quinta-feira, 15 de março de 2012

Contingências imediatas X Contingências postergadas: o caso do fumar e uma breve análise da regulamentação da adição de sabor em cigarros criada pela ANVISA

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

O uso de substâncias que causam algum tipo de dependência é um hábito tão antigo quanto a própria humanidade. Desde que o Homem é Homem ele faz uso de substâncias que alteram os seus estados fisiológicos e psicológicos, alterações que produzem sensações imediatas, sensações que geralmente são descritas como prazer quando a contingência em operação normalmente é de reforçamento positivo e de alívio quando comumente se trata de uma contingência que envolve reforçamento negativo.

A princípio é difícil fazer uma afirmação generalizada e dizer que o uso do tabaco envolve somente contingências de reforçamento positivo. Cada caso deve ser analisado em particular. Há casos em que claramente o efeito do uso do tabaco é de provocar sensações de prazer. Há outros casos em que o ato de fumar proporciona um alívio decorrente da eliminação de estímulos aversivos (punitivos), seja porque o fumar “desloca” temporariamente a atenção do evento aversivo, seja porque é capaz de induzir estados fisiológicos que se sobrepõem àqueles estados produzidos por este tipo de evento.

De qualquer forma, se a operação em vigor for de reforçamento positivo ou negativo, o que importa é que o fumar está sendo reforçado, seja pelo acréscimo de certos estímulos ou pela retirada de outros. Somado a isso existe o fato da nicotina e outras substâncias presentes no cigarro serem capazes de produzirem dependência física. Outra questão importante é que o fumar produz a longo prazo consequências aversivas: mau hálito, amarelamento dos dentes, dificuldades respiratórias, possibilidade de desenvolvimento de algum tipo de câncer (lábios, cavidade bucal, laringe, pulmão etc), possibilidade de desenvolvimento de doenças cardiovasculares etc.


Mesmo o fumante sabendo de todos os riscos que envolve a longo prazo o fumar, ele dificilmente abandona o hábito. Temos aqui a disputa entre dois tipos de contingências: as contingências imediatas e as contingências postergadas. Logicamente que as contingências imediatas acabam sobrepujando os efeitos das contingências a longo prazo. A imediaticidade do reforço produzido pelo fumar impede que o fumante entre em contato com os efeitos das contingências postergadas, das contingências aversivas a longo prazo. Mesmo que o fumante seja capaz de descrever para si todos os efeitos aversivos das contingências postergadas, o efeito imediato dos reforços gerados pelo ato de fumar acaba tendo maior poder de controle sobre o comportamento.

Para parar de fumar é necessário entrar em contato com as contingências postergadas e seus efeitos, como também é necessário que outros comportamentos substituam o fumar, e que esses comportamentos sejam capazes de produzir reforços tão poderosos quanto os produzidos pelo ato de fumar, mas reforços que não produzam efeitos desastrosos a longo prazo. Trata-se de migrar do controle imediato das contingências que envolvem o fumar e seus efeitos, para estar sob controle de regras que descrevam os efeitos das contingências postergadas, e ao descreverem reproduzam alguns destes efeitos, afim de que o fumante possa se engajar num comportamento de esquiva, ou seja, num comportamento que evite os efeitos danosos do fumar. O comportamento de esquiva é um comportamento mantido por reforçamento negativo. Mas somente isso não é suficiente. No presente o fumante precisa entrar em contato com poderosas contingências de reforçamento positivo que modelem comportamentos que substituam o comportamento de fumar. É alterando as contingências que se altera o comportamento de fumar, criando assim a possibilidade de que outros comportamentos mais adaptativos sejam modelados.

Mas esta não é uma tarefa fácil, pois tendo a indústria de tabaco perdido terreno na mídia há alguns anos, esta tem investido na criação de meios que tornem o tabaco um poderoso estímulo reforçador. Uma das alternativas para que isso pudesse acontecer foi o lançamento dos cigarros com sabor. O objetivo desta alternativa é atingir cada vez mais o público jovem, público que é formado por pessoas que tem alto potencial de consumo, não somente do tabaco como também de outros bens que atuem como reforçadores.

E parece que a alternativa vem dando certo, tanto que a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) resolveu se posicionar. A Agência lançou uma portaria proibindo a utilização de substâncias que adicionem sabores aos cigarros tornando-os um atrativo. Veja reportagem a respeito clicando aqui. De acordo com técnicos (cientistas) da ANVISA entre 2007 e 2010 o número de marcas de cigarros com sabor passou de 21 para 40. Os dados não mentem. Este é um mercado lucrativo. Se aumentou o número de marcas de cigarros com algum tipo de sabor, é sinal de que o sabor é um reforçador adicional no cigarro. Se este reforçador pode aumentar a probabilidade do fumar, por que não regulamentar (proibir) a adição de sabor em cigarros?


Logicamente que a medida causou descontentamento entre os fabricantes de cigarros, pois ela pode representar a perda de algumas cifras no faturamento destas empresas. E como é sabido a suspensão de reforçamento positivo pode causar reações as mais adversas, desde frustração até agressões. Resta saber se a medida pode contribuir a longo prazo para que o consumo de tabaco entre os jovens possa declinar. Tenho dúvidas a este respeito, pois seriam necessárias outras contingências para produzir este resultado. No entanto, esta já é uma iniciativa para regular um nicho de mercado que tantos prejuízos produz para a saúde de tantas pessoas. 

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