eliminado ou ao menos minimizado. Todavia, a psicopatologia, pilar que dá à Psicologia a possibilidade de ter um estatuto epistemológico próprio, pode ser questionada, e sua fragilidade se revela quando se tem a possibilidade de demonstrar que aquilo que é chamado de doença, muitas vezes não passa de formas de agir que foram aprendidas a partir da vivência de certas experiências.

É aqui que se revela a grande contribuição do Behaviorismo Radical para a Psicologia, que é demonstrar que por mais estranho que seja um comportamento, por mais que ele produza desconforto, por mais patológico que pareça, seja por causa da forma estereotipada como é expressado, seja pela frequência com que interfere na emissão de outros comportamentos capazes de produzirem benefícios, ele é um comportamento aprendido, pelo menos isso é verdade quando se trata de comportamento operante. Não se trata de ignorar outros tipos de comportamentos que sejam produtos de outras formas de seleção, e neste artigo serão destacadas três: filogenética, ontogenética e cultural.

O Behaviorismo Radical, cujo criador é B. F. Skinner, é a filosofia de um modo bastante particular de investigação do comportamento (SKINNER, 1993), filosofia que ao invés de adotar a mente e assemelhados como objeto de estudos da Psicologia, elege o comportamento como sendo este objeto. Este modo particular de investigação é conhecido como Análise Experimental do Comportamento. O método experimental compõe o conjunto de estratégias utilizadas para a produção de conhecimentos sobre o comportamento visando investigar as leis que o governam, por meio de manipulação sistemática de variáveis.

O Behaviorismo Radical é chamado de radical porque nega radicalmente explicações não materiais e se dedica ao estudo de qualquer comportamento sendo ele público ou privado. Mente e assemelhados são constructos hipotéticos que nada explicam e no modelo de causalidade ambientalista adotado pelo Behaviorismo Radical, é importante que se ressalte que ambiente é entendido como tudo aquilo que é externo ao comportamento e não necessariamente o que é externo ao organismo. (RIBEIRO et al, 2011). Esta definição de ambiente é ampla o suficiente para englobar aqueles eventos que são chamados de privados, pois tudo que afeta o comportar-se pode ser chamado de ambiente, inclusive eventos que se passam sob a pele, que se passam no mundo interior.

Eventos privados são aqueles acessados somente por quem se comporta (BAUM,1999). Pensamentos, imaginação, sonhos, emoções, entre outros, são exemplos de eventos privados. Mas, não é porque são privados é que são mentais (RIBEIRO et al, 2011). Estes são eventos comportamentais assim como os comportamentos públicos, ou seja, têm a mesma natureza de comportamentos acessíveis diretamente à observação. Em outras palavras, são eventos naturais, que ocupam um lugar no tempo e espaço, e por isso podem ser estudados cientificamente, inclusive com uso do método experimental. A única diferença entre eventos privados e públicos é a acessibilidade.
          
Tanto os eventos comportamentais públicos, quanto os privados são causados pelo ambiente. O ambiente exerce sobre o comportamento uma ação seletiva que opera em três níveis: filogenético, ontogenético e cultural. No nível filogenético comportamentos que aumentaram as chances de sobrevivência da espécie foram selecionados assim como foram os traços anatômicos e morfológicos. Estes comportamentos são chamados de reflexos ou respondentes, pois ocorrem sem necessidade de aprendizagem. Eles são parte da dotação genética do organismo, portanto, não o preparam para se adaptar a um ambiente em constantes mudanças, mas somente para se adaptar a um ambiente semelhante aquele em que o comportamento foi selecionado na história evolutiva da espécie.

No nível ontogenético comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do organismo a um ambiente mutável. Portanto, neste nível há aquisição de novos comportamentos, diferente do nível filogenético em que operam os comportamentos respondentes, e é esta aquisição de novos comportamentos que dá ao organismo maior capacidade de adaptação. No nível ontogenético estão os comportamentos que são chamados de operantes. São assim chamados porque operam no ambiente provocando determinadas modificações (SKINNER, 1993). “Por sua vez estas modificações também alteram o comportamento, tanto em sua função (sentido/intencionalidade) quanto em sua topografia (forma). [...] Sendo assim, o operante é selecionado (determinado) pelas consequências que produz.” (RIBEIRO, 2012, p. 73).



O mecanismo de seleção pelas consequências é análogo ao processo de seleção natural. Na seleção natural certas características foram selecionadas por causa do seu valor de sobrevivência, enquanto que na seleção operante certos comportamentos são selecionados por causa do seu valor para a adaptação do indivíduo. Mas, dizer que a seleção gera comportamentos adaptados não significa dizer que as consequências apenas selecionam o que há de melhor, pois este processo pode gerar produtos que a curto prazo parecem benéficos, mas que a longo prazo são prejudiciais. O comportamento de usar drogas é um exemplo de comportamento que a curto prazo parece produzir benefícios (prazer, alívio etc), mas que a longo prazo acarreta consequências nefastas. (RIBEIRO, 2012, p. 78).



Micheletto (1999) assim se refere à seleção pelas consequências, modelo de determinação adotado por Skinner para explicar o comportamento operante, comportamento que engloba a maior parte de nossas ações, ações que vão desde um aceno com a mão até pilotar um avião:




A seleção por consequências não resulta, segundo Skinner, em um processo que se dirija para algo melhor e mais desenvolvido. Ela pode produzir processos e produtos nefastos à espécie e ao próprio homem, como o comportamento supersticioso, ou práticas sociais que poderão significar a destruição da espécie humana. (MICHELETTO, 1999, p. 124).



Este modelo de seleção é aplicável também às práticas culturais que são selecionadas por causa de suas consequências, por causa de seus impactos sobre grupos e culturas. Para guisa de uma conclusão, nos questionemos: que relação pode ser feita entre o modelo de seleção pelas consequências, modelo de causalidade adotado pelo Behaviorismo Radical para explicar o comportamento, e a construção de uma Psicopatologia em Psicologia, construção que coloca em lados opostos o normal e o patológico, a saúde e a doença?

Micheletto (1999) e Ribeiro (2012) assinalam que o efeito da seleção por consequências pode resultar em comportamentos nefastos ao homem, ou seja, que as contingências de reforço podem selecionar comportamentos que colocam em risco a vida humana. Contingências de reforço é um termo para se referir ao fato de que o comportamento operante estabelece relações de dependência com as consequências que produz e com o contexto em que ocorre. Estímulos presentes neste contexto quando associados às consequências (reforços) também passam a agir na determinação do comportamento, e agem de modo a aumentar sua probabilidade de ocorrência. Outros estímulos semelhantes a estes passam a ter a mesma função, o que demonstra que o comportamento é multideterminado, ou seja, que muitas são as variáveis relacionadas à sua ocorrência.

Se as contingências de reforço são responsáveis pela seleção do comportamento, há boas razões para um certo ceticismo acerca da dicotomia normal versus patológico, pois todo comportamento é produto das consequências e estímulos presentes nos contextos em que ocorre, e esse raciocínio é válido até mesmo para os comportamentos mais estranhos, para os comportamentos que caracterizam o que alguns psicólogos chamariam sofrimento psíquico. Desta forma, persistir na construção de uma psicopatologia que coloca de um lado a normalidade e de outro as patologias pode ser questionável.





[...] Se acredito na seleção do comportamento por contingências, quem sou eu para classificar algum comportamento como patológico? A crença na seleção leva a, no mínimo, pensar que todo e qualquer comportamento seja adaptativo, dentro das contingências que o mantém. E se for possível proceder a uma análise funcional da situação na qual o comportamento dito “patológico” se insere, chegar-se-á à conclusão de que aquele seria o único comportamento que poderia acontecer, dadas aquelas contingências. (BANACO, 1997, p. 81).




Banaco (1997, p. 81) ainda acrescenta que “apesar de serem adaptativos no sentido de terem sido selecionados, alguns comportamentos causam sofrimentos às pessoas que os emitem ou àquelas que estão às suas voltas.” Portanto, as contingências de reforço, ou seja, as consequências e circunstâncias relacionadas à probabilidade de emissão do comportamento podem selecionar e evocar comportamentos que geram sofrimento para quem se comporta e para seu grupo social. Sendo assim, a distinção entre normal e patológico pode fazer pouco sentido, pois mesmo os comportamentos que produzem desconforto são selecionados por suas consequências.

Tal argumentação ainda coloca em questionamento o que geralmente são chamadas de doenças psicossomáticas, doenças físicas que tem como origem uma causa mental e/ou emocional. Fenômenos mentais e emoções são exemplos de comportamentos. Se emoções são comportamentos, melhor dizendo, são comportamentos emocionais, estes ao invés de serem tomados como causa de qualquer outro tipo de comportamento, devem ao contrário serem explicitados por meio da elucidação das contingências responsáveis por suas ocorrências. O comportamento emocional como qualquer outro comportamento está sujeito à ação das contingências de reforço. Skinner (1993) sugere que as mesmas causas que provocam o comportamento, são também responsáveis pelo adoecimento físico que se supõe ter como origem os desajustamentos mentais e/ou emocionais:




Uma das mais dramáticas manifestações do suposto poder da vida mental é a produção de doença física. Assim como se diz que uma ideia na mente move os músculos que a expressam, assim também se diz que as atividades não-somáticas da psique afetam o soma. Afirma-se, por exemplo, que as úlceras são produzidas por uma raiva “internamente dirigida”. Deveríamos dizer, antes, que a condição sentida como raiva está medicamente relacionada com a úlcera e que uma situação social complexa provoca as duas. (SKINNER, 1993, p. 135).




Portanto, a chave para o entendimento de qualquer comportamento está nas contingências de reforço, ou seja, nas consequências que o comportamento produz e nas circunstâncias em que ocorre, como também nas contingências filogenéticas e culturais. Toda perplexidade e tendência de entender o comportamento como patológico cai por terra quando se evidenciam as contingências responsáveis por sua seleção e manutenção. Manipular as contingências para modificar o comportamento e assim eliminar possíveis desconfortos relacionados à sua ocorrência parece ser uma alternativa mais promissora que meramente descrever psicopatologias com supostas causas mentais.





REFERÊNCIAS



BAUM, W. M. Compreender o Behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

BANACO, R. A. Auto regras e patologia comportamental. In: ZAMIGNANI, D. R. (Org.) Sobre comportamento e cognição: a aplicação da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos. São Paulo: ARBytes, 1997, p. 80-88.

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas. 2. ed. Campinas: Editorial Psy, 1998, p. 27-34.

MICHELETTO, N. Variação e seleção: as novas possibilidades de compreensão do comportamento humano. In: BANACO, R. A. (Org.). Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos. Metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. 2 ed. Santo André: ARBytes, 1999, p. 1117-131.

RIBEIRO, B. A. et al. Uma análise do programa de recuperação dos alcoólicos anônimos. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 6, n. 2, p. 65-78, jul./dez. 2011.

RIBEIRO, B. A. Uma análise behaviorista radical de um modelo prototípico de formação da realidade social proposto por Berger e Luckman. Conexão ci.: r.cient. UNIFOR-MG, Formiga-MG, v. 7, n. 1, p. 69-83, jan./jun. 2012.

SKINNER, B . F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 

 
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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Há algo mais profundo que as contingências de reforço?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Psicologia profunda é somente aquela que cuida da mente inconsciente? Muitas vezes o termo profundidade é quase sinônimo de vida mental, ou ao menos aponta para a possibilidade de existência de uma vida mental, de uma mente que funciona apesar de todo ato de volição. Isso faz com que a psicologia fique dividida entre as psicologias profundas, aquelas que cuidam da vida mental, em especial se debruçam sobre a tarefa de desvendar os segredos do inconsciente, e as psicologias superficiais, aquelas que tratam o comportamento apenas como respostas que surgem como ações provocadas por estímulos. Nada mais enganoso!

O mentalismo é mesmo encantador. Ele abre-nos a possibilidade de uma hermenêutica sem fim, fazendo acreditar que ciência se constrói com retórica. Retórica como a arte de falar não define aquilo que o cientista faz. O cientista trabalha com previsão e controle, e isso significa que deve ser capaz de isolar as variáveis responsáveis pelo comportamento de seu objeto de estudos. Não há nada mais trabalhoso e "profundo" do que selecionar as variáveis relevantes para a explicação do comportamento de um determinado de objeto de estudos, principalmente quando este objeto é o comportamento humano.

O problema com o mentalismo é que ele não deixa claro quais são as variáveis relevantes para se ter um mínimo de controle e previsão sobre o comportar-se. Se estas variáveis são o id, o ego e o superego, não temos como alterá-las, uma vez que são inacessíveis a qualquer tentativa de manipulação direta. Objetariam os mentalistas dizendo que estas podem ser acessadas indiretamente via comportamento. Então, temos aqui um problema. Se o objeto de estudos, no caso o comportamento, é a única evidência sobre as variáveis que o produzem, não há possibilidades reais de serem testadas mudanças significativas neste objeto, já que a rigor é inviável provar que as mudanças apontadas estão relacionada a alteração em certas variáveis. Em outras palavras, qualquer relação de causalidade não pode ser estabelecida, o que abre campo para a pura especulação.

O problema se agrava quando se hipotetiza sobre as variáveis causadoras do comportamento, especulando que estas têm um comportamento muito próprio. Isso vai tornando cada vez mais problemático o estudo, pois não são mencionadas que outras variáveis são responsáveis pelo comportamento daquelas variáveis que são diretamente responsáveis pelo comportar-se. As variáveis responsáveis pelo comportar-se precisam ter o seu comportamento explicado, e ao se explicar o comportamento destas, perde-se o foco do comportamento em si. Desta forma, toda explicação mentalista tende a ser circular. O comportamento é a única evidência das causas que o provocam, e as causas precisam ter o seu comportamento explicado para que se possa acreditar que o comportamento em si é uma evidência contundente daquilo que o causa. No fim das contas o comportamento é a explicação para si mesmo.

As contingências de reforço fornecem-nos uma saída mais interessante, pois indicam qual é o objeto a ser estudado e quais são as variáveis responsáveis pela forma como esse objeto se apresenta. Na Análise do Comportamento as contingências de reforço constituem a unidade básica de análise. Elas indicam a princípio que pelo menos dois processos são responsáveis pela ocorrência do comportamento: o reforçamento e o controle por estímulos. Para melhor compreensão destes processos é sugerida a leitura do texto "Condicionamento operante: definição e aplicações."

O reforçamento faz referência às operações de consequenciação. Trocando em miúdos, o comportamento é afetado por suas consequências, que podem ser de dois tipos: reforçamento positivo e negativo. A princípio parece ser um modelo explicativo bastante simples. Mas não é como parece. As consequências afetam o comportamento de diferentes formas. Elas vão depender, por exemplo, dos esquemas que determinam a forma como elas são apresentadas, e aqui entramos no terreno dos esquemas de reforçamento. O leitor vai entender melhor os esquemas de reforçamento lendo outro texto deste blog: "Jogos de azar: uma breve reflexão sobre os esquemas de reforçamento." O esquema de reforçamento vai ser determinante para que as consequências produzam comportamentos mais ou menos resistentes à extinção, comportamentos mais ou menos frequentes, comportamentos mais ou menos vigorosos.

O número de consequências que podem afetar os comportamentos que constituem nosso repertório total de comportamentos são incontáveis. Algumas consequências podem ter maior poder de controle sobre o comportamento se forem biologicamente importantes: sexo, bebidas, comidas etc. A importância biológica vai ser determinada pela história filogenética da espécie a qual o organismo pertence. Então, o ambientalismo como modelo explicativo não está contido em si mesmo, pois depende de outros níveis de explicação. A adoção do modelo de causalidade ambientalista remete-nos a um diálogo fecundo com outras ciências que explicam como funcionam o substrato biológico que dá amparo ao comportar-se. Neste sentindo, uma psicologia contida em si mesma é um projeto estéril desde a sua concepção. Não se faz análise do comportamento sem considerar variáveis ambientais e também variáveis biológicas.

O número de consequências que afetam o comportar-se aumenta exponencialmente se considerarmos que variáveis previamente neutras quando associadas a outras variáveis que já afetam o comportar-se, passam a adquirir poder de controle sobre este. Neste rol entram aquelas variáveis que foram associadas às consequências de importância biológica. Estas novas variáveis podem se associar a outras, gerando, assim, novas variáveis controladoras do comportamento. Há um infinito de possibilidades de associações entre variáveis ambientais e comportamentais, o que demonstra o quão "profundas" são as contingências de reforço.

Até aqui estivemos considerando somente as operações de reforçamento. Há as operações de controle de estímulos, o que é outra forma de dizer que não somente as consequências afetam o comportar-se, mas também os contextos em que os comportamentos ocorrem. Nestes contextos estão estímulos que assumem o controle do comportamento depois de serem associados às consequências. Após esta associação estes estímulos adquirem a função de sinalizadores de consequências, aumentando ou diminuindo a probabilidade dos comportamentos que controlam. No texto "O Condicionamento operante: definição e aplicações" o leitor vai encontrar uma explicação mais detalhada sobre como os contextos assumem o controle do comportar-se.

O número de variáveis dos contextos que afetam o comportar-se é ampliado se considerarmos que outras variáveis parecidas àquelas que controlam as emissões do comportamento, adquirem também a função de diminuir ou aumentar suas probabilidades de ocorrência. Por sua vez, o poder de controle destas variáveis sobre o comportar-se vai depender dos esquemas de reforçamento, ou seja, vai depender da forma como as consequências ocorrem. As combinações entre variáveis do contexto e as operações de consequenciação podem ser as mais diversas possíveis, o que revela o caráter multideterminado do comportamento, ao mesmo tempo que revela a complexidade deste objeto de estudos. Sobretudo, revela quão "profunda" são as contingências de reforço.

A coisa piora se ainda considerarmos que as contingências dos comportamentos individuais podem se entrelaçar com as contingências culturais. Por sua vez a cultura acaba estabelecendo regras para as condutas individuais, regras que afetam o comportamento de pessoas e grupos. O resultado final do comportamento de pessoas, grupos e instituições é a manutenção ou mudança de padrões culturalmente estabelecidos, e tais padrões podem ser determinantes para a sobrevivência da humanidade e de seu modo de existir. E aqui se revela a necessidade de diálogo da Análise do Comportamento com as Ciências da Sociedade, por mais que estas tenham a tendência em descrever as culturas em termos topográficos ou apelarem para descrições mentalistas no afã de explicar os comportamentos das coletividades.

De tudo isso fica uma constatação: as contingências de reforço são muito mais profundas do que qualquer modelo de causalidade mentalista. Enquanto unidade de análise as contingências do reforço permitem uma visualização das variáveis determinantes para a ocorrência do comportar-se, e da complexidade que envolvem a sua emissão. Sobretudo, elas permitem a construção de uma empreitada científica que abre margens para o controle e previsão. Por sua vez esta empreitada as transforma em um instrumento não somente de análise, mas também numa poderosa ferramenta de intervenção. Então, porque as contingências do reforço não haveriam de ser profundas?



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sexta-feira, 12 de abril de 2013

Por que a Terapia Comportamental é Comportamental?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

É comum ouvirmos as pessoas dizerem: "a Terapia Comportamental dá muitos resultados em casos de fobias, principalmente as específicas." Que terapeuta comportamental nunca ouviu esta frase ou algo bem próximo disso? Se nunca ouviu não é terapeuta comportamental! Rs!!! Brincadeiras à parte, esta forma de pensar a terapia comportamental revela algo muito sério. Revela que as pessoas não sabem o que é a terapia comportamental. No imaginário coletivo a terapia comportamental é equivalente à aplicação de um conjunto de técnicas para a modificação do comportamento.

Nada mais enganoso do que achar que a terapia comportamental simplesmente se limita à aplicação de técnicas para a modificação de comportamentos. Uma determinada forma de conduzir o processo psicoterápico pode fazer uso de técnicas de modificação de comportamentos e mesmo assim não ser uma terapia comportamental, isso porque a terapia comportamental vai muito além da aplicação das técnicas pelas técnicas. As técnicas fazem parte do arsenal de intervenção em terapia comportamental, mas constituem apenas parte do setting clínico, e não constituem a parte mais importante. Isso mesmo, as técnicas de modificação de comportamentos não constituem a parte mais importante do setting clínico em terapia comportamental.

Então, vem a pergunta: o que faz com que a terapia comportamental mereça a denominação "comportamental"? De cara já sabemos que não é a simples aplicação das técnicas que fazem com que a terapia comportamental mereça tal denominação. É preciso entender que as técnicas são recursos para a realização de intervenções. Imagine um cientista que trabalha com tubos de ensaios e pipetas. Tubos de ensaios e pipetas fazem parte do arsenal que constitui o arranjo experimental sem o qual não seria possível o estudo de algumas reações químicas. Podem até ser parte do cenário que constitui este arranjo, mas não definem o que faz o profissional que estuda estas reações, neste caso o químico.

Seria muito grosseiro identificar o que faz o químico com a utilização de tubos de ensaios e pipetas. O que o químico faz vai muito além da utilização de tubos de vidro. Ele até precisa destes instrumentos para fazer a sua ciência, mas ela poderia muito bem ser construída sem eles. A comparação é válida para definir o que se faz na terapia comportamental. Técnicas de modificação do comportamento são análogas às pipetas e tubos de ensaio, mas não definem o que é a terapia comportamental. Como recursos para a realização de intervenções elas podem produzir modificações comportamentais. No entanto, estas modificações precisam estar ancoradas naquilo que é chamado de análise funcional do comportamento.

Somente com a análise funcional do comportamento o terapeuta tem condições de selecionar que comportamentos vão se tornar o alvo da intervenção e que contingências de reforço precisam ser modificadas para que os comportamentos sejam alterados. Isto joga por terra a crítica de que a terapia comportamental não consegue elucidar quais são os significados por trás de cada tipo de conduta. A terapia comportamental não faz outra coisa que não seja tornar claro quais são estes significados. Quando é elucidada qual é a função de um comportamento, ou seja, que variáveis estão relacionadas à sua ocorrência, estão sendo esclarecidos os seus significados, os motivos que fazem com que ele ocorra desta e não daquela forma.

O que faz com que a terapia comportamental mereça a denominação "comportamental", são os procedimentos analíticos que permitem uma análise minuciosa das contingências de reforço relacionadas à ocorrência dos comportamentos clinicamente relevantes. Estes procedimentos incluem a análise do comportamento, de suas consequências, dos contextos em que ocorre e dos esquemas relacionados às formas como as consequências seguem os comportamentos por elas mantidos. Há esquemas que produzem comportamentos resistentes à extinção, enquanto que outros produzem comportamentos menos vigorosos e facilmente extinguíveis.

Se todas as variáveis citadas forem levadas em consideração, dificilmente o comportamento modificado voltará a se manifestar, o que joga por terra outra crítica dirigida à terapia comportamental, de que nesta modalidade de terapia não há mudanças significativas, pois são abordadas apenas as manifestações sintomáticas. Em outras palavras, é dito por aí que a terapia comportamental lida apenas com sintomas. Esta clássica visão do comportamento como sintoma de processos mentais é descartada pela terapia comportamental.

O comportamento é produto de contingências de reforço. Ele também é produto de contingências filogenéticas e culturais, mas estas não estão ao alcance do trabalho terapêutico. Ele não é produto de processos mentais. Se as contingências de reforço forem efetivamente modificadas o comportamento também será. Então, não há probabilidade de ocorrerem novas manifestações sintomáticas, ou seja, de que o comportamento modificado volte a ser fonte de problemas.

Portanto, o que torna a terapia comportamental uma modalidade de intervenção psicoterápica que mereça a denominação "comportamental" são todos os procedimentos relacionados à analise e modificação dos comportamentos clinicamente relevantes. Não há modificação efetiva de comportamentos sem uma análise minuciosa das contingências de reforço. As modificações até podem ser alcançadas, mas sem uma análise das contingências de reforço elas não serão duradouras.

E você, entendeu o que é a terapia comportamental? Deixe os seus comentários sobre o texto nos campos destinados para este fim.

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Curso online de Psicologia Clínica e Terapia Cognitivo-Comportamental

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quinta-feira, 14 de março de 2013

Dos Modelos Teóricos aos Modos de Intervenção: Terapia Comportamental e Terapia Comportamental-Cognitiva

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A junção entre os modos de intervenção clínica baseados nos modelos teóricos do comportamentalismo de orientação behaviorista radical e no cognitivismo, é tomado como algo que é tão natural, que faz parecer que não há incompatibilidades entre estes dois modelos que fazem referências a teorias que distam diametralmente uma da outra, é como se uma estivesse numa extremidade de uma reta e a outra na outra extremidade. As duas pontas da reta jamais vão se encontrar a não ser que a reta possa ser curvada, mas se isso ocorrer a reta deixa de ser reta, ou seja, a reta perde as suas características que a definem como sendo uma reta.

A terapia comportamental de orientação behaviorista radical perde suas características que a definem como comportamental ao seu unir à orientação cognitivista. Que características? A principal de todas elas é tomar o comportamento como foco da sua intervenção, entendendo-o como relação que se estabelece entre o organismo que se comporta e o ambiente. Por ambiente entende-se tudo aquilo que pode afetar o comportar-se (SKINNER, 1998). Ambiente é aquilo que é externo à ação e não o que é externo ao organismo (MATOS, 1999).

Nesta definição de ambiente entram os eventos privados, eventos que na concepção de Skinner (1993/1998) ocorrem num mundo debaixo da pele. Ainda fazendo referência a Skinner (1998), com relação aos eventos privados e à definição de ambiente ele diz:

"Quando dizemos que o comportamento é função do ambiente, o termo "ambiente" presumivelmente significa qualquer evento do universo capaz de afetar o oganismo. Mas parte do universo está encerrada dentro da própria pele de cada um. [...] Não temos necessidade de supor que os eventos que acontecem sob a pele de um organismo tenham, por essa razão, propriedades especiais. Pode-se distinguir um evento privado por sua acessibilidade limitada mas não, pelo que sabemos, por qualquer estrutura ou natureza especiais." (SKINNER, 1998, p. 281-282).

Eventos privados não são sinônimos de eventos mentais (MATOS, 1998). A acessibilidde limitada não transforma os eventos privados em eventos mentais. Eles continuam tendo propriedades físicas e temporais, ou seja, podem ser localizados no tempo e espaço, sendo, portanto, fenômenos naturais, fenômenos passíveis de serem estudados com os métodos das ciências naturais. O que torna difícil o estudo destes eventos é a sua acessibilidade, pois a comunidade verbal precisa arranjar contingências de reforço que permitam ao indivíduo falar de seu mundo privado, mas isso não é nada fácil, pois a comunidade verbal não tem acesso a este mundo. Então, ela faz isso com base em eventos públicos correlatos que acompanham os eventos privados. Para uma discussão mais pormenorizada de como esse processo acontece, sugiro a leitura de um outro texto deste blog: "A Difícil Tarefa de Falar de Sentimentos."

O que fica claro é que o Behaviorismo Radical tem o arsenal teórico necessário para lidar com os eventos subjetivos, eventos geralmente equiparados a eventos mentais, sem que seja necessário recorrer ao mentalismo. Então por que a Terapia Comportamental, que é a aplicação dos métodos derivados da Análise do Comportamento e dos princípios teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical no entendimento e modificação do comportamento no setting clínico teria que recorrer ao cognitivismo? A terapia comportamental precisa do suporte teórico do cognitivismo?

É aqui que entra nossa reflexão que pretende diferenciar "bife à milanesa de bife ali na mesa". Bife à milanesa é uma forma de fritar bifes para que fiquem com uma crosta crocante, e bife ali na mesa é um bife de qualquer espécie localizado em cima de uma mesa. Da mesma forma Terapia Comportamental é uma coisa e Terapia Comportamental-Cognitiva é outra coisa completamente diferente, e a segunda não complementa e nem é uma espécie de evolução da primeira, antes representa muito mais um retrocesso do que um avanço.

Portanto, a adoção de um ou outro modelo teórico leva a modos de intervenção bastante distintos. Se o terapeuta comportamental considera como foco de sua intervenção o comportamento, ele analisará as contingências por trás de sua determinação, e em seguida planejará modos de intervenção que levem a modificações nestas contingências, de modo que estas modificações produzam alterações no comportamento. Ele agirá desta maneira porque entende e tem condições de provar que o comportamento é modelado pelo ambiente, ou melhor dizendo, que ele é modelado pelas contingências de reforço, e que as modificações nestas contingências levam a mudanças nas formas de agir.

Já o terapeuta cognitivista que adota a denominação comportamental-cognitivo ou cognitivo-comportamental, entende que o comportamento até pode ser influenciado pelo ambiente, no entanto, o mesmo é produto de processos cognitivos. Rangé (1998), ao se referir ao que chama de PCC (Psicoterapia Cognitivo-Comportamental), diz o seguinte:

"A  PCC é uma modalidade terapêutica desenvolvida a partir dos princípios de aprendizagem e, posteriormente, da ciência cognitiva, conforme estabelecidos pela psicologia experimental. Seu objeto de interesse é o comportamento como tal e seus fatores determinantes, como condições ambientais e processos cognitivos específicos, e não supostos processos subjacentes. [...] Segundo a PCC, os comportamentos que uma pessoa apresenta evidenciam a ação de princípios científicos do comportamento desenvolvidos pela psicologia experimental especialmente no campo da aprendizagem, da psicologia cognitiva e do estudo das emoções, além de conhecimentos gerados nas áreas de psicologia social, psiquiatria, psicologia clínica, desde que experimentalmente validados. Estes princípios estabelecem que o comportamento humano é grandemente determinado por suas relações com o ambiente atual e pela mediação cognitiva." (RANGÉ, 1998, p. 35).

Interessante notar que a citação acima é retirada de um artigo intitulado "Psicoterapia Comportamental", artigo em que o autor deveria apresentar a psicoterapia comportamental ao invés de tecer considerações sobre o que chama de PCC. A questão é que o termo comportamental é tão genérico que se faz necessário elucidar que referências teóricas são adotadas quando se fala de terapia comportamental, por isso este texto em diversos momentos sublinhou que a terapia comportamental do qual está se falando é aquela orientada pelos princípios teóricos e filosóficos do Behaviorismo Radical, e que isso fique bem claro.

Fica claro na citação de Rangé (1998) que os cognitivistas entendem os processos cognitivos como fatores determinantes na ocorrência do comportamento, e sublinham que estes são os fatores mais importantes a serem considerados. Os processos cognitivos, como crenças e mapas cognitivos vão mediar a ocorrência do comportamento, e a atuação do terapeuta deve visar a modificação destes processos, e sem que isso seja feito não há alterações no comportamento. Os terapeutas cognitivos até adotam a utilização de técnicas de modificação de comportamentos oriundas da análise do comportamento e das teorizações do Behaviorismo Radical, mas para eles estas técnicas apenas dão um suporte para que comportamentos sejam influenciados, pois a verdadeira mudança é aquela que decorre das alterações em processos cognitivos. Por causa da utilização destas técnicas é que fazem uso das denominações cognitivo e comportamental simultaneamente.

Talvez o leitor esteja se perguntando, mas o trabalho de terapeutas cognitivos-comportamentais não produz resultados? Isso é difícil de ser refutado. Realmente há resultados, mas isso é explicável. Qualquer terapia a princípio pode produzir resultados, até mesmo terapias de orientação psicanalítica. Ainda que não se adote o comportamento como foco da intervenção e sim as ficções mentalistas, durante o trabalho terapêutico são arranjadas contingências de reforço que levam a mudanças comportamentais, todavia, estas contingências são arranjadas acidentalmente, ou seja, o planejamento delas não ocorre da mesma forma como na terapia comportamental de orientação behaviorista radical.

A terapia psicanalítica nem é um bom parâmetro de comparação, pois nesta não há nenhum planejamento, e se surgem contingências que produzem modificações comportamentais, estas são um produto do mero acaso. Já na chamada terapia cognitivo-comportamental há algum planejamento, ainda que este não atue diretamente sobre o comportamento, pois o foco da intervenção são os processos cognitivos. Todavia, a postura mais ativa do psicoterapeuta potencializa as chances de que sejam arranjdas contingências que gerem mudanças comportamentais, e certamente a valorização da relação terapêutica, algo que os terapeutas comportamentais-cognitivos levam bastante a sério, cria circunstâncias que favorecem a mudança de comportamentos.

Mesmo que eles atuem sobre processos cognitivos, que na verdade são exemplos de comportamentos, acabam atuando sobre variáveis importantes e que levam a mudanças comportamentais. Crenças, que são exemplos de mapas cognitivos que influenciam a percepção da realidade, de acordo com os cognitivistas, são na verdade exemplos de descrições de contingências (regras) geradas por operantes verbais. Se as crenças são modificadas, ou seja, se os operantes verbais que controlam a emissão de outros comportamentos são modificados, é de se esperar que esses outros comportamentos também se modifiquem. Ao menos no que tange a probabilidade de emissão estes comportamentos serão modificados, pois sendo as regras estímulos discriminativos que sinalizam a ocorrência de determinados reforços, a sinalização atuará como fator no aumento ou diminuição da probabilidade de que certos comportamentos ocorram.

Logicamente que a modificação de regras não é suficiente, pois estas também são comportamentos, e por sua vez estes comportamentos são produto de outras contingências de reforço. Regras se alteram quando são modificadas as contingências de reforço que as originam. Então, o foco da intervenção devem ser as contingências de reforço que produzem as regras, as contingências arranjadas pelas regras e o controle exercido por elas na emissão de certos comportamentos e as outras contingências que junto com as regras também afetam o comportar-se.

Portanto, a adoção deste ou daquele modelo teórico acaba levando a modos diversos de atuação. Se trabalho com crenças, vou procurar atuar sobre variáveis intermediárias, o que na prática é um exercício de mentalismo. Atuando sobre variáveis intermediárias posso até conseguir alguma mudança, pois acidentalmente contingências de reforço podem ser criadas, contingências que produzem modificações comportamentais. Mas se trabalho com contingências de reforço ao invés de crenças ou mapas cognitivos, atuarei diretamente sobre aquelas variáveis relevantes para que ocorram mudanças comportamentais efetivas, e neste caso as mudanças não serão um produto acidental do processo psicoterápico.

Por conseguinte, encontramos no Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento os meios necessários para que deliberadamente planejemos contingências de reforço que levem a mudanças comportamentais efetivas, sem que seja necessário fazer referência à conceitos que ao invés de representarem um avanço, são uma espécie de retorno ao mentalismo.

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REFERÊNCIAS:

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e behaviorismo radical. In: RANGÉ, B. (Org.).
Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática,  aplicações e problemas.  2. ed.  Campinas: Editorial Psy, 1998. p. 27-34.

MATOS, M. A. Com o que o Behaviorista Radical trabalha?. In: BANACO, R. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitivista. 2 ed. Santro André: ARBytes, 1999, p. 45-53.

RANGÉ, B. Psicoterapia Comportamental. In: RANGÉ, B. (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva: pesquisa, prática,  aplicações e problemas.  2. ed.  Campinas: Editorial Psy, 1998. p. 27-34.

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.


SKINNER, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1993. 
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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Desinstitucionalização do “doente mental”: algumas reflexões a partir do Behaviorismo Radical

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Desinstitucionalização do “doente mental” é um tema que vem sendo amplamente debatido na sociedade brasileira desde o final da década de 1970. O fim desta década foi marcante para que o movimento de substituição dos tratamentos manicomiais por outros modelos de tratamento ganhasse força. Isso aconteceu principalmente por causa da visita do psiquiatra italiano Franco Basaglia ao Brasil no ano de 1979. Neste ano Basaglia visitou o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil na época, hospital situado na cidade mineira de Barbacena.

                                                       Franco Basaglia

Entre os mineiros é comum dizer que todo “doido” vem de Barbacena. Barbacena recebeu esta fama por causa das atrocidades que foram cometidas no Centro Hospitalar Psiquiátrico visitado por Basaglia. Além deste centro Barbacena tem também um hospital psiquiátrico judiciário, vulgo manicômio judiciário. Durante décadas o tratamento dispensado aos pacientes internados no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena foi o mais desumano possível. Veja fotos abaixo:







Somente depois da visita de Basaglia e de uma série de reportagens feitas pelo repórter Hiram Firmino, para o Jornal Estado de Minas em 1980, que a situação começou a mudar. Até então o Centro Hospitalar era um depósito de “loucos”, tanto que as reportagens de Hiram Firmino se transformaram num documentário que recebeu o título de “Nos Porões da Loucura”. Porões é um termo bastante sugestivo, pois lembra um lugar escuro, geralmente úmido e mofado. Esta era a realidade do Centro Hospitalar naquele momento histórico, ou seja, era um lugar muito semelhante ou pior do que um porão.

Não restam dúvidas que a visita de Basaglia e a investigação de Firmino exerceram contracontrole sobre o modelo de tratamento manicomial adotado até então em Barbacena e em todo Brasil. Contracontrole são aqueles comportamentos que agem sobre certa fonte de estimulação aversiva tentando eliminá-la. Por exemplo, o sindicato que organiza uma manifestação para reivindicar aumento salarial exerce contracontrole sobre os patrões, pois está tentando eliminar a fonte de estimulação aversiva proporcionada pelos baixos salários, pelas condições de trabalho sub-humanas e pela ausência de valorização profissional. Comportamentos de contracontrole são mantidos por reforçamento negativo, pois são reforçados pela remoção da fonte de estimulação aversiva.

Voltemos a Basaglia e Firmino. A visita do pai da Reforma Psiquiátrica ao Brasil e o documentário de Firmino expuseram na mídia a degradante situação dos hospitais psiquiátricos brasileiros, colocando, sobretudo, em xeque a eficácia dos tratamentos baseados num modelo hospitalocêntrico e manicomial. Hospitalocêntrico porque toma os hospitais como a instituição central no tratamento de pessoas portadoras de sofrimento “mental” e manicomial porque adota como estratégia a internação antes de considerar outras possibilidades de tratamento.

A exposição na mídia deixou os governantes em uma saia justa. Alguma coisa precisava ser feita. Somado a tudo isso, o país no início da década de 1980 vivia o processo de redemocratização, e em meio a esse processo lutava-se pela construção de um Estado Bem-Estar Social que oferecesse saúde, educação e outros serviços públicos de qualidade à população. Então os movimentos sociais que encabeçaram a luta pela redemocratização e pela construção de um Estado de Bem-Estar Social também tiveram um papel importantíssimo, pois intensificaram o contracontrole exercido sobre o Estado brasileiro. É sabido que o resultado de toda esta luta foi a Constituição de 1988, conhecida como a constituição cidadã, uma vez que ela reconhece muitos direitos dos cidadãos que até então não eram reconhecidos, obrigando, desta forma, o Estado a oferecer as condições para que estes direitos fossem cumpridos. Entres estes direitos estavam o acesso a saúde pública, inclusive o acesso a políticas públicas de saúde mental.

                                                  Movimento "Diretas Já"

Então a reforma do modelo de assistência psiquiátrica brasileiro é produto de muito contracontrole, contracontrole que criou as condições necessárias para que o panorama da assistência aos “portadores de sofrimento mental” se modificasse, como também criou as condições para a promulgação da constituição de 1988. Outras mudanças foram alcançadas por este contracontrole, mas estas não vêm ao caso no momento. O que importa é compreender que boa dose de contracontrole foi necessário para que muitas coisas se modificassem.


Fato é que muita coisa se modificou na assistência prestada aos “portadores de sofrimento mental”. Importante ressaltar quais foram e continuam sendo os pilares que sustentaram e sustentam estas mudanças. Muitos avanços foram conseguidos graças a estes pilares, mas por outro lado eles impõem sobre a assistência em saúde mental limitações que impedem que estas mudanças sejam ainda mais profundas.

O trabalho de Basaglia foi um destes pilares. Franco Basaglia é o criador da reforma psiquiátrica, movimento que lutou durante a década de 1960 na Itália pelo fim dos manicômios, propondo como meio para tratamento dos “portadores de sofrimento mental” os centros comunitários em saúde mental. A principal bandeira do movimento reformista iniciado por Basaglia é a extinção do tratamento manicomial, pois este promovia a institucionalização do paciente. Por institucionalização se entende o processo pelo qual os internos dos manicômios se tornam dependentes das instituições em que estão internados, o que ocasiona o rompimento dos vínculos familiares e sociais, fazendo que estes internos percam a capacidade de dirigirem suas próprias vidas, ou seja, fazendo com que eles se tornem uma espécie de extensão destas instituições. A crítica ao manicômio e ao modelo de tratamento por ele proposto, é que o paciente é transformado em uma espécie de autômato, impedindo-o de construir uma vida mais saudável.

Os centros comunitários em saúde mental foi a alternativa proposta. São centros inseridos na comunidade de onde vem o “doente”, o que possibilita a manutenção dos vínculos familiares e sociais (comunitários), impedindo desta forma a institucionalização. Evitam-se as internações, e elas ocorrem somente quando for realmente necessário e se possível em leitos de hospitais gerais. Apregoa-se a necessidade de continuar mantendo o “doente” no seio de sua família. Os CAPS (Centros de Assistência Psicossocial) são inspirados neste modelo de tratamento proposto pelos centros comunitários em saúde mental.


A crítica do movimento reformista ao modelo hospitalocêntrico manicomial tem forte inspiração na obra de Foucault. Como se sabe Foucault dedicou boa parte de sua obra ao estudo dos sentidos atribuídos à “loucura” ao longo da modernidade, ou seja, ao longo do período que vai desde o final da idade média até o nascimento da psiquiatria no séc. XIX. Foucault é então o outro pilar do movimento reformista.

Foucault dedica especial atenção às instituições asilares, às instituições que foram utilizadas para promoverem a exclusão social durante toda a modernidade. Uma destas instituições é o manicômio. O manicômio foi criado para promover uma espécie de higienização urbana, para limpar as cidades daqueles que geravam algum tipo de incômodo, e entre estes estavam os “lunáticos”. A princípio não foram criados com o intuito de tratarem os “loucos”, mas apenas de exclui-los do convívio social. Mais tarde a psiquiatria ao longo do séc. XIX quando do seu nascimento, acaba por transformar o manicômio em seu laboratório.

                                                        Michel Foucault

Se antes do nascimento da psiquiatria o “louco” foi preso dentro do manicômio para que fosse promovida uma higienização urbana, após o nascimento desta especialização médica ele continua preso, mas agora para ser tratado. A psiquiatria confere ao trancamento do “louco” um status “científico”. Mas, ainda, assim, o “louco” continua trancafiado. Continua operando a lógica do trancamento do “louco”, e associada a esta lógica está a ideia da periculosidade. A ideia da periculosidade foi sendo gestada ao longo de toda a modernidade, e continua se fazendo presente mesmo depois do nascimento da psiquiatria. A psiquiatria moderna, de acordo com Foucault, é herdeira de todas as práticas sociais relacionadas à “loucura” ao longo da modernidade, e continua repetindo na essência os mesmos rituais de exclusão, mas a exclusão promovida pela psiquiatria do séc. XIX se faz em nome da ciência.

                                                         "Louco" perigoso?

Este modelo de tratamento persistiu até meados do séc. XX quando estourou a reforma psiquiátrica na Itália. Em outros lugares do mundo também surgiram outras propostas de reformas, mas um dos modelos que mais se popularizou foi o italiano, modelo que tem forte inspiração foucaultiana. E baseado na crítica de Foucault às instituições asilares, instituições que tiveram uma função higienista, a reforma de Basaglia, que serviu de modelo à reforma brasileira, acaba por questionar o modelo manicomial, propondo como alternativa centros descentralizados inseridos na comunidade de origem do “portador de sofrimento mental”, mantendo-o desta forma próximo às suas raízes, o que contribui para preservar os laços familiares e sociais, evitando, assim, a institucionalização. Trata-se de um modelo de tratamento que busca a desinstitucionalização. Ao se alcançar a desinstitucionalização, espera-se romper com todos os estigmas que rondam a “loucura”.

A ideia é muito simples. Inserindo de volta na família e sociedade o “doente”, todos perceberão que este pode viver em sociedade enquanto se trata, e que, sobretudo, ele não é perigoso. Desta forma, rompe-se com o estigma da periculosidade e todos os outros estigmas associados a este. No entanto, há uma radicalização do ideal anti-manicomial que sustenta o movimento reformista brasileiro, movimento de inspiração basagliana. Leva-se ao extremo a ideia da extinção dos leitos psiquiátricos e hospitais psiquiátricos públicos.

Há casos em que as internações são extremamente necessárias, e que precisam ser feitas em instituições psiquiátricas, pois estas são as instituições preparadas para este fim. Há casos que a internação quando feita em leitos de hospitais gerais acaba acarretando em transtornos para tais instituições, pois elas não estão preparadas para esse fim, e muitas delas não contam nem mesmo com alas psiquiátricas para prestarem um atendimento mais especializado.

Extinguir os leitos psiquiátricos é uma temeridade. É aqui que o Behaviorismo Radical pode dar sua contribuição. O Behaviorismo Radical nos oferece a análise funcional do comportamento, instrumento de análise extremamente importante, capaz de nos dar embasamento para decidirmos que casos precisam ou não de internação. É necessário criar instituições psiquiátricas com uma estrutura preparada para promover a análise funcional de cada caso.

Esta estrutura precisa se fazer presente tanto em hospitais psiquiátricos públicos, quanto nos serviços substitutivos como o CAPS. Ou seja, precisa se fazer presente em todos os níveis de complexidade da assistência aos “portadores de sofrimento mental”. Precisamos de instituições assistenciais em saúde mental que sejam funcionais, que estejam preparadas para discernirem em que casos é necessária a internação e em que casos ela não precisa acontecer. O “mal” que precisa ser atacado é o modelo manicomial, mas isso não precisa implicar em extinção dos hospitais psiquiátricos. Se os hospitais psiquiátricos estiverem equipados para serem funcionais e para promoverem a análise funcional de cada caso, eles não precisam ser extintos, pois há casos em que eles são extremamente necessários. Há casos em que o tratamento é inviável sem que exista uma estrutura especializada encontrada somente nos hospitais psiquiátricos. O que deve ser revertida é a lógica manicomial, o que não implica em extinção dos hospitais psiquiátricos públicos ou em diminuição radical de leitos nos mesmos.

                                                       Lógica Manicomial

Análise funcional é o que as instituições psiquiátricas precisam para funcionarem bem, para promoverem a desinstitucionalização do “doente mental”. Levada a cabo com todo o seu suporte teórico, a análise funcional coloca em xeque ainda a concepção de “doença mental”, pois nos faz entender que todo comportamento por mais estranho que possa parecer, é comportamento modelado pelas contingências de reforço. E embora muitos quadros como a esquizofrenia não sejam completamente entendíveis, ou seja, não tenham suas causas devidamente elucidadas, ainda, assim, é possível empreender uma análise funcional dos comportamentos comuns a estes quadros. No caso da esquizofrenia, por exemplo, pode se analisar funcionalmente comportamentos como delírios e alucinações, e a partir de uma boa análise funcional se programar a modelagem destes comportamentos, de modo que eles não produzam grandes interferências na vida social do sujeito.

Se é possível modelar alucinações e delírios a partir da realização de uma boa análise funcional, por que não proceder desta maneira? Mas muitos se opõem a este tipo de intervenção por considerarem que ela age sobre “sintomas”. Mais tarde o sintoma seria substituído por outro, conforme advogam os defensores das abordagens psicodinâmicas. Se o sintoma é o problema, por que não eliminá-lo? No entanto, o Behaviorismo Radical não trabalha com esta distinção entre sintoma e doença. Sintoma é comportamento, e é ele que precisa ser mudado. No fim das contas não há sintomas, pois não há doenças, mas sim comportamentos que precisam ser modificados a partir da alteração das contingências de reforço, comportamentos que produzem desconfortos e tais desconfortos serão eliminados quando os comportamentos forem alterados.


A verdadeira desinstitucionalização passa pelo questionamento do conceito de “doença mental”. Há doença mental? De um ponto de vista behaviorista radical não há doença mental, mas sim comportamentos selecionados e mantidos por certas contingências de reforço. Por isso ao longo do texto termos como “doença mental” e outros foram colocados entre aspas, pois estes não fazem sentido se entendermos que não existe doença, mas sim comportamentos a serem modificados. A verdadeira desinstitucionalização passa por uma mudança na forma de se pensar o tratamento dispensado às pessoas, que apresentam determinados quadros psiquiátricos, quadros que precisam de cuidados mais especializados. Ao invés de se pensar o tratamento a partir da dicotomia saúde versus doença, por que não pensá-lo em termos de contingências de reforço? Pensando assim não há porque falar em doença, o que acaba removendo um obstáculo, pois não sendo mais um doente o portador de certos quadros psiquiátricos não precisará mais ser temido, ficando seu tratamento condicionado a realização de uma boa análise funcional, análise que indicará a condução mais adequada ao caso, apontando inclusive em que nível de complexidade da rede de assistência em saúde ele deverá ser atendido (CAPS, Hospitais etc).

Criar serviços substitutivos como CAPS é uma boa alternativa. Mas não precisamos ficar atacando moinhos como Dom Quixote, ou seja, se a criação de serviços substitutivos é um avanço, pois aproxima o “doente” de suas origens e o insere na sociedade, por outro lado a vigência deste modelo não implica em um completo fim dos Hospitais Psiquiátricos Públicos ou numa redução drástica de leitos psiquiátricos. Extinguir os leitos e hospitais é atacar o problema errado, ou seja, é lutar contra moinhos. O problema é de outra ordem: a reversão da lógica manicomial que interna sem critérios. Da mesma forma que internar sem critérios é extremamente prejudicial, deixar de internar casos em que a internação se faz necessária também o é.


A demonização do hospital psiquiátrico em nada contribui para a reversão da lógica manicomial, pois esta pode continuar operando dentro dos serviços substitutivos, bastando para isso que se amarre o sujeito quimicamente e não necessariamente com uma camisa de força, impedido assim, a realização de um efetivo trabalho de modificação das contingências responsáveis pelos comportamentos que ocasionam todo o sofrimento. Promover o tratamento baseado num modelo assistencial dicotomizado entre saúde e doença, é correr o risco de deixar de olhar para as contingências que mantêm os comportamentos que produzem sofrimento.

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