segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Feudalismo Político Brasileiro

Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

A democracia nunca foi um traço marcante da cultura brasileira desde os primóridos da formação de nossa nação, ou seja, a possibilidade do exercício do contracontrole é algo bastante recente na história de nosso país, algo conseguido no início dos anos 90. O que em tese a democracia tem a nos oferecer é a possibilidade de participarmos da gestão pública, ou seja, de exercermos controle sobre aqueles que governam, e isso ocorre através dos mecanismos oficiais que existem para esse fim, e em democracias representativas como a brasileira o voto é o maior de todos estes mecanismos.

O voto não deveria ser e nem é o único meio através do qual a população pode exercer controle sobre quem governa. Cada política pública cria espaços em que a participação na gestão se torna algo possível. Na Assistência Social, por exemplo, existem os conselhos municipais de assistência social, que seguem o modelo da política de saúde onde existem os conselhos de saúde. Através destes conselhos a população pode acompanhar a gestão das políticas, como também propor medidas para que elas atinjam de fato o público ao qual estão destinadas. Em outras palavras, estes conselhos tornam possível o exercício do contracontrole, uma contingência possível em governos democráticos.

Todavia, na prática tais conselhos encontram inúmeras dificuldades para funcionarem, que vão desde o despreparo de quem deles participa, despreparo que se faz notar pelo desconhecimento da política sobre qual o conselho deve exercer contracontrole, até o cerceamento de informações que dificultam o funcionamento destes que deveriam ser espaços privilegiados onde a democracia participativa tem possibilidade de ser fomentada. Este cerceamento se traduz pelo fornecimento de informações incompletas aos conselhos pelos órgãos públicos. Quando estas informações são completas chegam aos conselhos com tanto atraso que a discussão sobre as mesmas ficam prejudicadas, e por causa disso muitas deliberações são tomadas sob pressão.

Mas os conselhos também costumam serem utilizados pelos membros que deles fazem parte para inviabilizar iniciativas que poderiam produzir benefícios sociais em larga escala, e agem assim porque utilizam o conselho em benefício próprio, seja para conseguirem visibilidade social que pode se traduzir em votos numa possível eleição futura ou em cargos na administração pública. Isso faz com que o fim para qual foi criado o conselho seja completamente desvirtuado, ou seja, ao invés de criarem contingências para o exercício de um efetivo contracontrole, se transformam em meios para obtenção de benefícios pessoais ou em vitrines para oposições políticas que muitas vezes mais inviabilizam do que promovem a efetividade de iniciativas tomadas pela administração pública.

Os conselhos acabam se transformando em feudos, e alguns membros que deles participam agem como vassalos que ora trocam seu trabalho por proteção e um lugar ao sol e ora tentam usurpar o poder do senhor feudal. Estas relações de vassalagem que transformam conselhos e órgãos públicos em feudos, acabam por criar contingências em que poucos são beneficiados. É a utilização da administração pública para obtenção de benefícios pessoais. Quem perde com isso é toda a sociedade, pois enquanto se gasta tempo utilizando órgãos públicos para obtenção de benefícios sociais, acaba-se desperdiçando recursos públicos que poderiam ser investidos em serviços de qualidade.

Com tudo isso o voto enquanto meio para exercício de contracontrole acaba sendo excessivamente valorizado, a ponto de muitos pensarem que ele é o único recurso que a sociedade dispõe para influenciar a conduta de seus governantes. Dada a importância que se atribui ao voto, tudo se faz para poder conquistá-lo. Milhões são investidos em campanhas que fazem o uso dos recursos do marketing e propaganda para que eleitores sejam convencidos, e geralmente eles são. Logicamente que aqueles que financiam tais propagandas mais tarde cobram os seus favores. A estes são reservados cargos na administração pública ou são promovidas ações que os beneficiem.

Todas estas ações são uma forma de garantir que o feudo será conquistado e mantido durante quatro anos, e assim a festa da democracia vai fortalecendo os laços de vassalagem entre administração pública e privada, bem como os laços entre coligações que se formam com o objetivo de se apoderarem do castelo do grande senhor, e aqui o castelo é o prédio da prefeitura com todas as suas repartições. Os secretários escolhidos a partir de alianças forjadas entre partidos que se declaravam como opositores, são os senhores feudais submetidos à autoridade do grande rei, e aqui fica difícil definir se o rei é encarnado na figura do prefeito ou daqueles que financiam sua gestão.

Ficam para escanteio os critérios técnicos. Valorizam-se as alianças, por assim dizer os critérios politicos, o que acaba inviabilizando uma gestão mais técnica das políticas públicas, pois uma gestão técnica pode enfraquecer os laços de vassalagem e levar à dissolução do feudo. Então, muitas são as contingências por trás da democracia brasileira. Nossa democracia não é formada apenas pela contingência criada pelo voto. Há muitos reforços que vão além do voto e estes precisam ser considerados se quisermos apreender toda a riqueza de detalhes que compõem o quadro político brasileiro, pois estes reforços controlam os comportamentos dos gestores de políticas públicas, e por sua vez os comportamentos dos gestores criam contingências que afetam toda a coletividade.

Fica claro, portanto, que a democracia "pura", aquela em que há espaços para participação popular ainda não existe totalmente em nossa cultura, pois tais espaços estão submetidos ao interesse da iniciativa privada ou estão sob a tutela de quem usa a administração pública para a produção de benefícios individuais. Não se trata de uma análise pessimista, e esta nem pode ser generalizada a toda administração pública em qualquer um de seus níveis. Mas via de regra, encontraremos circunstâncias muito parecidas com as que foram esboçadas neste texto em muitos recantos deste nosso imenso país.

Nossa democracia precisa ser aprimorada se não quisermos estar constantemente sobre a ditadura burra da maioria que é facilmente manipulada por quem está no poder, e estes usam os mais diferentes recursos para conseguirem tal intento. Temos algumas alternativas para reversão deste quadro: o privilégio de critérios técnicos, critérios que sejam capazes de provar que este ou aquele curso de ação tem maior capacidade de produzir resultados; e eliminação daquelas contingências que interferem com o pleno exercício do contracontrole e que foram acima descritas.

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