sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Os Sintomas da Vida Moderna


Por: Bruno Alvarenga Ribeiro.

Não sei se acontece só comigo ou se com você leitor essa é também uma prática recorrente. Refiro-me as queixas que têm como foco principal a carência. Tenho visto muitas pessoas se queixarem de se sentirem carentes e sozinhas. Fico imaginando o quanto estas queixas podem estar relacionadas ao modo de vida imposto pelos tempos modernos em que vivemos.

Uma coisa é fato: desde que o Homem é Homem que ele propavelmente sente carência. A carência não é um sentimento exclusivo dos tempos modernos, e seria muito grosseiro fazer tal afirmação. No entanto, fico aqui a conjecturar o quanto a modernidade com todas suas tecnologias que prometem facilitar a comunicação , que promentem promover a socialização, têm de fato cumprido com o esperado. Também não é a tecnologia a culpada, mas certamente o uso que dela se faz acarreta em diversos impactos sobre os seus usuários.

O isolamento e/ou o enclausuramento digital, algo que era inimaginável há algumas décadas, tem se tornado cada vez mais comum. Pessoas gastam horas de suas vidas na frente do computador. E parte significativa destas horas na frente do computador são gastas com as redes sociais. O quão social são de fato as redes sociais? Se a pessoa que faz uso das redes sociais já era alguém que tinha vida social, certamente estas redes vão produzir um acréscimo, ou seja, serão apenas mais uma alternativa a ser usada para expansão dos contatos sociais.

Por outro lado, se a pessoa tem um histórico de dificuldades no estabelecimento de contatos sociais, as redes sociais podem funcionarem como uma fuga. Esta fuga pode provocar isolamento social, isolamento social acarreta em perda de importantes estímulos reforçadores, com isso surge o sentimento de carência. Contudo, é incrível que mesmo os mais sociáveis se queixam de carência. Então vamos tentar entender o que é a carência.

Não precisa dizer que a carência é um sentimento, e geralmente este se manifesta por meio de uma sensação de vazio, de uma sensação de que está faltando alguma coisa. De fato falta alguma coisa quando se sente carência, pois a carência enquanto sentimento é produto de uma operação comportamental chamada de privação. Mas privação de que? Privação de estímulos reforçadores, geralmente estímulos de origem social.

Privação e modernidade, qual a relação entre ambos? A vida moderna nos impõe um alto padrão de competitividade, aliás a competitividade é a marca padrão do sistema de produção capitalista, o que exige de todos nós um alto ciclo de atividades, ou seja, para que possamos competir e sobreviver no mercado de trabalho e assim sermos capazes de fazer a manutenção de nossos padrões de vida, temos que inevitavelmente nos debruçarmos sobre o trabalho, temos que literalmente correr atrás do ganha pão.

Com isso acaba sobrando muito pouco tempo para o lazer, e o lazer mais barato e menos custoso de ser colocado em prática é aquele ofertado pelas redes sociais. A correria da vida moderna priva-nos de muitos reforçadores importantes que muitas vezes tentamos buscar nas redes sociais. O perigo é que os contatos sociais reais sejam substituídos pelos contatos sociais virtuais. Na frente do computador e trancados dentro de nossas casas sentimo-nos muito mais seguros.

A segurança do lar fornece-nos a possibilidade de evitarmos aborrecimentos, frustrações, pois a vida real, aquela em que não podemos simplesmente bloquear ou excluir a pessoa como fazemos nas redes sociais quando nos sentimos aborrecidos, é cheia de desafios. E estes desafios quando superados fortalecem nossas capacidades de superação de obstáculos, de gestão de conflitos, de tolerância a frustrações etc. A vida real presentea-nos com imprevistos que nos dão as chances de ampliarmos as formas com as quais podemos operar no mundo, de modificarmos as nossas formas de existir, de nos tornarmos pessoas mais flexíveis e talvez mais amáveis, ou ao menos mais tolerantes.

Já as redes sociais nos oferecem a possibilidade de excluirmos aborrecimentos com apenas um clique. O preço que se paga para se livrar de aborrecimentos com um clique é o de ser aplacado pela sensação de carência. A carência não é o único sintoma da vida moderna. Um outro notável sintoma é a intolerância. As pessoas estão cada vez mais intolerantes, cada vez mais incapazes de resistirem a frustrações, não sabem lidar com imprevistos, não sabem consertar o que estragou, pois é mais fácil comprar uma mercadoria nova. As pessoas estão acostumadas às coisas prontas. É muito mais fácil chegar num restaurante e já encontrar a comida pronta do que se dar ao trabalho de cozinhar.

Não sabendo fazer e se acostumando a adquirir pronto, as pessoas vão sendo modeladas para se tornarem imediatistas. Imediatismo, outro sinal dos tempos modernos. Se alguém liga para o celular do outro e cai na caixa postal isso se transforma em um inferno existencial (e aqui a rima não foi proposital... rsrsrs!), pois o imediatismo impede a pessoa de entender que nem sempre tudo que se quer de fato se consegue alcançar no momento em que se deseja. Há sonhos que precisam ser adiados, pois requerem planejamento, mas planejamento pode significar atraso na obtenção de certos reforços, algo que muitos não suportam, pois tendo sido modelados pelo "frenezi" da vida moderna querem resultados imediatos. Todavia, nem tudo pode ser obtido com a imediaticidade com o qual se deseja.

Por outro lado o planejamento pode aumentar as chances de que no futuro os reforços que se deseja obter sejam de fato obtidos. É o imediatismo versus os resultados a longo prazo, ou numa linguagem um pouco mais técnica, são as contingências imediatas versus as contingências postergadas. O efeito das contingências imediatas são muito mais visíveis, muito mais paupáveis. Desta maneira estas contingências podem se transformarem em armadilhas que fazem com que as pessoas que são expostas a elas se tornem reféns de um estilo de vida que só será modificado quando as próprias contingências forem modificadas.

Fica a pergunta: que mundo estamos contruindo para a humanidade? Podemos introduzir modificações nas contingências de reforço presentes neste mundo, de modo que as pessoas sejam menos reféns de estilos de vida que escravizam e se tornem portanto mais felizes? Se alguém tiver alguma sugestão que opine!


7 comentários:

  1. Super legal o seu Post, Bruno!
    É absolutamente verdadeiro que estamos em privação dos reforçadores que o lazer produz. Ouso associar a isso, inclusive, o abuso intermitente de substâncias químicas (o típico sujeito que bebe somente nas baladas, por exemplo) que vêm entorpecer a criticidade e o juízo moral, como se lhe tirasse a oportunidade de comportar-se apropriadamente como sempre. Parece que somente na incapacidade de emitir o mesmo padrão comportamntal do dia a dia é que um novo repertório surge, como se viesse garantir ao menos um pouco do lazer ao qual se está privado.
    Não sei se me fiz entender (rs), mas seu Post contribuiu para refletir perspectivas que muitas vezes nos fogem aos olhos.
    Parabéns. :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito boas suas observações Francine. Vc foi muito além da proposta do texto, e conseguiu sintetizar em poucas palavras aquilo que tentei fazer em alguns parágrafos.

      Excluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Francine: quando vc diz que ESTAMOS PRIVADOS, você se coloca em um NÓS que não necessariamente inclui muitos OUTROS. O uso de susbstâncias psicoatívas tem atravessado a história de várias civilizações ao longo de séculos; o que parece ser indicador do lugar privilegiado que tais práticas culturais ocupam em cadeias compotarmentais de humanos. Mesmo tomando como evidência que o uso de tais substâncias seja um risco para a saúde de seus usuários, ele parece extremamente resistente à extinção. Convido-lhe a pensar melhor sobre tais questões. Ainda que nos seja arriscado operar com hipóteses, talvez o uso da bebida, para pegarmos um exemplo dado por você, possa ser, em nosso tempo, um cpto de contracontrole. Dentre outras, esta pode ser uma das razões para a resistência à sua extinção. Apenas a título de informação, o consumo de álcool por humanos data aproximadamente de 6000 a.c. Inebriante, pois não?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Paulo, não creio que a Francie aponte a privação dos reforços proporcionados pelo lazer como a única operação comportamental relacionada à ingestão de álcool ou ao uso de outras drogas. A ênfase dada à privação se deve ao fato desta temática ter sido objeto de análise do texto. Ninguém em sã consciência incorreria em uma análise tão simplista.

      Excluir
    2. Obrigada, Bruno! Você interpretou adequadamente minha opinião.

      Paulo,
      Obrigada por tamanha atenção dedicada a uma opinião tão simples.
      Concordo com você sobre o cuidado com termos generalistas. Usei-o apenas para me referir à sociedade como um todo, tendo em vista a abordagem do Bruno neste Post. Ainda, em relação ao uso de substâncias psicoativas, ressalto que minha opinião é meramente pautada em uma breve reflexão a partir do texto e não pormenorizada e cientificamente. Ou seja, refiro-me ao fato de que atualmente – independentemente das inúmeras funções que o abuso de substâncias detém na história da humanidade – uma das hipóteses para seu uso intermitente advém da alta frequência com que os comportamentos com função de subsistência são emitidos, suprimindo os comportamentos com função de lazer. Assim, usar 'entorpecentes' poderia ter a função de aumentar as chances para que os comportamentos relacionados ao lazer produzissem reforçadores.
      Obviamente, minha opinião foi espontânea, quase imediata à reflexão proposta pelo Bruno. Por isso não tive total cuidado ao expressá-la. Desculpe se com isso lhe causei desconforto.
      Obrigada pela preocupação em responder.

      Excluir
    3. Francine, continuo concordando com sua hipótese de que cadeias de comportamentos de sobrevivência suprimem os comportamentos de lazer e que isso gera privação, e sabemos que privação pode ser algo aversivo, o que aumenta a probabilidade de uso de entorpecentes, de modo a diminuir a aversividade das operações de privação.

      Excluir

Obrigado por participar!