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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Professora Helena: a professora que encantou o Brasil

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A novela "Carrossel" exibida pelo SBT no horário nobre tem aterrorizado a concorrência. Vem batendo facilmente o IBOPE de programas exibidos no mesmo horário, e tem assustado inclusive a Globo, pois a emissora vê parte da audiência do Jornal Nacional migrar para o SBT. A dupla William Bonner e Patrícia Poeta têm enfrentado um forte concorrente, uma novela infantil que é o remake de uma novela mexicana filmada na década de 1980 e exibida pelo SBT nos anos de 1991 e 1995.

A criançada está adorando. Mas também existem muitos adultos vidrados na novela, seja para seguirem seus filhos, ou porque os personagens de Carrossel conseguem exercer um fascínio sobre o público adulto. Um destes personagens é a professora Helena. Helena é professora de uma escola conhecida como Escola Mundial. Ela leciona no terceiro ano, e enfrenta uma turminha que lhe apresenta muitos desafios. Mas com muito afeto e carinho ela consegue se aproximar de seus alunos ajudando-os a superarem os seus problemas, não somente os educacionais, como também os problemas da vida pessoal.

Contrastando com o modelo de docência da professora Helena, existe de outro lado a diretora Olívia. Olívia defende uma linha de educação mais rígida, e nesta linha a disciplina é conseguida através de controle coercitivo, ou seja, através de punições ou de ameças de punições. Por um lado temos então Olívia, representante de um modelo educacional em vias de falência, ou seja, de um modelo educacional que usa a punição ou a ameaça de punição como meio para a obtenção de disciplina. De outro lado temos a professora Helena, representante de um modelo educacional que rompe com o paradigma da autoridade disciplinar, aquele paradigma ao estilo Foucaultiano, que mantém a ordem por meio da vigilância.

Foucault (2006) fala-nos do panóptico, um modelo de prisão que tem no centro uma torre. As selas da prisão ficam dispostas ao redor da torre, de modo que por meio desta a vigilância pode ser mantida com um contingente menor de funcionários. O panóptico é um dispositivo que ajuda a manter a vigilância e o controle através do uso de coerção, através do uso de ameaças de punições, punições que podem ocorrer quando menos se espera. Punições inesperadas e apresentadas em esquemas de reforçamento intermitente ajudam a criar um ambiente bastante hostil.

Foucault (2006) extrapola sua reflexão sobre o panóptico e a lógica das prisões para outras esferas, mencionando, que a cultura da vigilância se faz presente em outras instituições, inclusive nas escolas. Ela não é exclusiva das prisões e forças armadas. A vigilância é um meio para se manter o controle. Nas escolas de padrões arquitetônicos mais antigos podemos ver os traços desta cultura. É comum a existência de um palanque nas salas de aula. Neste palanque o professor mantém-se em um degrau mais alto que seus alunos. Esta é uma forma de demonstrar a posição de poder que o professor ocupa, de demonstrar que não pode existir aproximações entre ele e seus alunos, que ele é a fonte do saber, e os alunos devem receber esse saber passivamente.

A diretora Olívia é produto deste tipo de concepção educacional, ela e muitos professores que ainda usam o controle coercitivo como forma de manterem a disciplina, e mal sabem estes professores que coerção gera comportamentos emocionais que interferem na aprendizagem. Pobres coitados, precisam rever seus conceitos. Já a professora Helena é a legítima representante de um modelo educacional que rompe com a distância estabelecida entre professores e alunos.

Helena estabelece com seus alunos relações bastante reforçadoras. Ela traz para estas relações o componente da afetividade, componente banido pelo paradigma educacional que defende o uso da coerção como meio para a obtenção de disciplina. Quem disse que não pode existir afeto na relação entre professores e alunos? Não existem relações humanas desprovidas de afetividade. Sempre que nos comportamos estamos sentindo alguma coisa. O sentir é componente essencial do comportar-se, e é ele mesmo um comportamento.

Quando tentamos reprimir nossa afetividade, nossos comportamentos emocionais, desta repressão surgem outros produtos emocionais bastante nocivos: ansiedade, medo, raiva, tristeza etc. Relações perpassadas por ansiedade, medo, raiva, tristeza, tendem a se tornarem insípidas, ou seja, tendem a se tornarem pouco saborosas ou sem nenhum sabor. Se tornam relações bastante rígidas. Relações assim se transformam em uma potencial fonte de estímulos aversivos que provocam comportamentos de fuga e esquiva. Tais comportamentos se fazem notar pela evasão escolar, depredação do patrimônio escolar, notas baixas, pouco envolvimento em tarefas escolares etc.

A professora Helena mostra-nos que é possível resgatar a afetividade nas relações entre alunos e professores. Ela ensina que estas relações podem ser reforçadoras e que o professor pode usar o reforço positivo em seu benefício, ou seja, que ele pode usar o reforço positivo para reforçar comportamentos mais produtivos por parte dos seus alunos. Contudo, é necessário ter o cuidado para não apresentar reforços positivos contingentes a comportamentos improdutivos, comportamentos problemáticos.

Não é o uso indiscriminado de reforçamento positivo que vai transformar o sistema educacional. Reforço positivo pode fortalecer comportamentos geradores de problemas. Esta talvez seja uma das questões a se levantar com relação a Professora Helena. Ela age de modo bastante afetivo. Mas vale questionar: ela discrimina bem os comportamentos que reforça, ou seja, ela usa reforço positivo contingente a comportamentos mais produtivos por parte de seus alunos?

A professora Helena mostra-se sempre muito preocupada com os problemas pessoais de seus alunos. Ela se desdobra para resolver estes problemas. É preciso cuidado! Existem as diferentes especialidades e elas devem ser respeitadas. Nenhum professor deve achar que é um profissional da psicologia. Problemas comportamentais são fenômenos da alçada dos psicólogos(as)! Professores que agem como se fossem profissionais da psicologia contribuem e muito para a patologização de problemas do cotidiano escolar, o que acaba abrindo precedente para uma medicalização desnessária destes problemas. E dá-lhe ritalina para tantos transtornos de déficit de atenção e hiperatividade! A indústria farmacêutica agradece!

E você, o que achou deste artigo? Opine deixando sua observação no campo de comentários.

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Referências:

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 31 ed. Petrópolis (RJ), Ed. Vozes, 2006.


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sábado, 5 de maio de 2012

O Ofício de Ser Professor

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Ver alunos do ensino superior cometendo erros primários de ortografia me faz desconfiar da qualidade do ensino num país que diz ser de todos: "Brasil um país de todos". Talvez alguns digam que criticar a educação seja o mesmo que "bater em cachorro morto". Cachorro morto é incapaz de reagir. Não quero bater em cachorro morto e nem mesmo bater na mesma tecla sobre a importância da educação na construção de um país melhor, de um país com mais oportunidades e mais acesso aos direitos fundamentais, sejam estes civis, políticos ou sociais.


Quero hoje falar sobre o ofício do professor, este que é uma das peças fundamentais no processo de ensino-aprendizagem. Todavia, ser professor num país que tem sucateado a educação não é nada fácil. O professor convive ao mesmo tempo com uma remuneração vergonhosa e com uma estrutura que não o permite planejar contingências que tornem possível a aquisição de comportamentos, por parte dos alunos, que sejam úteis tanto no contexto escolar e em outros contextos, mas principalmente em outros contextos. Esta é a função da educação, permitir a partir do arranjo de certas contingências a aquisição de comportamentos que sejam úteis em outros contextos. Sendo assim, a educação formal, aquela que é viabilizada por meio da escola, deve preparar o aluno para lidar com circunstâncias que ele vai encontrar fora do contexto educacional, deve permitir que certas habilidades sejam desenvolvidas, habilidades que permitirão a resolução de certos problemas que serão encontrados fora dos muros da escola.

Se o papel da escola é este que acima foi assinalado, é lícito dizer que ele se cumprirá mediante o ofício dos professores. São os professores os responsáveis pelo planejamento das contingências que modelarão os comportamentos que serão úteis para a resolução de problemas encontrados em outros contextos diferentes do contexto educacional. Logicamente que este planejamento deve estar assentado sobre alguns pilares. Gostaria de refletir sobre dois destes pilares que dizem respeito especificamente ao trabalho do professor. Estes pilares são: competência técnica e competência relacional.


Espera-se que o professor domine o conteúdo que ele vai lecionar, ou seja, que ele tenha as competências técnicas para modelar no repertório de seus alunos aquelas habilidades técnicas que devem ser adquiridas para que estes aprendam a resolver problemas bastante específicos. Esta verdade é principalmente aplicável ao ensino superior. Um professor de mecânica deve planejar contingências que permitam a modelagem de habilidades bastante específicas, habilidades que se referem ao universo dos motores. Os alunos deverão entender como funciona um motor, devem saber montá-lo e desmontá-lo, substituir peças etc.

Mas num país em que os professores são mal remunerados, surge um fenômeno bastante curioso: professores lecionam conteúdos que eles não têm nenhum domínio. Os professores precisam sobreviver, e acabam aceitando lecionar conteúdos que não dominam, pois esta é a forma de aumentarem os seus rendimentos. Esta realidade se faz presente em todos os níveis de ensino: fundamental, médio e superior. A consequência disso? Vocês podem imaginar... As habilidades que deveriam ser desenvolvidas acabam não sendo desenvolvidas. Isso perpetua um ciclo pernicioso, pois parte destes alunos se transformam no futuro em professores... Outra parte vai para o mercado de trabalho tradicional, mas este acaba selecionando os mais habilidosos. E os menos habilidos e competentes? Bem, estes têm destinos os mais diversos.


No entanto, existem professores que são competentes, ou seja, dominam os conteúdos técnicos, contudo, são um desastre no ofício de estabelecerem relações saudáveis com seus alunos. Suas relações são sempre mediadas por muito controle aversivo. Certamente o resultado do uso de controle aversivo não é dos melhores... Como planejar contingências que permitam a modelagem de certas habilidades com base em controle aversivo? O controle aversivo acaba gerando comportamentos que concorrem com as contingências que deveriam permitir a modelagem daquelas habilidades que serão úteis em contextos a serem encontrados fora do ambiente escolar.

Professores com poucas habilidades sociais se tornam estímulos aversivos potenciais. Ao entrarem em sala eliciam respondentes de mal estar e operantes de fuga, esquiva e contracontrole. Evasão escolar é um exemplo de comportamentos de fuga e esquiva. Depredação do patrimônio escolar é um exemplo de comportamento de contracontrole. Boicotar as aulas de um certo professor é um outro exemplo de comportamento de contracontrole. Nosso sistema de ensino precisa de professores competentes tecnicamente e relacionalmente, de professores que tenham domínio sobre os conteúdos que lecionam, mas que também sejam capazes de se relacionarem bem com seus alunos.

Se relacionar bem com os alunos também é importante para a potencialização do processo de ensino-aprendizagem. Relacionamentos aversivos geram efeitos emocionais colaterais que acabam interferindo com a aprendizagem. Geram também comportamentos os mais diversos, inclusive de contracontrole, comportamentos de atacar com punições e ameaças de punições as fontes de controle aversivo, fontes institucionalizadas no papel exercido pelo professor. E muitas vezes esse contracontrole que tem como meta o professor, faz com que este seja submetido a fontes de estresse. Por sua vez o estresse acaba provocando adoecimento. Professor que usa controle aversivo estará sujeito também a contracontrole aversivo.


Outra questão importante é que o professor é modelo de comportamento. Se suas estratégias de ensino estão baseadas em controle aversivo, acaba ensinando para seus alunos por modelação que o controle aversivo é a forma mais eficaz de se obter o que quer. Professor que usa punição ensina seus alunos também a usarem punição, e muitas destas punições podem ter como alvo o professor e o sistema educacional. A palmatória foi abolida, mas tem muitos professores que por não terem as competências técnicas ou relacionais, usam notas para ameaçarem seus alunos, usam controle aversivo para conseguirem exercer autoridade.

A melhor forma de exercer autoridade é cativando, é estabelecendo alianças. Fazer inimigos é gerar fonte de estímulos aversivos que retroagem sobre quem as criou. Sala de aula não é lugar para se criar inimizades, não é lugar para controle aversivo. Sala de aula é espaço para aprendizagem, e a aprendizagem ocorrerá naturalmente e sem efeitos emocionais colaterais nocivos se comportamentos forem consequenciados com reforçamento positivo.

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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Polícia na Escola: experimentação social ou utilização da velha lógica da coerção?

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro

Pouco mais de um ano depois da tragédia na escola municipal Tasso da Silveira , em Realengo, bairro da cidade do Rio de Janeiro, as autoridades do estado do Rio através de uma parceria entre as secretarias de educação e segurança, resolveram criar o que chamaram de Programa Estadual de Integração de Segurança (Proeis). O programa consiste em colocar Policiais fardados e armados em 90 escolas estaduais.



Estes policiais trabalharão em seus horários de folga. É a oficialização do bico. A justificativa é que muitos policiais já exerciam este trabalho, mas o faziam como bico sem nenhum respaldo do Estado. 423 policiais serão beneficiados com esta medida, pois receberão para fazer um bico nas escolas, e farão isso com farda e tudo que tem direito, inclusive armas. Armas são aqueles aparatos utilizados para inutilizar a vida alheia. Ok, ok, ok, eu sei que as armas são as ferramentas de trabalho dos policiais e isso não é o que está em jogo na análise que proponho.

Oficializar o bico é admitir que no mínimo os policiais são mal remunerados para exercerem suas funções, e diga-se de passagem que são funções que colocam em risco suas vidas. Ninguém está dizendo que o papel da força militar não é importante para o funcionamento da sociedade. Isso não está sendo cogitado. O que se pretende indagar com este breve texto é se o problema da violência nas escolas é apenas um problema que precisa ser tratado no âmbito das políticas de segurança pública.

É a velha tática de tapar o sol com a peneira. Esse ditado é mais velho que meus falecidos avós, no entanto, continua sendo bastante útil, inclusive para esta ocasião. Em outro post em que falei da criminalidade e dos problemas relacionados ao funcionamento do sistema prisional, deixei muito claro que coerção gera coerção. Coerção é uso ou ameaça de uso de punição. Punição não extingue o comportamento punido, e sobretudo, gera efeitos colaterais bastante nocivos: agressão, culpa, baixa autoestima, ansiedade etc.

A violência nas escolas possivelmente é resultado de uma sociedade que perpetua o controle coercitivo e de uma sociedade que submete uma parcela significativa da população a muitas privações. Privações em todos os sentidos. Privações que podem ser medidas em termos materiais, mas também privações que não podem ser expressas numericamente, pois dizem respeito às frustrações de não se conseguir alcançar o tão sonhado ideal da ascensão social, ideal que como regras de conduta (descrições de contingências) controlam boa parte dos comportamentos de nossos repertórios. A questão é que as contingências descritas nestas regras não se concretizam para muitos. Aí vem toda sorte de frustrações que podem se transformarem em fontes produtoras de agressão.

A presença da polícia na escola são estímulos discriminativos que sinalizam a possibilidade de coerção. O que faz a polícia? A função da força militar é reprimir o que perturba a ordem social. O que mais além disso a polícia pode fazer na escola? Sua presença certamente inibirá as práticas de violência, pois sendo um estímulo aversivo, a população escolar vai se engajar em comportamentos de esquiva, comportamentos que evitem punições. Mas isso não coloca um fim na violência. É muita ingenuidade achar que a violência no contexto escolar vai deixar de ocorrer por causa da presença de policiais. É uma questão empírica. Todo estímulo aversivo condicionado pode perder sua função quando deixar de ser associado ocasionalmente a punições. Quando associado novamente a punições ele readquire sua função. 



A princípio a presença de policiais pode inibir as práticas de violência. Elas deixarão de ocorrer por um tempo. Com isso o policial deixará de atuar repressivamente. Deixando de atuar repressivamente sua função de estímulo aversivo condicionado pode sofrer extinção. Sofrendo extinção cria-se a possibilidade para o ressurgimento das práticas de violência. Ressurgindo as práticas de violência o policial terá que agir. Agindo sua conduta é novamente associada a punições, reassumindo sua função de estímulo aversivo condicionado.

Logicamente que os policiais receberão um treinamento para agirem no contexto escolar. Mas, ainda, assim, fardas e armas são estímulos que continuarão sinalizando possibilidade de coerção, e a mídia se encarrega de fazer esta associação todos os dias. Trata-se de uma experimentação social. Não precisamos ser completamente pessimistas. No entanto, não podemos deixar de questionar que o problema da violência no contexto escolar deva ser tratado apenas com práticas coercitivas, ou seja, deva ser tratado somente no âmbito das políticas de segurança pública.

Talvez seja a hora de se pensar seriamente a inserção de profissionais como Psicólogos(as) e Assistentes Sociais nas escolas, pois a violência que se manifesta neste contexto é produto de questões que transcendem os muros da comunidade escolar. Trata-se de um problema a ser tratado no âmbito das políticas de saúde e assistência social. Reprimi-lo com a presença ostensiva de um aparato militar é apenas camuflar uma situação que tem dimensões muito maiores. 



Se a inserção da força militar no contexto escolar tiver a função de gerar as condições necessárias para que outros trabalhos sejam feitos, pode-se dizer que ela é válida. É como no caso das UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora). Estas desenvolvem um trabalho que permite que o Estado adentre certas comunidades oferecendo aquilo que é de sua obrigação: saúde, saneamento básico, educação etc. Se a inserção de policiais no contexto escolar seguir uma lógica semelhante aquela seguida pelas UPP’s, podemos esperar algum resultado desta intervenção, ou seja, se ela objetivar gerar as condições para que o Estado ofereça outros serviços que tornem melhor o espaço educacional, podemos acreditar que esta intervenção possa produzir algum resultado positivo. Mas se este não for o objetivo, corremos o risco de estarmos apenas reproduzindo a velha lógica da coerção. Estaremos, assim, desperdiçando uma boa oportunidade de conduzir um bom experimento social.



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sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Modernidade e o Circo dos Horrores

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Não restam dúvidas que a humanidade caminha a passos largos. Nunca se viu tantas tecnologias surgirem tão rapidamente e em tão pouco tempo. Até bem pouco tempo não existia internet. Há algumas décadas poucos eram os que tinham um aparelho de televisão em casa. Se viajarmos um pouco mais no tempo chegaremos num momento em que o “Repórter Esso” era um dos poucos meios de divulgação de notícias, e muitos ficavam grudadinhos em seus rádios para saber o que se passava no mundo. Agora quase todos têm computador com acesso à internet.

Vivemos num mundo das pessoas conectadas. Existe uma teia de relações espalhadas pelos ares através das ondas de transmissão de informação. Existem neste momento inúmeros relacionamentos sendo construídos via bytes que trafegam pelos cabos de fibra ótica ou de telefonia convencional. Teias de relacionamentos se formam como teias de aranha em uma caverna escura e abandonada, ambiente perfeito para proliferação de aracnídeos.

É o mundo midiático, em que tudo vira notícia. Caiu, escorregou e se machucou, vira vídeo e vai para o youtube, ou vira foto e é compartilhado por famigerados usuários do facebook em busca de uma sensação momentânea de satisfação originada pela desgraça do outro. É o mundo dos 15 minutos de fama em que pessoas buscam aparecer na mídia de qualquer forma em troca de dinheiro, em busca da tão prometida ascensão social veiculada nos outdoors e capas de revistas. Alguns poucos até conseguem seus poucos minutos de fama, mas logo são esquecidos, pois o turbilhão de informações que circulam nas teias da web faz o novo rapidamente ficar velho. É o mundo do passageiro: o novo é logo velho, tudo é descartável numa velocidade impressionante.



Com isso a lógica da web vai se impregnando em nossas relações. Pessoas são descartadas, relacionamentos são efêmeros e rapidamente substituídos por outros. É o mundo do fast food, da comida rápida, do sexo virtual. E neste mundo o que importa é o prazer. É o mundo que permite acesso fácil a inúmeras fontes de reforçamento positivo sem muito esforço. Este mesmo acesso facilitado treina pessoas pouco resistentes à frustração. Já parou para perceber qual é sua reação quando sua conexão de internet cai? Provavelmente você vai da ira à melancolia em instantes.

O mundo moderno é um circo dos horrores. Quando as pessoas são “treinadas” para terem acesso fácil a reforços positivos, ao ficarem sem eles entram em colapso, se debatem em um quadro quase caótico. É um mundo que nos condiciona a sermos felizes a custa da desgraça dos outros. Isso banaliza a cultura da punição. O legal é se divertir punindo os outros. O que dá IBOPE é mandar alguém para o paredão, só para fazer alusão a um certo programa de televisão em que a desgraça do outro gera muita audiência. O que dá IBOPE é tramar estratégias para fazer com que o outro seja colocado no paredão. É a perpetuação sem fim da cultura do controle aversivo, da cultura em que punir o outro é algo banal, algo normal. Normal? Se isso for normal quero gritar com Raul Seixas: “Pare o mundo que eu quero descer!”



No mundo moderno o que faz feliz as pessoas é ver uma panicat trocando suas madeixas por um pouco de grana e fama. É o circo dos horrores! É a banalização do esforço desmedido para se tornar famoso doa a quem doer. Neste esforço tudo se faz para se conseguir um lugar ao sol, vale até puxar o tapete do outro, vale até colocá-lo no paredão, e por que não fuzilá-lo? Vale vender suas madeixas, e por que não vender todo o resto, já que a sexualidade no mundo moderno é mercadoria altamente vendável? É o mundo do fast food sexual, em que as pessoas estão trocando relações reais por relações sexuais virtuais. Perde-se a referência do contato com o outro e com isso fontes importantes de reforçamento que poderiam contribuir para a modelagem de habilidades sociais. 



É o mundo do Reality Show, em que a vida privada virou comércio. Com isso perpetua-se a lógica de que não existe intimidade, de que tudo se pode fazer para invadir a privacidade alheia. É o mundo dos paparazzis, das revistas de fofoca, dos programas de Sônia Abrão, Casos de Família etc. Leva-se famílias para um palco de um programa de televisão para discutirem os seus problemas íntimos. Isso é fonte de diversão para muitos. Com isso perpetua-se a lógica da invasão da privacidade, da intimidade escancarada. Estamos a um passo de uma cultura em que não haverá limites claros entre a vida íntima e a vida pública, e esta confusão nos colocará muito próximos da completa ausência de parâmetros éticos, pois se tudo pode em nome do ibope, inclusive invadir a intimidade, o que será então proibido?




São as contingências do comportamento de consumir desenfreadamente, de consumir sexo virtual, consumir a intimidade escancarada nos reality shows, de consumir a cerveja gelada associada à imagem da mulher seminua, de consumir a novela que nos ensina que se vingar e punir é coisa normal. Onde vamos parar? Que mundo estamos construindo? Um mundo regido por contingências de controle aversivo e por contingências que expõem a vida íntima, pois expor a vida íntima é altamente reforçador. Um mundo que oferece acesso fácil a inúmeras fontes de reforçamento positivo, reforçamento consequenciado a muitos comportamentos que produzem prejuízos individuais e coletivos. 

Reforçamento positivo também pode gerar problemas, e isso não é novidade, pois o leitor que tem acompanhado o blog já viu esta questão trabalhada em outros posts. Estamos construindo um mundo de pessoas que são treinadas para serem frustradas, pois se acostumam tanto ao prazer fácil que quando ficam sem ele entram em colapso emocional. Estamos treinando pessoas que não sabem se esforçarem para obterem seus objetivos, pois desde tenra infância são acostumadas aos prazeres fáceis. Mundo dos circos dos horrores! Mundo das futilidades. Fica a pergunta: que futuro estamos construindo para a humanidade?

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terça-feira, 17 de abril de 2012

Prisões e punições: algumas reflexões preliminares

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

As prisões são tão antigas quanto a humanidade. Suas funções foram sofrendo modificações ao longo da história, mas algo nelas tem se preservado a despeito de toda mudança: são instituições criadas com o fim de engendrarem punições, ou seja, para prender e punir os infratores recolhidos em seus interiores.  A suposição que mantém a lógica do encarceramento é de que a punição pode servir à correção, de que a punição pode gerar mudanças comportamentais de modo a extirpar o comportamento punido. Será?


A Análise Experimental do Comportamento tem apontado em outra direção. Punição não extingue o comportamento punido. Punição suprime temporariamente o comportamento punido. Suprime porque os estímulos punitivos, tecnicamente chamados de aversivos, geram comportamentos incompatíveis com o comportamento punido. A criança que apanha por ter quebrado o arranjo de flores da mãe, deixa de se engajar em comportamentos de mexer no que não pode, porque a punição suscitou comportamentos emocionais incompatíveis com o comportamento punido, e o chorar é um exemplo deste tipo de comportamento emocional. Enquanto chora ela deixa de mexer no arranjo, mas pode ser ameaçada de nova punição por chorar, então, qualquer comportamento que termine a ameaça pode ser reforçado.

Disto se conclui duas coisas: a punição gera disposições emocionais geralmente incompatíveis com o comportamento punido e estabelece a ocasião para a ocorrência de comportamentos que terminem a punição. Estes comportamentos que terminam a punição são fortalecidos pela remoção dos estímulos aversivos, o que significa que o que está em vigor é uma operação de reforçamento negativo. Mas, terminada a punição o comportamento punido pode voltar a ocorrer. Sendo assim, a supressão do comportamento punido é apenas temporária, ou seja, ele desaparece enquanto perdurarem os efeitos da punição. Uma vez terminada a punição o comportamento geralmente volta a ocorrer com a mesma força.

Isso acontece porque este comportamento mesmo tendo sido punido produz algum reforçamento positivo. A criança que mexe nas coisas dos pais obtém algum reforçamento com isso, seja pela estimulação sensorial de manipular objetos diferentes, ou seja pela atenção dispensada pelos adultos. Imaginem pais relapsos que quase não dão atenção aos filhos. Chegam muito cansados do trabalho e sentam na frente da televisão ou do computador para acessar o facebook. Com isso não dão nenhuma atenção para os filhos e só fazem isso quando estes mexem em alguma coisa. O filho “descobre” que consegue fazer os pais saírem da frente da TV ou do PC mexendo em algo. Então todo comportamento punido foi anteriormente reforçado de alguma maneira. Para fazê-lo desaparecer é mais efetivo colocá-lo em extinção do que puni-lo, pois além da punição não fazer o comportamento desaparecer, ela gera produtos emocionais bastante nocivos, e tudo que se associar à punição passa adquirir a mesma função, ou seja, a função de gerar subprodutos emocionais nefastos.


A criança quando vê o chinelo na mão da mãe já chora por antecipação. O chinelo e certas feições da mãe, como também seu timbre de voz acabam se associando às punições, e por isso geram a disposição de chorar na criança antes mesmo de ser punida. Provavelmente a criança sentirá alguma ansiedade entre o intervalo do anúncio da punição até o momento que ela se efetive de fato, ou seja, sofrerá por antecipação. Não é que ela sofra de fato por antecipação, mas os estímulos do contexto associados às punições, estímulos como o chinelo, o cinto, certas feições, o timbre de voz entre outros, evocam respostas emocionais provocadas pela punição no passado. Punição gera estímulos punitivos (aversivos), ou seja, o uso de punição contribui para construir ambientes aversivos, ambientes hostis.

São diversos os produtos emocionais nocivos gerados pelas punições: ansiedade, depressão, baixa autoestima, medo, culpa, agressão etc. Chama a atenção este último. Punição gera agressão. Em outras palavras coerção gera coerção. Isso porque o organismo punido se engajará em comportamento que termine a punição. Este pode agredir para terminar a punição. A agressão é um comportamento de contracontrole que tenta colocar fim às fontes de estimulação aversiva. Talvez seja um dos produtos mais nefastos da utilização da punição. Mais cedo ou mais tarde todo sistema punitivo acaba gerando algum contracontrole, algum comportamento de ataque ao próprio sistema punitivo, cujo objetivo é colocar fim ao seu funcionamento.

As prisões são o exemplo perfeito de como sistemas punitivos geram contracontrole. Talvez o leitor se lembre da chacina do Carandirú em 1992, chacina que terminou com a morte de 111 detentos. Tudo começou com uma rebelião que foi detida com uma operação policial desastrosa. Presos protestavam por causa da superlotação e das condições precárias geradas por essa superlotação. O protesto dos presos são comportamentos de contracontrole. Assumir o controle do presídio é uma forma de se rebelar contra as fontes de punição. Mas o Estado com toda sua “inteligência policial” ou com todo o seu aparato policial repressor, tentou colocar fim a comportamentos de contracontrole e/ou a comportamentos de rebelião ocasionados pelas punições engendradas pelo sistema penitenciário com mais punição. O resultado não poderia ter sido outro: uma grande chacina. Resolver situações geradas por punição com mais punição geralmente se tem como resultado um quadro bastante “caótico”.


A questão que se coloca é que o objetivo que sustenta (motiva) a construção das prisões jamais será atingido: colocar um fim no comportamento delituoso através da punição. Está provado que punição não extingue o comportamento punido, somente o suprime temporiamente, mas ao mesmo tempo gera resultados que podem ser desastrosos tanto para os indivíduos separadamente, quanto para toda a sociedade. Utilizamos a punição porque ela aparentemente parece funcionar. Seus efeitos são imediatos. Assim que usada o comportamento punido parece declinar. Mas as aparências enganam. Comportamento punido declina temporariamente por causa dos efeitos de supressão da punição. Uma vez cessada a punição o comportamento volta a ocorrer.


Mas a análise precisa ir mais longe. Vivemos num mundo das coisas fáceis, ou que aparentemente são fáceis. A mídia promete ascensão social imediata, desde que se trabalhe, desde que se lute com unhas e dentes etc. No entanto, não há trabalho para todos, e nem nunca haverá, pois num sistema capitalista o exército de reserva (a massa de excluídos do mercado de trabalho) constitui-se enquanto estratégia utilizada pelo capitalista para exercer pressão sobre o trabalhador. Ele diz: “não quer trabalhar, há quem queira”. Não encontrando ascensão muitos tentam adquirir o prometido pela mídia através de delitos: furtos, roubos, tráfico etc. Não se trata de uma generalização em que os motivos dos crimes se reduzam a tentativa de obtenção de ascensão social ou de construção de meios de sobrevivência. Mas tal hipótese não pode ser descartada dada sua importância. Trata-se aqui de uma tentativa de pensar o crime a partir dos contextos sociais em que ocorre, algo que não é estranho ao Behaviorismo Radical, pois de acordo com esta perspectiva todo comportamento é determinado pelo ambiente, inclusive e principalmente pelos ambientes sociais.

Talvez a diminuição da criminalidade passe pela construção de uma sociedade que pense em sua própria sobrevivência e que pense também no bem-estar de seus membros, sobretudo, no bem-estar social de seus membros, pois é bem verdade que vivemos numa sociedade de mal-estar social, numa sociedade que constrói presídios e equipa as polícias com aparatos tecnológicos para lidar com os produtos que ela mesmo gera, e um destes produtos é a criminalidade. Mas punir a criminalidade fará com que ela desapareça ou mesmo reduza significativamente? Fica a pergunta.

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