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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Teologia da Prosperidade: contingências que conquistam fiéis

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O que motiva a confecção deste texto é algo que me aconteceu por esses dias. Vasculhando a TV em busca de um programa assistível, deparei-me com algo bastante curioso, para não dizer temeroso. É sabido que cada vez mais as igrejas de um modo geral têm aderido aos meios de comunicação de massa, pois estes meios são bastante eficazes na conquista de novos fiéis. Mas para que a conquista possa de fato ocorrer, o produto ofertado ao telespectador deve ser bastante atraente. Em outras palavras, o produto deve ser bastante reforçador!

Ao vasculhar a TV parei em um destes programas evangélicos. Advinhem quem estava pregando? O pastor proprietário de uma das maiores redes de televisão do país. Isso mesmo, o "Bispo" Edir Macedo. Me chamou a atenção a pregação utilizada pelo Sr. Edir, digo senhor porque ele já é um homem maduro, um homem de idade razoavelmente avançada, e que por isso merece o meu respeito. Aprendi com meus pais que devemos respeitar as pessoas mais maduras, por isso ao Sr. Edir o meu respeito.

Respeito-o por seus cabelos brancos, mas me causa estranhamento a estratégia utilizada na captação de novos fiéis. Dizia o Sr. Edir que a igreja estava fazendo uma campanha. Num determinado dia o fiel deveria colocar num envelope uma quantia em dinheiro. Junto com o dinheiro devia colocar também a foto de alguém que precisava de uma grande graça de Deus, seja uma graça no âmbito da saúde, ou uma graça no âmbito financeiro. Então nesta lista entram doentes e endividados.

Mas o bispo não parou por aí. Ele foi além, e, sobretudo, foi enfático ao dizer que quanto maior fosse a doação maiores seriam as chances de que a graça fosse alcançada. É a mercantilização da fé sendo utilizada como estratégia para cativar novos fiéis, algo disseminado no Brasil desde a década de 1980 quando chegou em terras tupiniquins a teologia da prosperidade.

O Brasil é um importador de bens materiais e culturais norte-americanos. A teologia da prosperidade é um bem cultural importado. Ela nasce nos EUA no inicio do século XX, e na essência ela diz que ao fiel é reservado o direito à prosperidade. Mas inevitavelmente temos que questionar: prosperidade de quem, dos fiéis ou das igrejas? O que se vê é um crescimento vertiginoso das igrejas que utilizam a teologia da prosperidade como meio para conquistar novos fiéis. O patrimônio destas igrejas já passou da casa dos milhões há décadas. Grandes templos são construídos com uma facilidade inimaginável.

Prosperidade de quem? Certamente o Sr. Edir não pode reclamar de sua conta bancária, ele e tantos outros disseminadores da teologia da prosperidade. Mas por que a teologia da prosperidade enquanto estratégia para cativar novos fiéis acaba funcionando? Porque ela cria poderosas contingências de reforçamento positivo. Se durante muitos anos fiéis iam às igrejas para fugirem do inferno e para ganharem o paraíso, punições e recompensas utilizadas para a manutenção dos comportamentos de ir à igreja e professar os seus ensinamentos, agora eles vão para obterem ainda nesta vida recompensas materiais.

O leitor vai concordar que entre recompensas que podem ser obtidas nesta vida e aquelas que só podem ser desfrutadas num porvir, as obtidas nesta vida são muito mais atraentes, portanto, as igrejas que forem capazes de oferecê-las aumentam exponencialmente sua capacidade de conquistar novos fiéis, e consequentemente aumentam também sua arrecadação do dízimo, engordando, assim, a conta de pastores inescrupulosos.

Recompensas materiais são muito mais fascinantes (reforçadoras) que possíveis recompensas espirituais. Num mundo marcado pela concorrência as igrejas se transformaram em poderosos nichos de mercado. Para vencer a concorrência é necessário oferecer ao fiel (consumidor) um produto agradável (reforçador). Quer um produto mais agradável do que a prosperidade no âmbito da saúde ou das finanças?

As igrejas estão cada vez mais se adaptando à logica do capitalismo. Elas passaram a oferecer recompensas materiais, recompensas que podem ser desfrutadas ainda em vida, sem que seja necessário esperar por promessas de recompensas espirituais que venham se concretizarem numa outra vida. E o esquema por trás destas promessas de recompensas materiais geralmente é o de razão variável, quando mais o fiel doa, mais ele aumenta as possibilidades de receber.

Agora imaginemos uma situação fictícia. O cara está endividado e precisa resolver seus problemas financeiros. Ele começa a frequentar a igreja e pagar seu dízimo. Vez ou outra, ou vez em sempre participa das campanhas de doar dinheiro para a igreja. Se esse cara anteriormente gastava todo seu orçamento com muita farra, consumindo excessivamente, etc, para conseguir pagar seu dízimo em dia ele começa a abandonar a antiga vida. Ele deixa de farrear e consumir excessivamente. Com isso o dinheiro começa a sobrar todo mês. Sobrando é possível fazer uma economia e conseguir saldar as dívidas. É uma questão de contingências de reforço, ou seja, se o sujeito mudou seus hábitos, inevitavelmente os resultados serão diferentes daqueles obtidos com o estilo de vida que tinha anteriormente.

Mas isso acaba fortalecendo as contingências criadas pela teologia da prosperidade, pois o cara acaba pensando: "quanto mais eu doar, mais eu vou receber". Ora, vejam aí o esquema de reforçamento de razão variável produzindo os seus resultados... O resultado produzido é a regra que passa a governar diversos comportamentos do fiel, a regra da graça que é proporcional à doação. No final a prosperidade é de quem? Das igrejas ou dos fiéis? Fica a pergunta...

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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Jogos de Azar: uma breve reflexão sobre os esquemas de reforçamento

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Neste domingo (01/04/2012) o Fantástico exibiu uma reportagem sobre bingos clandestinos na cidade de São Paulo. A reportagem é no mínimo interessante, pois nos coloca diante uma questão que merece reflexão: por que mesmo perdendo, ou ganhando muito pouco ou quase nada, as pessoas continuam apostando o que têm ou o que não têm em máquinas caça-níqueis e/ou em jogos de azar? Pode-se creditar à sorte ou ao azar o comportamento de continuar apostando mesmo quando não se ganha nada ou se ganha muito pouco? Abaixo segue o vídeo da reportagem:


O que chama atenção na reportagem é o caso de uma apostadora que gastou 2 milhões de reais e ficou com uma dívida que gira em torno de 600 mil reais. Esta pessoa não poderia ter parado de jogar antes de contrair uma dívida tão vultosa? Será que ela não percebeu que estava perdendo mais do que ganhava? Sim, ela percebeu, mas quando percebeu já era tarde demais. Quando percebeu já havia contraído uma dívida de 600 mil reais. 

Seria muito simplista creditar à sorte ou ao azar o fato desta pessoa ter adquirido uma dívida tão alta. Também não se trata de nenhuma doença que leva à compulsão de jogar. Nem muito menos tem relação com sistemas de recompensa cerebrais que produzem sensações de prazer quando ativados. O que está em jogo é o esquema de reforçamento que opera nas máquinas caça-níqueis.

Mas antes tratemos de esclarecer o que é um esquema de reforçamento. Seria melhor transpor o conceito para o plural e falar de esquemas de reforçamento. Já sabemos o que é reforçamento, pois este é um conceito que já foi explorado em outros posts. Reforçamento diz respeito ao processo através do qual certos comportamentos são fortalecidos pelas consequências que o seguem. Estes comportamentos são chamados operantes. Ver post sobre Condicionamento Operante (clique aqui).

As consequências que seguem o comportamento podem ocorrer de diferentes maneiras:
(1) Podem seguir o comportamento todas as vezes que ocorrer.
(2) Podem seguir o comportamento depois de decorrido um tempo.
(3) Podem seguir o comportamento depois que for emitido uma quantidade de vezes.

Esquemas de reforçamento dizem respeito as formas de ocorrência das consequências, ou seja, de apresentação dos reforços. No caso (1) temos o que é chamado de esquema de reforçamento regular. Regular porque todas as vezes que o comportamento ocorrer ele será reforçado. Todas as vezes que olharmos para o nosso relógio de pulso iremos ver as horas, imaginando é claro que o relógio esteja funcionando e não precise trocar a bateria.

Comportamento reforçado regularmente tem uma frequência de emissão regular. No entanto, é menos resistente à extinção. Ou seja, se suspendido o reforço o comportamento entrará em extinção mais rapidamente que outros comportamentos reforçados de acordo com outros esquemas. Isso equivale a dizer que uma pessoa que teve uma história em que certos comportamentos foram reforçados regularmente, provavelmente será menos resistente à frustração. Quando os reforços são suspensos esta pessoa tem maior probabilidade de agir com agressividade, com ataques de nervosismo, ansiedade, angústia etc.


Se todas as vezes que olhamos para o relógio ele está funcionando, e se voltarmos a olhar ora ele funciona e ora ele não funciona, talvez possamos sacudi-lo para funcionar, se isso não der certo podemos talvez bater nele levemente, se as batidas leves não derem resultado algum podemos bater um pouco mais forte, e se ainda sim não der certo e não houver a possibilidade de trocar imediatamente a bateria provavelmente começaremos a xingar. A suspensão do reforço produziu uma operação de frustração, esta cria a ocasião para o comportamento de xingar.  Logo o comportamento de olhar para o relógio irá se extinguir, e certamente iremos tirá-lo do braço e o guardaremos em alguma gaveta até que tenhamos a oportunidade de trocar a bateria. Portanto, esquemas de reforçamento regular produzem comportamentos menos resistentes à extinção e pessoas menos resistentes às frustrações.

Nos casos (2) e (3) temos o que são chamados de esquemas de reforçamento intermitente. Isso quer dizer que o comportamento não é reforçado todas as vezes que ocorre, ou seja, é reforçado intermitentemente. No caso (2) temos os esquemas conhecidos como esquemas de intervalo. Estes se dividem em dois tipos: esquemas de intervalo fixo e esquemas de intervalo variável. A característica dos esquemas de intervalo é que o reforço segue o comportamento somente depois que decorrer um determinado intervalo de tempo.

No esquema de intervalo fixo o reforço segue o comportamento depois de um tempo fixo. Na nossa cultura os dias de descanso são semanais, aos sábados e domingos, ou seja, o reforço “descanso” ocorre de modo fixo, em intervalos semanais. Neste tipo de esquema o organismo que se comporta é mais produtivo quando se está aproximando o tempo em que o reforço será liberado. Sentimo-nos mais empolgados quando estamos próximos do fim de semana e talvez até nos tornemos mais produtivos. Geralmente depois que se recebe o reforço o organismo entre em inatividade, e sua atividade vai aumentando novamente quando se aproxima o tempo para a liberação do reforço. Por isso se tem tanta dificuldade para se trabalhar na segunda-feira, pois tendo recebido o reforço no sábado e domingo, apresentamos pouca disposição para agir no início da semana. Nossa disposição vai aumentando quando vai aproximando a sexta-feira, e isso se vê claramente nas postagens do facebook para quem logicamente usa esse tipo de rede social. Geralmente se vê as pessoas postando: “sexta-feira minha linda, finalmente você chegou!”.


No esquema de intervalo variável o reforço segue o comportamento depois de um tempo que é variável. A vantagem é que ele contorna o problema do intervalo fixo que gera inatividade logo após a apresentação do reforço, pois a primeira resposta depois do estímulo reforçador tem probabilidade de ser reforçada, e isso mantem o organismo que se comporta mais ativo. O comportamento mantido sob este esquema é geralmente mais estável e produtivo. Nunca se “sabe” ao certo quando o reforço virá, por isso o organismo se mantém ativo. O pescador que passa horas sem pegar nada e que de vez em quando apenas sente algumas pequenas puxadas em sua vara de pescar, é o exemplo de como reforço em intervalo variável pode gerar comportamento estável e resistente à extinção. O pescador fica horas pescando a despeito da quantidade de peixes que pega, e ainda sim não perde a paciência com facilidade. Seu comportamento é mantido por reforçamento em intervalo variável, pois pode variar o tempo em que fisgadas e puxões na vara são apresentados. Como o esquema em intervalo fixo este esquema também produz comportamento resistente à extinção. Aliás, esta é uma características dos esquemas de reforçamento intermitente, todos produzem de alguma maneira comportamento resistente à extinção.


No caso (3) temos os esquemas de razão, que são de dois tipos: razão fixa e razão variável. A característica destes esquemas é que o reforço é apresentado depois que determinado comportamento ocorrer uma quantidade de vezes. Na razão fixa uma quantidade fixa de ocorrências do comportamento é determinante para a apresentação do reforço. O pagamento por peça produzida em indústrias ilustra este tipo de esquema. Paga-se uma quantidade monetária a cada tanto de peças que são produzidas. Este esquema gera comportamentos muito resistentes à extinção, comportamentos que ocorrem em taxas elevadas de frequência. Pode-se elevar a taxa de frequência de determinado comportamento sem se alterar a quantidade de reforços. Na indústria, por exemplo, o trabalhador começa ganhando um determinado valor por um número de peças produzidas. O empregador pode aumentar a quantidade de peças sem alterar significativamente o valor monetário recebido por unidade de produção, o que aumenta a produtividade sem aumentar de modo significativo os custos, e como consequência se tem um aumento nas margens de lucro. Logicamente que o modo de usar este de tipo de esquema precisa ser bem pensado, pois ele pode gerar “esgotamento” no organismo que se comporta, uma vez que se pode aumentar demais a quantidade de ocorrências do comportamento sem se alterar significativamente a quantidade de reforços, o que provoca uma atividade intensa, mas que por outro lado acaba provocando também uma grande quantidade de “estresse”.


Como no intervalo fixo o esquema de razão fixa gera inatividade depois da apresentação do reforço. Um vendedor depois de bater sua meta sente-se temporariamente satisfeito, mas por outro lado vem o desânimo de começar tudo outra vez para batê-la novamente. Mas quanto mais ele se aproxima de batê-la, mais se sente motivado a cumpri-la. O esquema de razão variável corrige este problema do esquema de razão fixa, ou seja, o problema da inatividade após a apresentação do reforço. O raciocínio é semelhante ao esquema de intervalo variável, pois a primeira resposta depois do reforço tem probabilidade de ser reforçada, ou seja, nunca se sabe quando o reforço será apresentado, o que acaba mantendo um bom nível de atividade.


O que ocorre nas máquinas de caça-níqueis é que estas operam em um esquema de razão variável. O prêmio depende das apostas. Mas a questão é que para ganhar um prêmio irrelevante o apostador tem que realizar muitas apostas. Ele aposta muito e ganha muito pouco, mas acaba ganhando. O que ele ganha reforça o comportamento de apostar, comportamento que ocorreu diversas vezes para que o prêmio fosse produzido. No entanto, como se vê na reportagem, as casas de bingo clandestinos utilizam outros meios para o reforçamento dos comportamentos de apostar. Contam com um grupo de funcionários treinados para tratar bem os apostadores. Algumas casas de bingo até mesmo oferecem comida “gratuita”. Logicamente que a comida não é gratuita, pois esta é oferecida com base naquilo que a casa de bingo fatura, ou seja, o apostador acaba pagando por aquilo que ele acredita estar recebendo de graça.


Os esquemas de razão variável das máquinas geram comportamentos “compulsivos” de apostar cada vez mais. Por isso estas casas de jogos de azar precisam ser regulamentadas, pois utilizam esquemas de reforçamento que podem lesar o apostador, e geralmente eles são lesados. Muitos se endividam. Até mesmo precisam de tratamento posterior para se livrar dos efeitos destes esquemas de reforçamento.

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