sábado, 16 de fevereiro de 2013

Autoridade

Por: Pedro Sampaio.
Todos nós tendemos a confiar mais em algumas pessoas do que em outras. Temos amigos aos quais fazemos confidências que não faríamos a nenhuma outra pessoa; temos grupos nos quais confiamos para falar sobre determinados assuntos mas não sobre outros; conhecemos pessoas das quais aceitamos alegremente conselhos sobre qual o melhor carro para comprarmos, mas jamais sobre relacionamentos; e por aí vai. 
Geralmente essa confiança é conquistada ao longo do tempo. A pessoa nos dá mostras de podermos confiar nela ou então mostras de que não podemos. Em alguns casos, essa confiança nem é adquirida ao longo do tempo, como, por exemplo, quando alguém em quem confiamos nos indica que Fulano sabe muito sobre carros e deveríamos aceitar seu conselho a respeito. E há ainda aqueles em quem confiamos não por nossa experiência, nem devido à indicação de várias pessoas ou de uma pessoa de confiança, mas porque ocupam posições de autoridade.
 
Assim, quando aparece uma mancha estranha na nossa pele, geralmente preferimos a opinião de um médico, diplomado e especializado em manchas na pele, à opinião de um estranho na rua.

Isso é absolutamente natural, e fazemos bem de nos comportarmos desta forma. Tendemos a confiar no médico, porque o tal médico, com diploma e doutorado sobre manchas na pele, provavelmente não teria conseguido ser uma autoridade no assunto se não tivesse estudado muito sobre o tema, se não conhecesse mais sobre isso do que a maioria das pessoas e se não tivesse tido um bom desempenho quando o assunto são manchas na pele. É bastante provável que a opinião dele seja mais correta que a minha ou a de um estranho qualquer na rua.

O médico é um bom exemplo, mas nem de perto apenas médicos estão em uma posição de autoridade. A quem tomamos como autoridade varia bastante de pessoa para pessoa, mas outros exemplos comuns de autoridades são os pais, padres, pastores, cientistas, professores, dentre outros.

Embora por um lado façamos bem em confiarmos em autoridades, há um perigoso efeito colateral nisso, tão perigoso a ponto de ser um dos maiores problemas na produção de conhecimento atualmente: tomam-se afirmações de autoridades como sinônimos de verdades, ao invés de se ter a preocupação de analisar a veracidade de afirmações. Autoridades, independentemente da posição que ocupam, não têm poderes especiais que as demais pessoas não tenham e suas afirmações não são, por si mesmas, mais verdadeiras por serem autoridades. No entanto, infelizmente, frequentemente são tratadas desta forma.

Assim, por mais contra-intuitivo que isso possa ser, uma idéia de Freud não tem, por si só,  mais valor do que a de um mendigo, nem as de Einstein mais valor do que as de um estudante do ensino médio. O que deve ser analisado é qual o fundamento daquela idéia e quais motivos temos para concordar com ela. O fato de alguém ser uma reconhecida autoridade não elimina a possibilidade de que esteja redondamente enganado.

Uma das coisas que mais me incomodavam na Psicanálise, mesmo quando eu ainda me orientava por ela, é o fato de quase nunca trazerem evidências para suas afirmações. Em quase a totalidade dos casos, psicanalistas recorriam à autoridade (geralmente de Freud, às vezes de Lacan – e este último recorria à autoridade do primeiro), ao invés de trazerem razões para que eu concordasse com eles. Da mesma forma, rejeitavam idéias e colocações de colegas psicanalistas baseados na mesma autoridade: nada poderia ser mais destruidor para a idéia de um psicanalista do que ouvir um colega apontar que Freud pensava diferente ou que Lacan disse que não é assim que aquilo funciona.

Mas, a não ser que estejamos debatendo o que Freud disse (o que tem uma pertinência pequena, apenas de curiosidade histórica), o fato de Freud endossar uma idéia não quer dizer absolutamente nada. Entretanto, a maioria parece não estar ciente deste fato. E elevar a autoridade a critério de verdade é cometer suicídio intelectual.

Ironicamente, o próprio Freud atacou sistematicamente essa prática, de apelo à autoridade. Preocupou-se bastante com psicanalistas que tomavam suas afirmações como verdades e igualmente criticou duramente outras idéias que se apoiavam mais na autoridade do que nos fatos. Por exemplo, ao falar sobre o marxismo, disse:

O marxismo teórico, tal como foi concebido no bolchevismo russo, adquiriu a energia e o caráter auto-suficiente de uma Weltanschauung; contudo, adquiriu, ao mesmo tempo, uma sinistra semelhança com aquilo contra o que está lutando. Embora sendo originalmente uma parcela da ciência, e construído, em sua implementação, sobre a ciência e a tecnologia, criou uma proibição para o pensamento que é exatamente tão intolerante como o era a religião, no passado. Qualquer exame crítico do marxismo está proibido, dúvidas referentes à sua correção são punidas, do mesmo modo que uma heresia, em outras épocas, era punida pela Igreja Católica. Os escritos de Marx assumiram o lugar da Bíblia e do Alcorão, como fonte de revelação, embora não parecessem estar mais isentos de contradições e obscuridades do que esses antigos livros sagrados.” (FREUD, 1933, p.218)

É de fato uma triste ironia que exatamente o mesmo possa ser dito hoje a respeito da Psicanálise.

Mas esta questão vai muito além da Psicanálise e da Psicologia. De modo geral, alunos não são incentivados a pensar criticamente e a questionar autoridades. Pelo contrário, são ensinados a reproduzir o que os professores dizem. Em casa, os pais também tendem a educar seus filhos de modo que eles sejam obedientes e questionem o mínimo possível sua autoridade. Nas universidades é comum que os alunos simplesmente aceitem o que é dito por um professor por este emanar autoridade, segurança, eloqüência, enfim, porque admiram atributos deste professor. Mas isso nada tem a ver com a veracidade de suas afirmações.

Não aceitar argumentos apenas porque vieram de autoridades talvez seja uma das lições mais importantes a se disseminar. Se recorrer à autoridade pode ter sua funcionalidade – como expus no princípio deste texto – apenas um senso crítico implacável poderá evitar que fiquemos a mercê delas.



Fonte: Pedro Sampaio: A Vida, o Universo e Tudo Mais.

Referência;

Conferência XXXV: A Questão de Uma Weltanschauung,1933 In: FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Volume XXII. Imago Editora Ltda, Rio de Janeiro, 1976
 

2 comentários:

  1. Olá Multiplicador Bruno, é com enorme satisfação que recebemos sua participação na família Educadores Multiplicadores.

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    Abraço, fiquemos na Paz de Deus e até breve!

    IRIVAN

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    1. Obrigado Irivan pela aprovação do meu blog. É uma honra fazer parte da família Educadores Multiplicadores!

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