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quarta-feira, 29 de maio de 2013

Da Topografia à Função do Comportamento: Pichon-Rivière e a Psicologia Social

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Topografia e função são dois conceitos que já nos são conhecidos. Eles já foram citados e definidos em outros textos neste blog. Mas vamos retomá-los brevemente na tentativa de demonstrar como o mentalismo costuma se ater apenas às descrições das topografias dos comportamentos, deixando de lado aquilo que é mais importante, que é a função, algo que pode ser evidenciado na medida em que são elucidadas as contingências de reforço responsáveis pela emissão e manutenção de um dado comportamento. Para darmos conta daquilo que se propõe, elegemos Pichon-Rivière como o nosso exemplo. 

Primeiro procuremos esclarecer quem é Pichon-Rivière. Pichon para os íntimos (Rs!), é um dos mais ilustres representantes da Psicologia Social. O que é a Psicologia Social? É uma das áreas de atuação do profissional da Psicologia, área que articula conhecimentos oriundos da Psicologia e das Ciências Sociais, tentando demonstrar que o homem é muito mais do que um ser individual moldado por "forças psicológicas", sendo também um ser social que sofre extensa influência dos contextos sociais em que transita, ou mais especificamente é um ser social que sofre forte influência dos grupos a que pertence.

Existe na Psicologia Social uma preocupação em desvendar como os grupos funcionam, pois há um entendimento implícito que a realidade social é composta pela interação dos diferentes grupos que formam os diversos segmentos desta mesma realidade. O entendimento a respeito do funcionamento dos grupos levaria a um entendimento das diversas realidades sociais. Por isso toda uma insistência em tentar entender as leis que estão por trás do funcionamento dos grupos. No entanto, estas "leis" acabam caindo em descrições das topografias dos comportamentos das pessoas quando estão interagindo em situações grupais, e tais descrições costumam ser agrupadas sob rótulos que teriam por função especificar os tipos de papéis sociais que normalmente são assumidos no interior dos grupos.

Então, parte-se do pressuposto que existem papéis que são "encenados" quando se está interagindo em um grupo. Estes papéis são o produto de um conjunto de forças inferidas a partir da execução dos mesmos, forças de origem mental que obscurecem as contingências de reforço responsáveis pelos comportamentos das pessoas que estão interagindo com outras em situações grupais. Pichon-Rivière fala de três forças, e a forma com que estas se manifestam são determinantes para a maneira como as pessoas encenam os seus papéis no interior do grupo.

Elas são: o Depositado, o Depositário e o Depositante. Juntas as três forças formam a dinâmica dos 3 D's, e por sua vez esta dinâmica é determinante para a dinâmica dos grupos. Os leitores perceberão que há nestes conceitos um forte compromisso com as teorizações da Psicanálise. O depositado é aquilo que o grupo ou um dos seus membros não tem condições de assumir e deposita em alguém. O depositário é quem aceita o conteúdo depositado sobre si. Já o depositante é aquele que deposita. Que conteúdos são esses? Conteúdos afetivos de origem inconsciente, que se não forem interpretados continuarão sendo imperceptíveis para o grupo, mantendo, portanto, seus padrões de funcionamento, padrões que podem levá-lo a posturas que causem desconfortos para todos os seus membros. Padrões que podem manter a rigidez na encenação de certos papéis que prejudicam o funcionamento global do grupo.

Será que não podemos identificar os 3 D's com os três termos da contingência de reforço? Se o depositado é o conteúdo que se deposita, poderia ele ser identificado, portanto, com o comportamento das pessoas. Quem deposita age de certa forma para depositar. O verbo depositar é apenas uma maneira de expressar que as pessoas agem de uma certa forma quando estão se relacionando. Elas expressam suas emoções, elas xingam, elas se divertem, elas sorriem, elas brigam etc. Esses são os conteúdos que são depositados, ou seja, no fim das contas estes conteúdos são comportamentos, e quando as pessoas se comportam os seus comportamentos têm efeitos umas sobre as outras. Em outras palavras, seus comportamentos têm consequências!

Imaginemos um episódio de relação entre o fulano A e o beltrano B. A diz que B é inteligente. B responde agradecendo. A depositou algo sobre B, melhor dizendo, ele agiu com relação a B. Para que isso acontecesse foi necessário B estar presente. B agiu como estímulo discriminativo estabelecendo a ocasião para A elogiá-lo. Talvez B tenha conseguindo resolver uma tarefa muito difícil e por isso A disse que ele era inteligente. O comportamento de B ao resolver a tarefa criou a ocasião para que A o elogiasse. Talvez fosse uma tarefa que o grupo como um todo não estava conseguindo resolver, então, não somente A reconheceu o esforço de B, mas talvez C e D tenham feito o mesmo. Talvez todo o grupo tenha seguido o exemplo de A, elogiando, portanto, o comportamento de B.

B ao agradecer o elogio de A, provê consequências para o seu comportamento de elogiar, ou seja, B reforça o comportamento de A. O depositário é equivalente ao ouvinte num episódio de interação verbal. Sua reação ao que ouve reforça os comportamentos do falante, e neste caso A é o falante. Os outros membros do grupo também podem agir como falantes em episódios de interação com B. Ao reagir ao comportamento de A, o sujeito B, apresenta consequências para os seus comportamentos, agindo, assim, como o outro termo das contingências de reforço, neste caso os consequentes. A seria os antecedentes, ou seja, sua presença e seu comportamento de elogiar são o contexto para B agradecer ao elogio, assim como a presença de B cria a ocasião para que A o elogie. Então, consequentes e antecedentes vão trocando de lugar na medida em que o episódio de interação se desenrola. Os antecedentes são equivalentes aos comportamentos do depositante, de quem deposita, de quem inicia o episódio de interação. Depositante e depositário vão trocando de lugar, em outras palavras, antecedentes e consequentes vão tendo suas funções alteradas na medida em que a interação entre os membros se desenrola. Importante notar que a descrição dos 3 D's é topográfica. Não há preocupação em especificar as condições responsáveis pela forma como os diversos conteúdos são depositados nos diferentes membros do grupo, pois a deposição em si é suficiente para identificar o tipo de papel que está sendo exercido. Mas é sempre bom lembrar que depositar é comportar-se em relação a algo ou a alguém, e tal comportamento é modelado e mantido pelas contingências de reforço.

Entendendo a relação entre os 3 D's, que é uma forma de designar os três termos das contingências de reforço, uma forma mais topográfica que funcional, passemos à análise dos papéis sociais citados por Pichon, que são: líder de mudança, líder de resistência, bode-expiatório, porta voz e representantes do silêncio. O líder de mudança é aquele que se arrisca em nome do grupo, chamando para si as responsabilidades pela mudança. A descrição é topográfica demais e não especifica as condições que motivam esse tal líder de mudança a agir assim. Ele está sendo pressionado por cobranças pontuais com relação ao cumprimento das tarefas do grupo? Essas tarefas criam a ocasião para que ele assuma tais responsabilidades? Ele age assim porque é reforçador receber elogios dos demais que reconhecem seu esforço? Vejam, as contingências é que moldam os comportamentos que estão sendo chamados de atitudes de um líder de mudança.

O líder de resistência, também chamado de sabotador, é aquele que costuma brecar os avanços do grupo, resistindo quase sempre às proposições do líder de mudança. Ele é uma espécie de antítese do líder de mudança. Talvez o lado negro da força. Ok, não resisti à comparação com Star Wars! (Rs!!!). As mesmas questões se aplicam ao sabotador. Que circunstâncias levam-no a sabotar os projetos do grupo. Ele está exercendo contracontrole? Ele não tem habilidades para acompanhar o desenvolvimento do grupo, então, age de forma a sabotar? Só as contingências poderiam esclarecer tais questionamentos.

O bode-expiatório é aquele sobre quem são depositadas as culpas do grupo. É o culpado pelos insucessos do grupo. O grupo o elege para se livrar de suas próprias culpas. Aqui a descrição fornece algumas pistas sobre as contingências que podem agir na determinação dos comportamentos de eleger alguém para se culpar. Culpar é uma forma de se esquivar. É mais fácil culpar o outro do que assumir os próprios erros. Agindo dessa forma o grupo talvez se esquive de certas tarefas desconfortáveis, evite certos controles aversivos. Punindo o comportamento de alguém o grupo evita o enfrentamento de certas situações aversivas. A eleição de um bode-expiatório pode indicar a existência de controle aversivo dentro do grupo.

O porta voz é o que fala em nome do grupo. É quem extravasa as ansiedades do grupo, ou seja, é quem as nomeia. Mais uma vez a descrição topográfica não fornece elementos suficientes para especificar as contingências que levem o porta voz a falar em nome do grupo. Muitas combinações de contingências podem levar a este comportamento, então, cada situação grupal deve ser analisa individualmente. Teorizações generalistas podem não se aplicar a situações tão individuais, por isso todo o cuidado é pouco na hora de se realizar uma boa análise funcional do funcionamento de um grupo, o que requer a análise dos comportamentos de seus membros em interação e das contingências de reforço que surgem destas interações.

Por último, os representantes do silêncio. Com o seu silêncio denunciam os ruídos no interior do grupo. Então, devemos nos perguntar: o que levam as pessoas a assumirem o silêncio como padrão de comportamento ao interagirem em situações grupais? Mais uma vez estamos diante de uma infinidade de contingências que podem ser responsáveis por essa forma de se comportar. E são estas contingências que devem ser analisadas para que os comportamentos dos membros de um grupo possam se tornar compreensíveis. Descrições topográficas podem gerar enganos que só serão elucidados com a análise das funções dos comportamentos das pessoas interagindo em situação grupal.

Há que se considerar que as contingências que modelam os comportamentos dos grupos são mais complexas, mas isso não se constitui em uma ameaça para o empreendimento de uma análise funcional desses comportamentos. Fugir pela tangente das descrições topográficas não é a saída! Encaremos que a análise funcional pode nos fornecer elementos essenciais para planejar novas formas de interação para os grupos. E porque não pensar que podem também fornecer elementos para o planejamento de novas culturas? Walden II não seria um bom exemplo?




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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Laranja Mecânica: uma análise comportamental

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O filme Laranja Mecânica conta a história de Alex, um jovem inglês que é líder de um grupo de deliquentes que cometem todos os tipos de horrores durante as madrugadas: espancamentos, brigas com grupos rivais, assaltos, estupros e até mesmo assassinato. Numa das investidas realizada pelo grupo durante uma madrugada, os companheiros de Alex armam contra ele, pois estavam cansados de sua liderança autoritária. Como o grupo só conhece a agressão, usam-na para dar uma lição em Alex.

Num assalto realizado em um hotel fazenda, Alex acaba assassinando a proprietária do hotel. Os companheiros de gangue atinjem-no com algumas garrafas de leite na cabeça, deixando-o inconsciente e transformando-o em um alvo fácil para a polícia que já havia sido acionada. Por ironia do destino a violência de Alex acaba se voltando contra ele, pois os liderados se rebelam e o destituem do poder usando os mesmos métodos coercitivos. Enfim, coerção gera coerção, e o filme Laranja Mecânica é muito claro neste sentido, pois elucida de maneira bastante óbvia os efeitos colaterais gerados pela utilização de controle coercitivo.

Tais efeitos se fazem evidente no tratamento que Alex é submetido depois que é levado para a prisão. Tendo recebido uma pena de 14 anos de reclusão em um instituto prisional que usa a coerção para manter sob controle os detentos, Alex enxerga num tratamento revolucionário a possibilidade de encurtar o cumprimento de sua pena. Trata-se de um tratamento que ilustra com bastante clareza o paradigma do condicionamento respondente, ao mesmo tempo que cria a oportunidade para que possamos discutir a eficácia da punição como meio para a modificação de comportamentos.

Por possuir um perfil bastante agressivo Alex é escolhido para ser submetido ao tratamento, sendo, então, transferido para uma clínica em que é colocado sob os cuidados de uma equipe médica. O tratamento consiste em assistir filmes com cenas explícitas de violência enquanto um medicamento que provoca uma terrível sensação de náusea é administrado. Veja o esquema abaixo:

Veja a semelhança com o experimento realizado por Pavlov no estudo do condicionamento respondente:
No experimento de Pavlov o estímulo incondicionado, ou seja, o estímulo que provoca a resposta reflexa de salivação, uma resposta que ocorre sem a necessidade de aprendizagem, é a comida. No experimento realizado com Alex o medicamento cumpre a função de estímulo incondicionado. Após a associação temporal entre o alimento e a campainha no arranjo experimental construído por Pavlov, o som passou a adquirir a função de estímulo condicionado, provocando, desta forma,  a resposta de salivação quando apresentado. Já na experiência ao qual Alex foi submetido, as cenas de violência exibidas nos filmes que ele foi obrigado a assistir, adquiriram a função de provocarem a resposta reflexa de náusea, ou seja, adquiriram a função de estímulos condicionados. Para maiores detalhes sobre o condicionamento respondente, é interessante ler outro artigo deste blog intitulado: "O condicionamento respondente: definição e aplicações."

Era esperado com a realização do tratamento que Alex se sentisse mal todas as vezes que se engajasse em um comportamento violento. E de fato isso aconteceu. Depois de sair da prisão Alex se sente mal em inúmeras oportunidades em que tem a chance de se engajar em comportamento violento ou quando presencia alguma cena de violência. As fortes sensações de náusea sentidas por Alex o incapacitavam de cometer atos de violência. Enquanto estava ocupado sentindo náuseas ele não podia se engajar em comportamentos violentos. Trata-se aqui de incompatibilidades entre comportamentos do mesmo repertório comportamental, e venciam aqueles comportamentos que tinham maior força. No caso de Alex, venciam as náuseas, e para se esquivar de senti-las era necessário não cometer nenhuma violência.

Na história de Alex também é possível ver operar o reforçamento negativo. Engajar-se em atos de evitação da violência permitia que as punições fossem evitadas. As respostas reflexas sentidas como náuseas eram ao mesmo tempo um exemplo de comportamento respondente eliciado por cenas de violência, como eram também a consequência de comportamentos que tinham como objetivo a prática de ações violentas. As náuseas puniam os comportamentos de cometer violência, impedindo-os de acontecerem enquanto o estímulo aversivo "enjoos" estivesse operando. Em última instância, o corpo e os comportamentos de Alex eram suas fontes de punição. Ele não podia fugir de si mesmo, então, o melhor seria esquivar-se da violência. O esquema abaixo sintetiza a análise dos operantes de Alex:


Mas como era de se esperar o tratamento teve alcance limitado, pois logo as respostas reflexas de náusea foram se extinguindo, e as cenas de violência que sinalizavam a possibilidade de punição acabam perdendo esta função de sinalização, ou seja, perdem a função de serem estímlos discriminativos que sinalizam a ocorrência de punições. Se tais cenas perdem a função de estímulos condicionados no eliciamento das respostas reflexas de náusea, os comportamentos de violência têm a chance de ocorrerem sem serem punidos, pois também perdem a função de eliciarem as sensações de desconforto que atuavam como punição. Esta é uma questão clássica, ou seja, estímulos aversivos condicionados vez ou outra precisam ser pareados com o estímulo punidor incondicionado, caso contrário perdem a função de punidores ou de sinalizadores de punição.

No caso de Alex, seus comportamentos de cometer violência eram ao mesmo tempo estímulos condicionados para as respostas reflexas de náusea, sinalizadores de ocorrência da punição (náusea) e também eram punidores e geradores da punição que era sentida com o grande desconforto que acompanhava as crises de náusea. Quando é desfeito o condicionamento respondente, ou seja, quando as cenas de violência e os comportamentos de se engajar em violência perdem a função de eliciarem as respostas reflexas de náusea, os comportamentos violentos perdem também a função de punidores e sinalizadores de punição, ao mesmo tempo em que cometer violência deixa de ser punido pela ocorrência dos desconfortos. Neste sentido, o filme evidencia duas coisas muito importantes: 1) Um programa de modificação de comportamentos não deve se limitar à ocorrência dos comportamentos respondentes e nem deve 2) fazer uso de punição. A punição tem efeitos colaterais nocivos, e a sua eficácia em suprimir comportamentos dura enquanto o estímulo aversivo estiver presente. Além do mais, os estímulos aversivos condicionados precisam ser pareados habitualmente com estímulos aversivos incondicionados para não perderem a função de punidores.

Um pai que ameaça o filho com uma chinela nas mãos, vez ou outra precisa dar uma chinelada para que a chinela continue funcionando como estímulo sinalizador de punição ou ainda como estímulo punidor. Mas este mesmo pai ao usar de punição está sujeito aos efeitos colaterais que ela gera: contracontrole, ansiedade, medo, submissão etc. No caso de Alex, para que as náuseas continuassem funcionando como punição para os comportamentos de se engajar em violência, as cenas de violência teriam que ser pareadas ocasionalmente com a medicação, ou seja, ele teria que ser submetido de vez em quando a novas sessões do tratamento. Mas os efeitos do tratamento foram terríveis, pois transformaram Alex em um sujeito submisso e temeroso dos desconfortos que podiam ser sentidos a qualquer instante.

Melhor seria se Alex tivesse a oportunidade de acessar fontes de reforçamento positivo todas as vezes em que se engajasse em comportamentos mais funcionais. Aí estaríamos falando de um programa de modificação de comportamentos que também contemplaria a análise funcional dos operantes de cometer violência, ou seja, que contemplaria a função exercida por tais comportamentos, um programa que fosse capaz de analisar as variáveis responsáveis pela manutenção dos comportamentos violentos, e que não se limitasse somente a aplicação de técnicas de condicionamento respondente, que acima de tudo foram altamente intrusivas e tiveram resultados questionáveis, pois fizeram utilização de controle coercitivo. 

Se o filme ilustra bem o paradigma do condicionamento respondente e os efeitos nocivos da utilização do
controle aversivo, ele não serve para ilustrar a proposta da Análise do Comportamento e de sua filosofia, o Behaviorismo Radical. A Análise do Comportamento não defende o uso do controle aversivo, pois este tipo de controle tem consequências bastante nocivas. A respeito do controle comportamental, é sugerido o seguinte texto: "Controle Comportamental: algumas considerações". A Análise do Comportamento estuda o controle aversivo como forma de demonstrar as consequências que ele produz, e como forma de demonstrar que há outras alternativas muito mais viáveis. Um bom programa de modificação de comportamentos envolve a análise funcional dos comportamentos que se quer modificar e não somente a aplicação de técnicas para modificações comportamentais. Para aprofundar nesta questão, aconselho a leitura do seguinte texto deste blog: "Por que a Terapia Comportamental é Comportamental?".

Voltemos ao filme. Como no experimento de Pavlov em que o som perdeu a função de eliciar a resposta reflexa de salivação ao ser apresentado sozinho, ou seja, ao ser apresentado sem que fosse pareado com a alimentação, as cenas de violência deixaram de eliciar as respostas reflexas de náusea quando o pareamento entre elas e a medicação foi rompido. Ocorreu, então, uma extinção das respostas reflexas condicionadas de náusea. Este pareamento foi rompido quando Alex foi submetido a diversas ocasiões de violência ao sair da prisão. Quando, por exemplo, os antigos amigos de gangue que se tornaram policiais o agrediram, ou quando foi obrigado a ouvir a nona sinfonia de Beethoven na casa do escritor que ele agredira no início do filme. A nona sinfonia de Beethoven também adquirira a função de estímulo condicionado quando no experimento foi tocada como a música de fundo enquanto Alex assistia às cenas de violência.

Não suportando os efeitos provocados pela nona sinfonia de Beethoven, Alex se joga do terraço do quarto em que se encontrava. Depois disso vai parar num hospital todo quebrado. Enquanto jazia em uma cama de hospital, um médico e uma enfermeira tinham relações sexuais em uma cama ao lado. Em todas estas situações Alex vai sendo exposto a cenas de violência sem que elas fossem pareadas com o estímulo incondicionado. Por isso perdem sua função de eliciarem as respostas reflexas de náusea. O filme termina com Alex imaginando uma cena de sexo selvagem, o que demonstra que se engajar em atos de violência não mais funciona como estímulo condicionado para eliciar respostas reflexas de náusea e também como fonte geradora de punição.

Portanto, o tratamento ao qual Alex foi submetido revelou-se um fracasso total. Também pudera, pois além de coercitivo foi desprovido da realização de qualquer análise funcional dos comportamentos de se engajar em violência. Sem uma uma boa análise funcional qualquer procedimento utilizado para modificar quaisquer comportamentos tem uma grande chance de ser ineficaz.

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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Ditados populares: uma análise comportamental

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ditados populares são expressões de uso comum em uma dada população. São usados para fazer referência a modos de agir que quando evitados ou promovidos acarretam em determinadas consequências. Portanto, servem como sinalizadores de consequências, como descrições de contingências de reforço. Como descrições de contingências de reforço podem dizer muito sobre uma determinada cultura e sobre os modos de agir de um povo, afinal de contas uma cultura é um conjunto de contingências de reforços que agem umas sobre as outras e determinam a maneira como grupos de pessoas se comportam. Se os ditados populares sobrevivem como práticas culturais, é sinal que descrevem contingências importantes para a sobrevivência da cultura. Abaixo serão transcritos alguns ditados populares e será apresentada uma possível análise que se pode fazer deles.

Quem com ferro fere, com ferro será ferido. Poderíamos dizer assim: quem pune também está sujeito a ser punido. Coerção gera coerção. Coerção é o uso de punição ou a ameaça de uso de punição. Habitualmente pensamos que punição elimina comportamento. Mas não é bem assim que acontece. Punição suprime temporariamente o comportamento punido. Todavia, os efeitos emocionais colaterais gerados pelo uso da punição podem ser devastadores: ansiedade, medo, submissão, tristeza, raiva, etc. Outro efeito é que o punidor se torna uma fonte de punição, algo a ser evitado ou contra-atacado. Então, punicão gera comportamentos de contracontrole, ou seja, comportamentos de atacar a fonte geradora de punição. A temática da punição já foi analisada extensamente em outros posts. Para ter acesso a estes posts clique aqui. Um post em especial eu recomendo aos leitores: "Prisões e punições: algumas reflexões preliminares." Evitar o uso desnecessário de punição é fundamental para que tenhamos relações interpessoais que promovam o bem estar.

Galinha que acompanha pato morre afogada. É lógico que a galinha vai acabar morrendo afogada se acompanhar um pato, pois ela não tem o equipamento biológico (anatomia e fisiologia) de um pato para poder ter o mesmo desempenho na água. O mesmo acontece conosco. Somos todos diferentes uns dos outros. Podemos ter o mesmo equipamento biológico, mas há diferenças abismais entre nós, diferenças determinadas pela herança genética e também pela história de vida. Sobretudo, temos repertórios comportamentais bastante distintos uns dos outros, o que nos torna pessoas únicas. Se alguém for acompanhar um exímio nadador nas corredeiras de um rio pode acabar morrendo afogado, pois não tem em seu repertório comportamentos para saber nadar com destreza em correntezas. A pessoa pode até nadar bem em uma piscina, mas não terá o mesmo desempenho em rios com fortes correntezas. Saber reconhecer tais diferenças pode ser fundamental para a sobrevivência! Reconhecer que somos diferentes uns dos outros pode evitar muitos problemas! Sobretudo, respeitar as diferenças é fundamental para nos relacionarmos bem com o mundo ao nosso entorno.

A fruta proibida é mais apetecida. O que é proibido geralmente parece ter um gostinho especial. O que pode estar por trás da atração sentida pelo proibido são operações de privação. Se alguém está privado de reforçamento sexual, pode acabar buscando esse reforço de diferentes maneiras. Pode se sentir atraído por parceiros que nunca pensou cobiçar. Privação em excesso gera estimulação aversiva. O que puder ser feito para eliminar a estimulação aversiva acabará sendo reforçador. É preciso, então, muito cuidado ao lidarmos com privações, pois seus efeitos podem gerar tendências comportamentais que produzem muitos problemas. Privar nossos parceiros de afeto pode resultar em um esfriamento da relação. Privar nossos filhos de carinho pode resultar em relações pouco amistosas.

A união faz a força. Determinadas contingências de reforço podem ter seu poder maximizado se forem capazes de atingirem mais pessoas num intervalo maior de tempo. Isso pode ser conseguido através do comportamento grupal. O comportamento de um grupo pode ser muito mais efetivo do que o comportamento de pessoas agindo individualmente. Imagine pessoas se mobilizando para combater a pedofilia. A campanha vai ter mais resultados quanto mais ela for divulgada. Quanto mais pessoas contribuírem na divulgação, maiores são as chances de outras pessoas serem sensibilizadas. Quanto mais pessoas envolvidas na divulgação, maior é a probabilidade de que a campanha se mantenha nos meios de comunicação por mais tempo. Isso nos faz lembrar que podemos e devemos contar com os outros, pois não temos a capacidade de fazermos tudo sozinhos!

A ignorância é a mãe de todas as doenças. Alguém pouco consciente das consequências de seus comportamentos está mais sujeito a aborrecimentos. Certamente está mais sujeito a envolver-se com problemas que podem acarretar em prejuízos para a saúde. Tomar consciência das contingências de reforço que movem nossos comportamentos pode ter como resultado uma vida mais saudável. Dessa forma, poderemos manipular as contingências e diminuir a probabilidade de comportamentos que produzem problemas e aumentar a probabilidade de comportamentos que produzem benefícios. Mas a consciência, que é comportamento descritivo, só surge quando a comunidade verbal arranja as condições apropriadas. Portanto, estar atento ao que os outros nos dizem ou aos seus questionamentos, é fundamental para termos mais consciência acerca de nós mesmos.

Não vamos aumentar demasiadamente nossa lista de ditados. Os que foram apresentados são suficientes, pois são capazes de demonstrar que os ditados populares podem nos fornecer pistas importantes sobre as contingências de reforço em vigor em uma determinada cultura. Os ditados podem fornecer pistas importantes sobre como as pessoas pensam, agem e sentem. E por serem importantes eles têm sobrevivido enquanto práticas culturais. Analisá-los pode nos ajudar a entender determinadas práticas culturais comuns em uma dada cultura.

E você, usa muitos ditados populares? Cite nos comentários algum ditado que você conheça e apresente sua análise a respeito.

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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Desinstitucionalização do “doente mental”: algumas reflexões a partir do Behaviorismo Radical

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Desinstitucionalização do “doente mental” é um tema que vem sendo amplamente debatido na sociedade brasileira desde o final da década de 1970. O fim desta década foi marcante para que o movimento de substituição dos tratamentos manicomiais por outros modelos de tratamento ganhasse força. Isso aconteceu principalmente por causa da visita do psiquiatra italiano Franco Basaglia ao Brasil no ano de 1979. Neste ano Basaglia visitou o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil na época, hospital situado na cidade mineira de Barbacena.

                                                       Franco Basaglia

Entre os mineiros é comum dizer que todo “doido” vem de Barbacena. Barbacena recebeu esta fama por causa das atrocidades que foram cometidas no Centro Hospitalar Psiquiátrico visitado por Basaglia. Além deste centro Barbacena tem também um hospital psiquiátrico judiciário, vulgo manicômio judiciário. Durante décadas o tratamento dispensado aos pacientes internados no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena foi o mais desumano possível. Veja fotos abaixo:







Somente depois da visita de Basaglia e de uma série de reportagens feitas pelo repórter Hiram Firmino, para o Jornal Estado de Minas em 1980, que a situação começou a mudar. Até então o Centro Hospitalar era um depósito de “loucos”, tanto que as reportagens de Hiram Firmino se transformaram num documentário que recebeu o título de “Nos Porões da Loucura”. Porões é um termo bastante sugestivo, pois lembra um lugar escuro, geralmente úmido e mofado. Esta era a realidade do Centro Hospitalar naquele momento histórico, ou seja, era um lugar muito semelhante ou pior do que um porão.

Não restam dúvidas que a visita de Basaglia e a investigação de Firmino exerceram contracontrole sobre o modelo de tratamento manicomial adotado até então em Barbacena e em todo Brasil. Contracontrole são aqueles comportamentos que agem sobre certa fonte de estimulação aversiva tentando eliminá-la. Por exemplo, o sindicato que organiza uma manifestação para reivindicar aumento salarial exerce contracontrole sobre os patrões, pois está tentando eliminar a fonte de estimulação aversiva proporcionada pelos baixos salários, pelas condições de trabalho sub-humanas e pela ausência de valorização profissional. Comportamentos de contracontrole são mantidos por reforçamento negativo, pois são reforçados pela remoção da fonte de estimulação aversiva.

Voltemos a Basaglia e Firmino. A visita do pai da Reforma Psiquiátrica ao Brasil e o documentário de Firmino expuseram na mídia a degradante situação dos hospitais psiquiátricos brasileiros, colocando, sobretudo, em xeque a eficácia dos tratamentos baseados num modelo hospitalocêntrico e manicomial. Hospitalocêntrico porque toma os hospitais como a instituição central no tratamento de pessoas portadoras de sofrimento “mental” e manicomial porque adota como estratégia a internação antes de considerar outras possibilidades de tratamento.

A exposição na mídia deixou os governantes em uma saia justa. Alguma coisa precisava ser feita. Somado a tudo isso, o país no início da década de 1980 vivia o processo de redemocratização, e em meio a esse processo lutava-se pela construção de um Estado Bem-Estar Social que oferecesse saúde, educação e outros serviços públicos de qualidade à população. Então os movimentos sociais que encabeçaram a luta pela redemocratização e pela construção de um Estado de Bem-Estar Social também tiveram um papel importantíssimo, pois intensificaram o contracontrole exercido sobre o Estado brasileiro. É sabido que o resultado de toda esta luta foi a Constituição de 1988, conhecida como a constituição cidadã, uma vez que ela reconhece muitos direitos dos cidadãos que até então não eram reconhecidos, obrigando, desta forma, o Estado a oferecer as condições para que estes direitos fossem cumpridos. Entres estes direitos estavam o acesso a saúde pública, inclusive o acesso a políticas públicas de saúde mental.

                                                  Movimento "Diretas Já"

Então a reforma do modelo de assistência psiquiátrica brasileiro é produto de muito contracontrole, contracontrole que criou as condições necessárias para que o panorama da assistência aos “portadores de sofrimento mental” se modificasse, como também criou as condições para a promulgação da constituição de 1988. Outras mudanças foram alcançadas por este contracontrole, mas estas não vêm ao caso no momento. O que importa é compreender que boa dose de contracontrole foi necessário para que muitas coisas se modificassem.


Fato é que muita coisa se modificou na assistência prestada aos “portadores de sofrimento mental”. Importante ressaltar quais foram e continuam sendo os pilares que sustentaram e sustentam estas mudanças. Muitos avanços foram conseguidos graças a estes pilares, mas por outro lado eles impõem sobre a assistência em saúde mental limitações que impedem que estas mudanças sejam ainda mais profundas.

O trabalho de Basaglia foi um destes pilares. Franco Basaglia é o criador da reforma psiquiátrica, movimento que lutou durante a década de 1960 na Itália pelo fim dos manicômios, propondo como meio para tratamento dos “portadores de sofrimento mental” os centros comunitários em saúde mental. A principal bandeira do movimento reformista iniciado por Basaglia é a extinção do tratamento manicomial, pois este promovia a institucionalização do paciente. Por institucionalização se entende o processo pelo qual os internos dos manicômios se tornam dependentes das instituições em que estão internados, o que ocasiona o rompimento dos vínculos familiares e sociais, fazendo que estes internos percam a capacidade de dirigirem suas próprias vidas, ou seja, fazendo com que eles se tornem uma espécie de extensão destas instituições. A crítica ao manicômio e ao modelo de tratamento por ele proposto, é que o paciente é transformado em uma espécie de autômato, impedindo-o de construir uma vida mais saudável.

Os centros comunitários em saúde mental foi a alternativa proposta. São centros inseridos na comunidade de onde vem o “doente”, o que possibilita a manutenção dos vínculos familiares e sociais (comunitários), impedindo desta forma a institucionalização. Evitam-se as internações, e elas ocorrem somente quando for realmente necessário e se possível em leitos de hospitais gerais. Apregoa-se a necessidade de continuar mantendo o “doente” no seio de sua família. Os CAPS (Centros de Assistência Psicossocial) são inspirados neste modelo de tratamento proposto pelos centros comunitários em saúde mental.


A crítica do movimento reformista ao modelo hospitalocêntrico manicomial tem forte inspiração na obra de Foucault. Como se sabe Foucault dedicou boa parte de sua obra ao estudo dos sentidos atribuídos à “loucura” ao longo da modernidade, ou seja, ao longo do período que vai desde o final da idade média até o nascimento da psiquiatria no séc. XIX. Foucault é então o outro pilar do movimento reformista.

Foucault dedica especial atenção às instituições asilares, às instituições que foram utilizadas para promoverem a exclusão social durante toda a modernidade. Uma destas instituições é o manicômio. O manicômio foi criado para promover uma espécie de higienização urbana, para limpar as cidades daqueles que geravam algum tipo de incômodo, e entre estes estavam os “lunáticos”. A princípio não foram criados com o intuito de tratarem os “loucos”, mas apenas de exclui-los do convívio social. Mais tarde a psiquiatria ao longo do séc. XIX quando do seu nascimento, acaba por transformar o manicômio em seu laboratório.

                                                        Michel Foucault

Se antes do nascimento da psiquiatria o “louco” foi preso dentro do manicômio para que fosse promovida uma higienização urbana, após o nascimento desta especialização médica ele continua preso, mas agora para ser tratado. A psiquiatria confere ao trancamento do “louco” um status “científico”. Mas, ainda, assim, o “louco” continua trancafiado. Continua operando a lógica do trancamento do “louco”, e associada a esta lógica está a ideia da periculosidade. A ideia da periculosidade foi sendo gestada ao longo de toda a modernidade, e continua se fazendo presente mesmo depois do nascimento da psiquiatria. A psiquiatria moderna, de acordo com Foucault, é herdeira de todas as práticas sociais relacionadas à “loucura” ao longo da modernidade, e continua repetindo na essência os mesmos rituais de exclusão, mas a exclusão promovida pela psiquiatria do séc. XIX se faz em nome da ciência.

                                                         "Louco" perigoso?

Este modelo de tratamento persistiu até meados do séc. XX quando estourou a reforma psiquiátrica na Itália. Em outros lugares do mundo também surgiram outras propostas de reformas, mas um dos modelos que mais se popularizou foi o italiano, modelo que tem forte inspiração foucaultiana. E baseado na crítica de Foucault às instituições asilares, instituições que tiveram uma função higienista, a reforma de Basaglia, que serviu de modelo à reforma brasileira, acaba por questionar o modelo manicomial, propondo como alternativa centros descentralizados inseridos na comunidade de origem do “portador de sofrimento mental”, mantendo-o desta forma próximo às suas raízes, o que contribui para preservar os laços familiares e sociais, evitando, assim, a institucionalização. Trata-se de um modelo de tratamento que busca a desinstitucionalização. Ao se alcançar a desinstitucionalização, espera-se romper com todos os estigmas que rondam a “loucura”.

A ideia é muito simples. Inserindo de volta na família e sociedade o “doente”, todos perceberão que este pode viver em sociedade enquanto se trata, e que, sobretudo, ele não é perigoso. Desta forma, rompe-se com o estigma da periculosidade e todos os outros estigmas associados a este. No entanto, há uma radicalização do ideal anti-manicomial que sustenta o movimento reformista brasileiro, movimento de inspiração basagliana. Leva-se ao extremo a ideia da extinção dos leitos psiquiátricos e hospitais psiquiátricos públicos.

Há casos em que as internações são extremamente necessárias, e que precisam ser feitas em instituições psiquiátricas, pois estas são as instituições preparadas para este fim. Há casos que a internação quando feita em leitos de hospitais gerais acaba acarretando em transtornos para tais instituições, pois elas não estão preparadas para esse fim, e muitas delas não contam nem mesmo com alas psiquiátricas para prestarem um atendimento mais especializado.

Extinguir os leitos psiquiátricos é uma temeridade. É aqui que o Behaviorismo Radical pode dar sua contribuição. O Behaviorismo Radical nos oferece a análise funcional do comportamento, instrumento de análise extremamente importante, capaz de nos dar embasamento para decidirmos que casos precisam ou não de internação. É necessário criar instituições psiquiátricas com uma estrutura preparada para promover a análise funcional de cada caso.

Esta estrutura precisa se fazer presente tanto em hospitais psiquiátricos públicos, quanto nos serviços substitutivos como o CAPS. Ou seja, precisa se fazer presente em todos os níveis de complexidade da assistência aos “portadores de sofrimento mental”. Precisamos de instituições assistenciais em saúde mental que sejam funcionais, que estejam preparadas para discernirem em que casos é necessária a internação e em que casos ela não precisa acontecer. O “mal” que precisa ser atacado é o modelo manicomial, mas isso não precisa implicar em extinção dos hospitais psiquiátricos. Se os hospitais psiquiátricos estiverem equipados para serem funcionais e para promoverem a análise funcional de cada caso, eles não precisam ser extintos, pois há casos em que eles são extremamente necessários. Há casos em que o tratamento é inviável sem que exista uma estrutura especializada encontrada somente nos hospitais psiquiátricos. O que deve ser revertida é a lógica manicomial, o que não implica em extinção dos hospitais psiquiátricos públicos ou em diminuição radical de leitos nos mesmos.

                                                       Lógica Manicomial

Análise funcional é o que as instituições psiquiátricas precisam para funcionarem bem, para promoverem a desinstitucionalização do “doente mental”. Levada a cabo com todo o seu suporte teórico, a análise funcional coloca em xeque ainda a concepção de “doença mental”, pois nos faz entender que todo comportamento por mais estranho que possa parecer, é comportamento modelado pelas contingências de reforço. E embora muitos quadros como a esquizofrenia não sejam completamente entendíveis, ou seja, não tenham suas causas devidamente elucidadas, ainda, assim, é possível empreender uma análise funcional dos comportamentos comuns a estes quadros. No caso da esquizofrenia, por exemplo, pode se analisar funcionalmente comportamentos como delírios e alucinações, e a partir de uma boa análise funcional se programar a modelagem destes comportamentos, de modo que eles não produzam grandes interferências na vida social do sujeito.

Se é possível modelar alucinações e delírios a partir da realização de uma boa análise funcional, por que não proceder desta maneira? Mas muitos se opõem a este tipo de intervenção por considerarem que ela age sobre “sintomas”. Mais tarde o sintoma seria substituído por outro, conforme advogam os defensores das abordagens psicodinâmicas. Se o sintoma é o problema, por que não eliminá-lo? No entanto, o Behaviorismo Radical não trabalha com esta distinção entre sintoma e doença. Sintoma é comportamento, e é ele que precisa ser mudado. No fim das contas não há sintomas, pois não há doenças, mas sim comportamentos que precisam ser modificados a partir da alteração das contingências de reforço, comportamentos que produzem desconfortos e tais desconfortos serão eliminados quando os comportamentos forem alterados.


A verdadeira desinstitucionalização passa pelo questionamento do conceito de “doença mental”. Há doença mental? De um ponto de vista behaviorista radical não há doença mental, mas sim comportamentos selecionados e mantidos por certas contingências de reforço. Por isso ao longo do texto termos como “doença mental” e outros foram colocados entre aspas, pois estes não fazem sentido se entendermos que não existe doença, mas sim comportamentos a serem modificados. A verdadeira desinstitucionalização passa por uma mudança na forma de se pensar o tratamento dispensado às pessoas, que apresentam determinados quadros psiquiátricos, quadros que precisam de cuidados mais especializados. Ao invés de se pensar o tratamento a partir da dicotomia saúde versus doença, por que não pensá-lo em termos de contingências de reforço? Pensando assim não há porque falar em doença, o que acaba removendo um obstáculo, pois não sendo mais um doente o portador de certos quadros psiquiátricos não precisará mais ser temido, ficando seu tratamento condicionado a realização de uma boa análise funcional, análise que indicará a condução mais adequada ao caso, apontando inclusive em que nível de complexidade da rede de assistência em saúde ele deverá ser atendido (CAPS, Hospitais etc).

Criar serviços substitutivos como CAPS é uma boa alternativa. Mas não precisamos ficar atacando moinhos como Dom Quixote, ou seja, se a criação de serviços substitutivos é um avanço, pois aproxima o “doente” de suas origens e o insere na sociedade, por outro lado a vigência deste modelo não implica em um completo fim dos Hospitais Psiquiátricos Públicos ou numa redução drástica de leitos psiquiátricos. Extinguir os leitos e hospitais é atacar o problema errado, ou seja, é lutar contra moinhos. O problema é de outra ordem: a reversão da lógica manicomial que interna sem critérios. Da mesma forma que internar sem critérios é extremamente prejudicial, deixar de internar casos em que a internação se faz necessária também o é.


A demonização do hospital psiquiátrico em nada contribui para a reversão da lógica manicomial, pois esta pode continuar operando dentro dos serviços substitutivos, bastando para isso que se amarre o sujeito quimicamente e não necessariamente com uma camisa de força, impedido assim, a realização de um efetivo trabalho de modificação das contingências responsáveis pelos comportamentos que ocasionam todo o sofrimento. Promover o tratamento baseado num modelo assistencial dicotomizado entre saúde e doença, é correr o risco de deixar de olhar para as contingências que mantêm os comportamentos que produzem sofrimento.

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segunda-feira, 26 de março de 2012

Diagnóstico: "uma faca de dois gumes"

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

O diagnóstico em Psicologia Clínica pode ser uma faca de dois gumes. Se por um lado ele pode servir como uma diretriz para o tratamento e como meio para comunicação com outros profissionais da área da saúde, ele pode por outro lado atuar como uma camisa de força, como algo que engessa as ações do psicólogo, no sentido de não fazê-lo enxergar as contingências responsáveis pela ocorrência daqueles comportamentos, que geram todo o desconforto traduzido na queixa do cliente.


Cliente? Isso mesmo. Vou preferir usar o termo cliente em detrimento do termo “paciente”. Paciente tem uma forte conotação médica, por isso pressupõe que aquele que espera pacientemente pela cura esteja apresentando algum tipo de doença, e se não estivesse doente não esperaria pacientemente numa sala de espera pelo antedimento ou pelo reestabelecimento da saúde ao longo de todo o tempo em que durar o tratamento. Paciente tem outra conotação que muito me incomoda. Dá a entender que quem busca a cura recebe passivamente as orientações do profissional da saúde, tendo como único dever observá-las e colocá-las em prática.



Já o termo cliente pressupõe uma relação profissional em que ambos os pólos desta relação assumem uma postura ativa, postura determinante para que possa ocorrer a recuperação. O cliente tem também uma postura ativa no processo psicoterápico na medida em que ele é o próprio agente de mudança de sua vida, sendo, portanto, responsável pela alteração das contingências de reforço que produzem os seus comportamentos. Logicamente que tudo isso se torna possível porque o processo psicoterápico permite-o tornar-se consciente destas contingências, conhecimento que possibilita o planejamento de meios para alterá-las. Este planejamento sempre é feito em parceria com o profissional.

A base de todo este planejamento é o diagnóstico. O diagnóstico é como uma bússola. A bússola tem a função de orientar. Esta também é a função do diagnóstico, ou seja, ele orienta as ações que deverão ser tomadas, tornando possível a alteração das contingências responsáveis pelos comportamentos que produzem todo o desconforto traduzido na queixa do cliente.


Entretanto, o próprio termo “diagnóstico” está impregnado de um sentido médico bastante pernicioso à Psicologia. Pernicioso porque pressupõe a existência de uma doença, de uma patologia de origem mental. Nesta perspectiva a queixa seria a tradução em palavras dos comportamentos que sinalizam a existência da patologia. Estes comportamentos atuariam como sinais indicativos de que algo no mundo mental não vai bem, de que alguma coisa está em desordem, por isso são chamados de sintomas.


No entanto, nem a pessoa que se queixa sabe que seus comportamentos são sintomas que revelam algo que se passa em um mundo obscuro da mente. Podemos ver claramente neste exemplo os reflexos da adoção do modelo médico pela psicologia, modelo que divide o mundo em normal e patológico. Disto resultam esforços na tentativa de se construir uma psicopatologia, uma classificação das doenças mentais e da forma como elas se apresentam através de seus sintomas. Todo este esforço acaba produzindo rótulos diagnósticos, que se por um lado podem facilitar o diálogo entre profissionais da saúde, podem por outro lado obscurecer as contingências responsáveis por aqueles comportamentos que geram todo o desconforto relatado pelo cliente.

Se o cliente não sabe a origem do desconforto é porque não aprendeu a identificar os comportamentos que produzem todo o mal estar sentido, como também não aprendeu analisar as contingências responsáveis por estes comportamentos. Em outras palavras, o desconforto não tem origem em alguma doença mental produzida por uma mente inconsciente e obscura, mas sim nas consequências produzidas pelos comportamentos. Por sua vez estes comportamentos são mantidos por certas contingências de reforço. Sendo assim a origem do desconforto está nas contingências e só quando elas forem modificadas, o desconforto e os comportamentos que o originam modem ser eliminados.

O problema dos rótulos diagnósticos é que eles descrevem somente a topografia (forma) dos comportamentos e não suas funções, até porque isso não seria possível, pois as funções devem ser encontradas nas relações que cada comportamento estabelece com as contingências responsáveis por sua ocorrência. Como cada organismo tem uma história de interação com o meio ao seu entorno, resulta deste pressuposto que as funções de cada comportamento devem ser encontradas na história de reforçamento do organismo.

Por topografia entendemos a forma assumida pelo comportamento, ou seja, suas manifestações públicas, observáveis. Imagine o seguinte relato: “João subiu correndo na árvore para fugir do cachorro”. A topografia se refere à forma como João subiu na árvore. Pode ter subido escalando-a ou usando uma escada. Se foi escalando-a ou usando uma escada pode não fazer muita diferença para a análise do comportamento em questão. Mas a função do comportamento, ou seja, seu sentido, sua intencionalidade, faz sim toda a diferença. João subiu para fugir do cachorro que o perseguia. Pode ser que no passado João conseguiu escapar de cachorros fazendo alguma coisa para deles se distanciar. Pode ter pulado um muro, pode ter se escondido, pode ter subido numa árvore etc. O subir na árvore faz parte daquele conjunto de comportamentos que permite escapar de cachorros, e entre estes estão não somente os comportamentos de subir em árvores. Todos estes comportamentos têm a mesma função, mas topografias diferentes. Aquele comportamento que permite escapar mais eficientemente, provavelmente será reforçado e se tornará mais forte. Mas a emissão deste comportamento dependerá do contexto. Dependerá, por exemplo, se existe ou não uma árvore que possa ser escalada, um lugar para se esconder, um muro para ser pulado etc. As respostas subir em árvore, se esconder e pular um muro, têm todas a mesma função, embora tenham topografias completamente distintas.


Uma análise da topografia do comportamento de João não revelaria a sua intencionalidade, ou seja, não revelaria a sua função. Mas uma análise das consequências que se seguem a este comportamento e dos contextos em que ele ocorre permitiria a identificação de sua função. Alguém desavisado que viu João correndo de cachorros algumas vezes, poderia dizer que ele tem fobias de cachorros. Fobia é um rótulo diagnóstico, e como todo rótulo diagnóstico padece do mal de ser apenas descritivo, de apenas descrever o comportamento em sua aparência (topografia).

Mas só a análise do comportamento de João poderia levar a conclusão se ele tem ou não fobia de cachorros. Para ter fobia de cachorros não bastaria fugir de cachorros. A temática “cachorro” teria que ser suficiente para trazer prejuízos funcionais para João, ou seja, para o funcionamento geral de João. De repente, João deixaria de fazer muitas coisas interessantes porque poderia encontrar com cachorros na rua. Poderia abdicar de momentos de prazeres por causa da possibilidade de encontrar com cachorros. João poderia se sacrificar para ir para o trabalho por causa de cachorros. Imaginemos que o trabalho de João é perto de sua casa. João poderia ir para o trabalho andando, mas para fugir da possibilidade de encontrar com cachorros ele vai de carro. Isso faz João ter um gasto adicional no fim do mês por causa do combustível consumido pelo veículo.

Este tipo de análise leva em conta a frequência do comportamento, sua intensidade quando da sua ocorrência, como também os seus efeitos. Isso chamamos de análise funcional do comportamento. A análise funcional é bem diferente da análise topográfica, pois não se limita aos aspectos públicos do comportamento, e nem pressupõe que estes aspectos públicos são sintomas de algo oculto, de alguma patologia mental. A análise funcional está mais interessada em desvendar as funções do comportamento, e isso é feito identificando as relações que o comportamento estabelece com o meio.

Nesta perspectiva não se fala em doença, pois o comportamento por mais disfuncional que seja, por mais que produza prejuízos para o funcionamento global do indivíduo, ele é um produto das contingências de reforço. Se faz algum sentido falar de “patologias” em psicologia, estas são “socialmente construídas”, ou seja, são produtos da história de interação do indivíduo com o mundo ao seu redor. Como é desnecessário e contraproducente falar em patologia, pois esta perspectiva gera confusões as mais diversas, é mais pragmático tentar entender que história é responsável pela ocorrência de um determinado comportamento, ainda que este acarrete em inúmeros prejuízos para o indivíduo que se comporta. Todo comportamento é comportamento selecionado pelas contingências de reforço. Mesmo os comportamentos mais disfuncionais são produtos da história de interação com o meio.

Sendo assim, rótulos diagnósticos podem não dizer muita coisa. No máximo descrevem a topografia de alguns comportamentos. Alguém que tem algumas manias não necessariamente “tem” Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Não é porque uma pessoa separa as roupas por cores nas gavetas que ela tem TOC. Este comportamento de separar por cores teria que ser analisado de acordo com o nível de interferência que pode causar no funcionamento global da pessoa. Para isso seria necessário identificar sua frequência e sua intensidade. E a partir destes parâmetros investigar se o separar por cores produz desconfortos emocionais que acarretem em prejuízos funcionais. Se a esta forma de se comportar estão associados comportamentos emocionais que interferem em outros comportamentos produtivos, privando desta forma a pessoa de reforçadores importantes, poderia se levantar a suspeita de rituais compulsivos e de comportamentos encobertos repetitivos (obsessões).


Obsessões e compulsões são termos que indicam no máximo que existem comportamentos que se repetem com frequência, sendo que obsessões se referem a comportamentos encobertos e compulsões a comportamentos públicos. Porque isso acontece e as consequências acarretadas pela repetição, é uma questão para ser analisada funcionalmente. Embora, topograficamente o comportamento de separar as roupas por cores possa sugerir o indício de uma compulsão, funcionalmente este comportamento pode apenas significar, que a separação por cores facilita a escolha das roupas na hora de se trocar ou facilita a realização de combinações de peças de cores diferentes. A topografia pode ser enganosa, por isso todo cuidado é pouco com os rótulos diagnósticos. Além do mais, o uso indiscriminado dos rótulos diagnósticos pode levar a uma patologização da vida cotidiana, o que levaria a um psicologismo sem medidas.


Portanto, o diagnóstico pode ser uma “faca de dois gumes” na medida em que obscurece as contingências responsáveis pelo comportar-se, mesmo que este comportar-se seja produtor de prejuízos funcionais os mais diversos, e na medida que contribui para uma patologização da vida cotidiana, criando assim a falsa impressão de que a Psicologia é a ciência que estuda o funcionamento mental e as patologias que acarretam em um mal funcionamento da mente.

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